Análise de CASO: Lei n.º 11.101/05: Recuperação de empresas e falência - construindo sentido hermenêutico.
Por Orson A Feres Moraes Rego Junior | 28/10/2015 | DireitoAnálise de CASO: Lei n.º 11.101/05: Recuperação de empresas e falência - construindo sentido hermenêutico.
1. DESCRIÇÃO DO CASO
No case proposto , João Feitosa, morador da cidade de Belo Horizonte - MG, adquiriu um conjunto de maquinário para fins de confecção de tecidos e vestuários, realizado em hasta pública referente a um processo de Recuperação Judicial de uma grande empresa . Com efeito, o contrato social da referida empresa prevê a cidade de Rio Branco - AC como a sede estatutária de referida empresa. No entanto, a mesma possui seu principal parque fabril em Bacabal - MA, contudo, as principais deliberações da referida empresa ocorram na cidade do Rio de Janeiro - RJ, uma vez que o conselho deliberativo e os órgãos de gestão e direção se localizam na capital.
João Feitosa, desenvolvia atividades empresariais, e se encontrava satisfeito com o maquinário adquirido e a produtividade do mesmo, contudo, foi surpreendido com uma determinação judicial, determinando a constrição judicial, com previsão de futura alienação, para a satisfação de créditos de natureza trabalhista relativos ao alienante do maquinário. A Lei n.º 11.101, de 09/02/2005, que "regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária", como seria de se esperar, oportunidades de atuação hermenêutica (não que algum dia ele tenha se fechado) na construção dos novos parâmetros jurídicos estatais.
2. IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO
2.1 Descrição dos Personagens Relevantes:
a) João Feitosa, morador da cidade de Belo Horizonte, adquiriu um conjunto de maquinário para fins de confecção de tecidos e vestuários, em hasta publica em um empresa em RE
b) Empresa em recuperação judicial, que tem em Rio Branco - AC a sede estatutária de referida empresa. Contudo, possui seu principal parque fabril em Bacabal – MA, embora, sua administração é feita no Rio de Janeiro - RJ
3. Questões a serem respondidas no caso
Questões secundárias:
a ) Há diferenças nessas duas situações? Quais as interpretações possíveis com relação a essa temática, inclusive sob o aspecto linguístico? Como os tribunais têm se posicionado sobre esse tema?
Na recuperação de empresa, além de não prejudicar o cumprimento dos negócios jurídicos firmados pelas recuperadas, não impede que elas continuem gerindo seus negócios. Dessa forma, na maioria dos casos, os administradores (empresários) das empresas em processo de recuperação, permanecem na condução das atividades sociais, agora sob fiscalização de um administrador judicial nomeado pelo juiz. Em princípio, as empresas em recuperação judicial não sofrem restrições para alienação de bens de seu ativo circulante, especialmente se demonstrarem inexistir impacto negativo às suas atividades ou aos credores, mas estão impedidas de dispor de bens de seu ativo permanente, sob pena de ineficácia do negócio jurídico, conforme previsto no artigo 66 da LFRE. Esse aspecto é diferente na falência. (FRAGA, GALEA, SANT'ANA, 2010).
Na Falência, por meio da realização do ativo são vendidos os bens arrecadados pela massa, para que com a liquidez obtida possam se pagos os credores. Cabe ao administrador judicial, com anuência do comitê de credores, se existir, decidir acerca da forma de realização do ativo podendo optar entre três sistemas distintos: por leilão, por propostas fechadas ou pregão, tais sistemas estão dispostos no artigo 142 da LFRE. (PERIN JUNIOR, 2006 p. 178)
b) Qual seria o foro competente para julgamento do feito? Quais os sentidos apresentados pela doutrina para a referida expressão e consequentes efeitos práticos da adoção de cada um? Como os tribunais vêm se posicionando a respeito desse tema?
A expressão "principal estabelecimento", constante do art. 3º da Lei n.º11.101/05, fundamental para a definição do juízo competente para processamento e julgamento dos pedidos de recuperação judicial é abrangente e admite varias interpretações. Não sendo pacífico na doutrina.
Para Rubens Requião, o principal estabelecimento seria o lugar no qual onde se fixa a chefia da empresa, onde efetivamente atua o empresário no comando dos seus negócios, ondem emanam ordens e instruções. Assim sendo, o foro competente não é aquele que esta determinado nos estatutos ou contrato social da sociedade, e sim o administrativamente relevante. (REQUIÃO,1991 p.81)
Para Fabio Ulhoa Coelho, o principal estabelecimento seria aquele em que se encontra centrado o maior volume de negócios da empresa; o principal estabelecimento seria determinado pelo ponto de vista econômico. Dessa forma, para efeito de fixação de competência entende-se que deve ser considerado como foro competente aquele que possuir maior relevância em termos econômicos. (PERIN JUNIOR, 2006 p. 130)
Nesse sentido, o STJ considerou que o estabelecimento principal é onde a atividade se mantem centralizada, não sendo aquela a que os estatutos conferem o titulo principal, mas aquela que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do devedor. ( CC 27835/DF; data: 09/04/2001. Min relator. Antônio de Pádua Figueiredo )
Questão central: É possível identificar algum referencial teleológico/axiológico capaz de vincular algumas das respostas apresentadas aos temas de investigação acima propostos? Qual é esse referencial e o seu fundamento?
