ANÁLISE DO ACÓRDÃO PROFERIDO NOS AUTOS DA ADI 3258-5/RO

Por Diego Ricardo Marques | 08/05/2017 | Direito

Cuida-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.258-5/RO proposta pelo governador do Estado de Rondônia em face da Lei Estadual 1.317/2004, de iniciativa da Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia, que permitia a utilização, pelas polícias civil e militar, de armas de fogo apreendidas no referido Estado

Em apertada síntese alegou o Governador do Estado de Rondônia/RO a existência de vício formal decorrente da violação de sua iniciativa legislativa quanto à disposição acerca das atribuições da Secretaria Estadual de Segurança Pública, invasão da competência legislativa da união de dispor sobre matéria de direito penal e material bélico, prevista no artigo 22, incisos I e XXI da Constituição Federal de 1988.   

Por outro lado, a Advocacia-Geral da União, defendendo a lei impugnada afirmou que o exame da primeira inconstitucionalidade suscitada, referente à violação da reserva de iniciativa do governador, não é competência do Supremo Tribunal Federal, eis que apresenta como parâmetro de controle a Constituição Estadual. Todavia, no que tange à violação da competência da união, prevista na Constituição Federal de 1988, reconhece a inconstitucionalidade da lei Estadual 1.317/2004 (objeto da ADI ora analisada). 

Seguindo o iter procedimental  referida Ação Direta de Inconstitucionalidade foi analisada pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal – STF, em sessão Plenária, que acordaram por unanimidade de votos, em julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionalidade da Lei 1.317, de 1º de Abril de 2004, do Estado de Rondônia. Assim restou escrita a ementa da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3.258-5/RO: 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE DIREITO PENAL E MATERIAL BÉLICO. LEI 1.317/2004 DO ESTADO DE RONDÔNIA. Lei estadual que autoriza a utilização, pelas polícias civil e militar, de armas de fogo apreendidas. A competência exclusiva da União para legislar sobre material bélico, complementada pela competência para autorizar e fiscalizar a produção de material bélico, abrange a disciplina sobre a destinação de armas apreendidas e em situação irregular. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. 

(ADI 3258, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 06/04/2005, DJ 09-09-2005 PP-00033 EMENT VOL-02204-1 PP-00132 RTJ VOL-00195-03 PP-00915 LEXSTF v. 27, n. 322, 2005, p. 69-74 RB v. 18, n. 506, 2006, p. 49) (grifo acrescido) 

Pois bem. 

Conforme depreende-se da leitura da ementa acima reproduzida, o ponto central da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3.258-5/RO, de Relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, é a existência de violação da competência privativa da união para legislar sobre direito penal e material bélico, prevista no artigo 22, incisos I e XXI da Constituição Federal de 1988 e, bem como suposta violação a competência exclusiva da União para legislar sobre a matéria, conforme prevê o artigo 21, inciso VI da Constituição Federal de 1988., in verbis: 

Artigo 22. Compete privativamente à União legislar sobre: 

I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; (…) 

XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares; (grifo acrescido)  

Artigo 21. Compete à União: (...) 

VI - autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico; (grifo acrescido)  

Sendo assim, antes de adentrarmos ao mérito da questão debatida no acórdão (objeto do presente trabalho), é de grande importância para o desenrolar do presente trabalho tecermos breves comentários sobre o modelo federativo brasileiro e a sua repartição de competência prevista na Carta Magna de 1988. 

Nas palavras do doutrinador Raul Machado Horta, "a forma federal corresponde ao Estado composto e plural, fundado na associação de vários Estados, cada um possuindo o seu ordenamento jurídico, político e constitucional, conforme as normas estabelecidas na Constituição Federal"1. Essa autonomia dos entes federados, entendida como o espaço demarcado em que o ente público exerce o autogoverno, de acordo com os seus interesses (AGRA, 2006), pressupõe exatamente a distribuição constitucional de poderes, mediante a repartição de competências, considerada como um dos elementos essenciais do federalismo e sua efetiva caracterização (TAVARES, 2003). 

O professor e doutrinador José Afonso da Silva assim explica sobre a distribuição de competência para legislar prevista na Constituição Federal: 

 é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade, ou a um órgão, ou ainda a um agente do poder público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções.2 

Em termos mais claros, a federação inadmite a hierarquização entre seus entes, ou seja, não é a União superior aos Estados e esses aos municípios, razão pela qual cada um dos entes devem respeitar a competência distribuída pela norma Constitucional. 

