Análise de um livro didático
Por Denilde de Aquino Sousa | 20/05/2011 | EducaçãoANÁLISE DE UM LIVRO DIDÁTICO
Introdução
O reconhecimento da Lingüística como ciência e sua introdução, há três décadas, no curso de Letras integrando-se aos estudos da linguagem, acarretou mudanças significativas na forma de ensinar a língua materna.
Desde os anos 80, muitos estudiosos brasileiros preocupados com o ensino-aprendizagem de língua materna defendem a necessidade de mudanças, concebendo a linguagem como interação, interlocução humana não cabendo mais uma perspectiva monóloga, formalista e mecânica que separa a linguagem do seu contexto social. Assim o objetivo do ensino de língua materna é dá condições para que o aluno domine de forma plena suas atividades verbais tais como: ler criticamente, escrever para alguém ler, falar publicamente para diferentes tipos de auditórios, com objetivos claros e dentro da modalidade adequada da língua e de acordo com a situação de uso.
Em 1997, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais que deu ênfase ao ensino contextualizado da gramática, centrado no texto. A partir daí começaram a surgir novos conceitos e terminologias que permeiam o campo lingüístico da pós-modernidade, fazendo muitos autores mudar suas concepções de língua adequando os livros às novas tendências lingüísticas.
Tendo em vista isto, o livro didático de Língua Portuguesa que circula na escola deve está de acordo com a proposta dos PCNs, com um ensino de língua contextualizado, ou seja, o estudo da língua que inclui a gramática descritiva deve tomar as categorias gramaticais não como um fim em si, mas como um meio, como suporte básico para reflexões metalingüística de maior alcance.
De acordo com Ferro (2008, p.57), atualmente nos livros didáticos para o ensino de Língua Portuguesa está "cada vez mais freqüente o uso maciço de textos, estimulando o aluno a uma reflexão contínua e crítica da sua realidade e levando-o a uma maior eficácia em diferentes situações de interação social". Isso quer dizer que a maioria deles já adotou as propostas bem como as novas tendências da língua materna.
Além dos conhecimentos pedagógicos essenciais na prática pedagógica, o professor precisa saber usar o livro didático. O sistema de ensino concebe aos livros didáticos a função de orientar a prática pedagógica, são considerados como materiais de suporte, capazes de facilitar a organização do ensino. Contudo alguns professores, na sua maioria, os adotam como um manual de ensino. Além dos conteúdos o livro didático assume, em muitos casos, o papel de responsável pela metodologia que os professores utilizam.
Conduzir o ensino de forma a desenvolver a capacidade "de interpretar diferentes tipos de textos, compreendê-los como uma unidade significativa global e produzi-los de modo eficaz e com relevância" não é uma tarefa assim tão difícil, mas também não é tão simples assim, pois exige do professor preparo e segurança na metodologia que vai utilizar para ensinar os seus alunos. E isso depende muito da concepção de linguagem do professor, caso ele tem uma concepção interacionista da linguagem entenderá a importância da interlocução, do diálogo, e de ter o texto como espaço de interação dos sujeitos, a fim de que possa conduzir um ensino de qualidade com resultados satisfatórios.
Com base no exposto acima será analisado um livro didático, verificando o seu papel na aquisição da língua materna, bem como sua relação entre o professor e o aluno no processo ensino-aprendizagem com a finalidade de unir teoria e prática nas ações reais de trabalho pedagógico do professor e no cotidiano do aluno.
Desenvolvimento
Foi tomado como objeto de análise o livro didático: Português: Linguagens (CEREJA, 2003), volume único do ensino médio que será comparado às diversas correntes teóricas discutidas nas disciplinas estudadas durante este semestre.