O direito Falimentar deve, mais do que tudo, proporcionar uma convivência saudável entre os agentes econômicos, assegurando o credito, o que é essencial para a preservação das relações empresariais e o desenvolvimento da economia. Quando é afirmado que a lei falimentar deve assegurar o credito, não é o credito individual, mas sim o credito de interesse publico este, é concebido em uma esfera muito mais ampla, sendo o meio ambiente em que se praticam inter-relacionamentos de créditos privados. (PERIN JUNIOR, 2006 p. 55 e 56 )
A aplicação da Lei de falência e recuperaçao de empresas, sempre que possível, deve atender uma necessidade econômico-social, procurando eliminar o mal empresário ao mesmo tempo em que preserva a empresa, objetivando propiciar ao agente econômico idôneo a possibilidade de exercer sua atividade num mercado saneado. (PERIN JUNIOR, 2006 p. 57)
2.2 Análise Teórica-Jurídica das Escolas do Raciocínio interpretativo judicial
Empirismo exegético
A moderna ciência do direito vem à luz no século XIX e a primeira grande manifestação desse fenômeno encontra sua expressão mais característica na escola exegese. O código civil napoleônico, publicado em 1804, teve grande importância para o direito civil francês. Os juristas da época entenderam que a tarefa do cientista do direito seria se limitaria a exegese do texto legal. “Esse positivismo legal e estatista vai ser, mesmo a nota distintiva dominante da escola.”( MACHADO NETO, 1984 p.87)
Esse método é caracterizado por um absoluto rigor do texto legal. Para os Exegetas o Direito já se encontrava materializado, não havendo mais incertezas ou obscuridade da lei. Tal entendimento é expressado por Laurent, na qual advertia que os códigos não deixam margens ao arbitro do interprete. (MACHADO NETO, 1984 p.89)
Outra característica desse método é a busca da vontade do legislador, essa que seria a vontade geral de todo o povo, é ainda possível afirmar que nessa escola há uma valorização dos métodos literal e sistemático:
Se objetivo do jurista é conhecer a vontade, a intenção psicológica do legislador, então a interpretação é mera exegese e o método há que se utilizar é o método gramatical ou literal. Se a lei é plena, se ela contem todo o direito então a simples inteligência das palavras da lei ( verbas legis) é o suficiente.” (MACHADO NETO, 1984 .89)
Assim, segundo o Exegetismo, o Direito positivo reflete-se tão somente na lei escrita do Poder Legislativo, a única fonte das decisões jurídicas. Essa perspectiva alinha-se ao Jusnaturalismo, admitindo que todos os códigos redigidos de forma racional são expressões do Direito Natural, dessa forma, o Direito Natural se constituíra em lei positiva e o Direito como um todo se constituiria um dogma. O Direito já estaria pronto, escrito nos textos autênticos, não haveria mais incertezas ou obscuridades da lei, o dogmatismo enquanto “ser superior” que revela sua vontade aos homens. Para essa corrente, uma interpretação diferente é acusar o legislador de uma leviandade que não se lhe pode imputar (FRANÇA, 1988, p.34).
Jurisprudência dos conceitos
Larentz descreve : “O sistema significa aqui portanto, muito mais do que mera clareza e facilidade do domínio de uma certa matéria, significa a única maneira possível por que o espirito cognocente consegue assegurar-se da verdade: o critério da racionalidade.”(LARENTZ, 1997 p.21) .Para essa escola o conhecimento jurídico valido nada mais é do que identificar uma serie de estruturas que vão se encontrar por trás do próprio direito positivo.
Puncha foi quem conclamou a ciência jurídica do seu tempo a tomar caminho de um sistema lógico chamado de uma “pirâmide de conceitos”. A “genealogia dos conceitos” não é outra coisa senão a pirâmide do conceito visto sobre regras de logica formal. (LARENZ, 1997 p.28)
Outra característica são historicismo e o racionalismo que são os componentes dominantes de toda ciência do Direito do século XIX. (LARENZ, 1997 p. 39).