Logo, a distribuição de competências, como característica da forma federativa de Estado, é o ferramenta de atribuição a cada ordenamento de sua matéria própria, conforme definido na Constituição Federal de 1988 cujo objetivo é sustentar "a unidade dialética de duas tendências contraditórias: a tendência à unidade e a tendência à diversidade", nas palavras de Manuel Garcia Pelayo3

Ademais, o princípio geral que pauta a distribuição de competência entre as unidades federativas é o da predominância do interesse, segundo o qual caberá à União tratar de matérias de predominante interesse geral, nacional, amplo; por outro lado, competirá aos Estados, tratar das matérias com predominante interesse regional; e, por fim, aos Municípios, incumbirá as matérias com predominante interesse local, circunscritos à sua órbita menor. Quanto ao Distrito Federal, são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios, com a exceção naquela prevista no artigo 22, XVII, da Constituição Federal, in verbis: 

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) 

XVII - organização judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios, bem como organização administrativa destes; (grifo acrescido)  

Sendo assim, pode-se afirmar que a repartição de competência, nos moldes da Carta Política de 1988, se apresenta da seguinte forma: (i) material exclusiva, prevista no artigo 21 da Constituição Federal de 19884; (ii) legislativa privativa, descrita no artigo 22 da Constituição Federal5; possui, ainda, competência (iii) comum com os estados, o Distrito Federal e os municípios, nos moldes da regra disposta no artigo 23 da Carta Política6; e, por fim, (iv) concorrente com os estados e o Distrito Federal, conforme prevê o artigo 24 da Carta Magna de 19887.
 

Destaque-se, em tempo, que a competência exclusiva se diferencia da competência privativa, apontando que naquela a delegação de competências é proibida, isto é, é indelegável, enquanto nesta é possível a delegação. 

O professor e doutrinador José Afonso da Silva assim diferencia as duas formas de competência: 

“a diferença que se faz entre competência exclusiva e competência privativa é que aquela é indelegável e esta é delegável (...) Mas a Constituição não é rigorosamente técnica neste assunto. Veja-se, por exemplo, que nos arts. 51 e 52 traz matérias de competência exclusiva, respectivamente da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, mas diz que se trata de competência privativa. Não é deste ultimo tipo, porque são atribuições indelegáveis.8 

Em outras palavras, o Constituinte Originário estabeleceu que as competências materiais ou administrativas que serão exercidas de modo exclusivo pela União (Competência Exclusiva), não podendo haver o exercício de qualquer dos outros entes políticos, ou seja, impossível a delegação para os outros entes federativos. Frise-se, oportunamente, que tais competências estão descritas no artigo 21 da Constituição Federal. 

Por sua vez, a competência privativa é aquela específica de um ente, mas admite delegação para um outro ente ou ainda o exercício a possibilidade de exercício de competência suplementar (para outro ente). 

Assim sendo, constatamos que a discussão que ensejou o julgamento da constitucionalidade da Lei 1.317, de 1º de Abril de 2004, do Estado de Rondônia, na distribuição de competência para legislar sobre normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares. Observando, ainda, que a Constituição Federal de 1988, foi omissa ao não conceituar o que seria “material bélico”. 

Partindo dessa discussão o Excelso Supremo Tribunal Federal pacificou o seu entendimento, no sentido de que a expressão “material bélico” deve ser interpretada da forma mais abrangente, para abarcar não só materiais de uso das Forças Armadas, mas também armas e munições cujo uso seja autorizado, nos termos da legislação pátria. 

Dessa forma, pode-se concluir que a Lei Estadual n.º 1.317, de 1º de Abril de 2004, do Estado de Rondônia, que dispõe sobre a destinação de armas apreendidas à força de segurança estadual, realmente, é inconstitucional, eis que a matéria lá contida é sujeita à fiscalização exclusiva da União, qual seja: material bélico

Em outras palavras, para o Ministro Joaquim Barbosa a fiscalização do comércio de armas não pode dizer respeito apenas ao ato de comprar e vender, mas sim à circulação como um todo, sob pena de frustação e fraude do texto constitucional. 

Portanto, a disposição das armas apreendidas em situação irregular também é matéria abrangente à competência da União, nos termos do artigo 21, inciso V da Constituição Federal de 1988. Cabendo, exclusivamente, a União legislar sobre o referido tema. 

Por derradeiro, cumpre destacar que no meu entendimento a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal – STF foi adequada, eis que restou demonstrada, de forma cristalina, que houve violação a regra constitucional de repartição de competências. Posto que a expressão “material bélico” deve ser entendida de forma mais abrangente (incluindo, assim, armas, munições e afins apreendidas pelas autoridades).  

 

II – BIBLIOGRAFIA 

AGRA, Walber de Moura. Curso de direito constitucional. 1ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2006. 

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 18ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006. 

HORTA, Raul Machado. Direito constitucional. 4ª ed. rev. e ampl., Belo Horizonte: Del Rey, 2003. 

SANTOS, Gustavo Ferreira. O município na Federação. Jus Navigandi, Teresina, a. 3, n. 29, mar. 1999. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/1555">http://jus.com.br/revista/texto/1555

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, 13ª ed., São Paulo: Malheiros. 

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2ª ed. rev. ampl., São Paulo: Saraiva: 2003.