A obra analisada é composta de nove unidades com 48 capítulos. Cada unidade tem vários capítulos e cada capítulo aborda os seguintes temas: Literatura, Língua: uso e reflexão e produção de texto. É a literatura que abre todas as unidades de forma seqüencial e cronológica, analisando e discutindo a evolução lingüística em cada período literário, em cada uma delas há uma imagem ou um painel de abertura e um pequeno texto verbal relacionado com o assunto da unidade. A leitura proposta abre espaço para discussão e reflexão sobre o contexto histórico relacionando o texto e o contexto sociocultural ao período em que ele foi concebido. No final de cada unidade há propostas para a realização de projetos que envolvem vários tipos de atividades como pesquisa, recital, produção de textos, dramatizações, seminários, debates, etc. Propõe leitura de textos literários e não literários, interpretação de obras de arte, faz indicação de vídeos, livros, músicas, artes plásticas, visita a museus e pesquisas na internet. Nos capítulos que trabalham Língua: uso e reflexão abordam os estudos gramaticais de forma contextualizada, a partir da leitura de textos vão se construindo os conceitos gramáticas buscando uma reflexão em várias situações de uso e somente depois, com a prática é que se constrói a internalização do conceito. Percebe-se também nesta obra, o trabalho com os valores semânticos e a estilística.
No capítulo de produção de texto orais e escritos, trabalha com os mais variados gêneros textuais, tais como: o conto, a crônica, o poema, o texto dramático, a notícia, a reportagem, o editorial, a resenha crítica, a carta argumentativa, o debate, o relatório, júri simulado e outros, os alunos aprendem a produzi-los numa situação real de interação verbal. Faz um trabalho de reflexão gramatical integrado à leitura que examine de que modo a língua é utilizada em todas as suas dimensões (fonética, morfossintática, semântica, estilística) para a construção de sentido do texto. Segundo Cereja
trabalhando a língua dessa forma, aproximaria os estudos de linguagem de textos reais, que circulam socialmente ? literários e não literários - e instrumentalizaria melhor o estudante para suas práticas discursivas, seja na condição de enunciador, seja na condição de enunciatário. (MP 2003, p. 30)
Pelo exposto acima se pode afirmar que a concepção do autor é sociointerativa, o ensino da língua materna, proposta por ele, está voltado para a formação de um cidadão autônomo e capaz de interagir com a realidade que estamos vivendo na atualidade. Os textos dessa obra são analisados numa perspectiva enunciativa examinando as escolhas lingüísticas internas e externas, numa situação de produção responsável pela construção de sentido global do texto.
Numa realidade dinâmica como a nossa, que se transforma na mesma velocidade com que se disseminam as informações pelos meios eletrônicos, é essencial o papel que nossa disciplina desempenha, na educação formal do individuo. Já que a linguagem permeia todas as outras disciplinas e todas as formas de aquisição do conhecimento. Nos diferentes campos que abrange ? leitura/literatura, produção de texto e língua ? o ensino de português, pelas diferentes práticas de linguagem, pode participar ativamente do processo de construção de valores e habilidades: solidariedade, ética, aceitação do diferente, autonomia, afetividade, cidadania, aprendizagem permanente, capacidade de adaptação a situações novas, de estabelecer transferências e relações, de debater, de argumentar, de interferir na realidade e transformá-la. (CEREJA, 2003, p. 3)
O Livro didático de língua Portuguesa: Linguagem ensino médio, apresenta uma seleção de conteúdos essenciais aos discentes, procurando atender as necessidades básicas dos alunos do ensino médio desse período pós-moderno e os novos desafios lançados pela LDB e pelos PCEM, em especial na área de linguagens, códigos e suas tecnologias. As atividades apresentada por este livro tende a desenvolver habilidades e competências para que o aluno possa se expressar, compreender, intervir, argumentar e propor. Entre os livros didáticos que já conheci este é o que melhor contempla o necessário para a aplicação de uma boa aula e o desenvolvimento da competência lingüística dos alunos. Isso não que dizer que o professor deva adotá-lo como única metodologia de ensino, pois todo e qualquer livro didático é apenas um suporte para prática pedagógica do professor.
Segundo os Parâmetros curriculares do Ensino médio, os conteúdos programáticos de Língua portuguesa devem abordar a análise lingüística, leitura e produção textual. Os textos apresentados por esta coleção estabelecem uma relação com a realidade cultural de hoje, há propostas de leitura e interpretação e de produção de textos sobre assuntos do dia-a-dia dos alunos, introdução de novos conceitos que circulam na língua portuguesa atualmente, como variedade lingüística, discurso, intencionalidade discursiva, polifonia discursiva e outros, todos apoiados na semântica, na lingüística e na análise do discurso. Inclui a análise morfossintática de forma contextualizada, baseada no texto e no discurso. Enfatiza o uso de recursos lingüísticos a partir de cada situação de uso. A partir de leitura de diversos gêneros textuais, o livro propõe atividades de produção de texto tanto orais como escrito indispensáveis para a formação de leitores/produtores competentes. Ainda propõe a realização de projetos que envolvem os mais variados tipos de atividades tais como pesquisa, representação teatral, declamação de poemas ou recital, seminários, produção textual, debates, etc., a fim de que o aluno se coloque como sujeito da sua aprendizagem.
Esta obra está relacionada às teorias da pragmática, da lingüística textual e a análise do discurso vinculadas as práticas do ensino de língua. "Os estudos pragmáticos reconhecem que os valores contextuais e intencionais são fundamentais na comunicação". (DIAS, 2008, p.96)
Ferro (2008, p. 36) diz que "um livro didático deve corresponder às necessidades do aluno, refletir usos da língua, facilitar o processo de aprendizagem e dá suporte a aprendizagem". Pela análise feita pode se perceber que o autor procurou atender essas necessidades levando o aluno a uma reflexão no uso da língua, fez indicações de outros recursos didáticos que ajudaria na compreensão do aluno facilitando assim a aquisição da língua materna. Dentro dos critérios gerais, didáticos, pedagógicos e específicos da disciplina apresentados pela Savoir-livre, o Livro Português: linguagens contempla quase todos os itens ali comentados com exceção nas propostas de exercícios que, no meu ponto de visto, são insuficientes, os textos deveriam ser mais explorados em todos os âmbitos possíveis. A questão da interdisciplinaridade está relacionada com a forma que o professor vai trabalhar seu conteúdo, pois ela está mais voltada para a metodologia do professor, dependo do que ele que ou vai ensinar, ele pode fazer uma relação com as outras disciplinas.
A análise do discurso é trabalhada de forma constante e precisa.
O trabalho de interpretação de texto, os estudos relativos à periodização literária exige muito desse tipo de investigação. Mais importante, porém, é o fato de que esse tipo de análise orienta a produção de texto, tanto na formação do vocabulário do aluno, como da qualidade argumentativa que Le começa a desenvolver. (PAULA, 2008, p. 70)
As propostas de projetos do final de cada unidade é o espaço do aluno para o desenvolvimento da capacidade criativa e produtiva. "Mas é importante que esse projeto parta do contexto de uma necessidade dos alunos para só então ser pensado e organizado pelos professores, equipe pedagógica, e equipe diretiva da escola." (PAULA, 2008, p. 76)
Não estou aqui defendendo o livro didático, mas esclarecendo que a maior importância numa prática dinâmica e interativa está na postura do professor e na prioridade que ele atribui ao ensino. Um docente com metodologia tradicional, onde ele é um transmissor de conhecimento e os alunos receptores, mesmo usando os recursos mais modernos que existe ele não conseguira uma aula de qualidade. Um professor que acredita na aprendizagem interativa poderá possibilitá-la até mesmo dos livros didáticos.
Conclusão
Há muitas críticas sobre o uso do livro didático. Alguns estudiosos acham que o livro didático deveria ser utilizado como apoio, mas na verdade ele deveria servir para orientar o professor sobre determinados conteúdos, mas de forma questionadora e dinâmica, de tal forma que o professor e aluno reconstruam um modelo tradicional de verdades prontas e inquestionáveis. Por mais que ele seja excelente jamais o livro didático deve ser o roteiro de trabalho do professor. Hoje é difícil o professor fugir dessa ideologia em virtude da sua condição de trabalho. O apoio no livro didático está vinculado à carga horária excessiva do professor, muitas das vezes para minimizar a sua situação financeira ele trabalha três turnos. Conseqüentemente ele é uma pessoa que não tem tempo de preparar suas aulas e nem se atualizar-se. Esse professor deixa de aproveitar e oferecer as vantagens oferecidas pelas novas tecnologias e de conhecer as novas propostas de ensino congelando a sua evolução e dos seus alunos aplicando uma aula chata e insignificante para os alunos.
O livro didático deve está de acordo com a realidade do aluno, ou seja, não pode está fora do contexto escolar e social no qual ele está inserido, como todos nós sabemos, a maioria das editoras produz o livro dentro da realidade social do sul e sudeste, nós que somos da região norte é que temos que adequar o conteúdo a nossa realidade. Nem tudo que está no livro didático deve ser transmitido, mesmo que este esteja dentro dos critérios exigido pela Savoir-livre. O professor não poder ser escravo do livro didático, mas os seus conteúdos devem ser filtrados pelo por ele e passados para os alunos de forma mais critica e direcionada.
O aluno precisa de material diversificado para conhecer maneiras diferentes de trabalhar um assunto e a partir daí escolher a forma mais adequada ou mais agradável e que ele mais se identifica para a aquisição da linguagem. O professor deve está ciente de que o ensino dirigido só pelo livro didático, não possibilita a criatividade, pois este já tem um padrão definido. Portanto o professor não deve fazer somente uso do livro didático, deve usar outros recursos de forma complementar. Esses materiais poderão dinamizar a aula, e oportunizar aos alunos a construção das suas atividades.
Pode-se afirma de uma forma geral que o livro Português: Linguagens por apresentar uma forma diferenciada de trabalhar o ensino de língua materna deve ser o mais indicado como suporte pedagógico para o professor de língua materna, por apresentar conteúdos e atividades que atendem as necessidades sociocultural dos educandos, porém, em contra partida, o livro analisado exige do professor domínio de conteúdo e profundo conhecimento lingüístico, para que ele não transforme as atividades ali propostas em atividades difíceis e sem significado para o aluno, não são terminologias novas ou tecnologias avançadas que vão mudar o ensino, mas a postura do professor é que vai modificar a sua aula. O livro didático Português: Linguagens, pode ser considerado um bom livro didático, mais não é completo, não há livro didático completo, mesmo abordando as novas tendências lingüísticas da atualidade, ele não deve ser considerado como um "manual" inflexível que não pode ser alterado ou substituído.
O livro propõe atividades sobre análise do discurso, análise lingüística, análise de imagens e personagens (semiótica), indica o uso de recursos tecnológicos, incentiva o professor a aplicar a multimodalidade da língua, a realizar projetos partindo da realidade do aluno tudo isso exige muito preparo por parte do professor.
O segredo do sucesso do ensino está na formação do professor, pois um professor bem preparado pode possibilitar ao aluno um ensino interativo em que o aluno seja capaz de construir e produzir conhecimentos de forma sólida produtiva e crítica.
Referências bibliográficas
BRASIL, Secretaria de educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília. DF, 1998.
CEREJA, William Roberto. Português: Linguagens - Volume único. São Paulo: Atual, 2003.
DIAS, Luzia Schalkoski. Estudos lingüísticos: dos problemas estruturais aos novos campos de pesquisa. Curitiba: Ibpex,2008.
PAULA, Anna Beatriz. Didática e avaliação em língua portuguesa. Curitiba: Ibpex, 2008.
FERRO, Jefeson. Produção e avaliação de materiais didáticos em língua materna e estrangeira. Curitiba: ibpex, 2008.