Positivismo sociológico
O termo “positivismo” Maria Helena dispõe : “ ao arredar o direito natural, procura reconhecer tão somente o direito positivo no sentido vigente e eficaz em determinada sociedade, limitando assim o conhecimento cientifico- jurídico ao estudo das legislações positivas ,consideradas como fenômeno espaço temporais.” ( DINIZ 2011 p.103)
A vertente do socialismo Sociológico adveio da teoria de Augusto Comte, que tinha como objetivo realizar por mio da ciência uma reforma social, para Comte a única ciência capaz de reformar a sociedade seria a sociologia. Durkheim trabalha em sua obra o estudo das influências que o direito, e sua formação, recebem da sociedade. Ele parte de uma analise da influência dos avanços sociais e econômicos para compreender como as normas morais e jurídicas se constituem e os efeitos que as mesmas causarão nos julgadores. Gerou-se, assim, uma nova interpretação que não se prende tão somente da análise das leis e parte também para a análise das relações humanas. ( DINIZ, 2011 p.104)
A ciência do direito dominada por o socialismo passa a se afirmar como a única positivação do saber jurídico. Outras características dessa vertente é a negação da metafisica, supervalorização do empirismo, valor às ciências experimentais, ao exclusivo confio no conhecimento de fatos.( DINIZ, 2011 p 102-103)
Jurisprudência dos interesses
Para Camargo a Jurisprudência dos Interesses é uma antítese da Jurisprudência dos conceitos, pois a primeira “ procura implantar a logica formal pelo estudo e pela avaliação da vida, ou seja, pela pragmática” (CAMARGO, 2001 p.92)
O professor Philipp Heck é tido como principal representante. “De Jhering Heck incorpora não só a ideia de direito como pratica, analisando-se como função social mas também a ideia de fim, como interesse”. A Jurisprudência dos Interesses nega-se a confiar no fato de que o juiz tem a mera função do conhecimento e subsunção entrei lei e o fato ; para Heck o juiz tem uma atividade criadora, “ à proporção que procura configurar os interesses da ocasião em que a mesma é chamada a ser aplicada” ( CAMARGO, 2001 p 91 – 100). Para essa escola o juiz tem uma experiência de vida que será levada em conta no momento que for julgar um caso, buscando um sentimento de justiça. De acordo com Camargo as leis resultam da dialética dos interesses da ordem material, nacional, religiosa e ética, que as comunidades jurídicas discutem e lutam pelo seu reconhecimento. (CAMARGO, 2001 p 91)
Livre investigação científica
Essa vertente teve uma forte influencia no inicio do século XX, e tem como um dos seus grandes representantes François Geny. Pretende solucionar os problemas do jurista na pratica, estabelecendo a construção de uma base. Temos ainda pressupostos da teoria tradicional na qual a lei continua a ser fonte a principal do Direito, e temos ainda busca vontade do legislador. No entanto, podemos afirmar que para essa vertente a lei nem sempre expressa a vontade do legislador. Para Geny : “ existem princípios superiores a leis positivas as quais devem ser interpretadas pelo juiz”. A lei escrita é apenas uma informação estreita e emoldurada. Sendo assim, a solução determinada pela lei não é plena, por isso ela não resolve todos os casos.( SICHES, 1963 p. 26- 40). A livre investigação científica parte de novos horizontes, onde a lei para se tornar mais abrangente, recorre a outras fontes jurídicas suplementares, como o costume e a tradição. O intérprete procura, nas ciências auxiliares, elementos sociais, humanos e ideais capazes de conduzir a uma solução para o caso concreto. (FRANÇA, 1988, p.39)
Escola do direito livre
Nessa escola não é possível encontrar um grupo de pensadores, mas de uma tendência que teve formas diversas qual visava resolver o problema provocado pelo distanciamento entre o direito positivo e a sociedade. Para Eugen Ehrlich o Direito livre tem como objetivo a substituição de uma aplicação mecânica do direito positivo em busca de uma analise aos fatos sociais que deram origem ao litígio. (EHRLICH, 1986 p. p362 – 375)
O professor Hermann Kantorowicz, também dispõe sobre esse movimento. Kantorowicz rejeita a ideia de que a lei é a única e a mais importante fonte do Direito, afirmando que “las normas jurídicas brotan espontáneamente em los grupos sociales, las cuales debierian ser reconocidas por el Estado” (SICHES, 1963, p.102). Segundo autor, o povo tão somente conheceria o direito estatal quando este coincidir com o direito livre. A ideia desse movimento é que o juiz não seja unicamente um especialista das leis, mas que ele também possa se utilizar dos seus conhecimentos sobre a sociedade para garantir um maior compromisso com a justiça. (SICHES, 1963, p.103)
Aplicação das teorias relativas ao processo de adjudicação (raciocínio interpretativo judicial) ao caso apresentado.
Primeiramente, é possível identificar no caso proposto à escola do Empirismo exegético na qual os juristas entendem que a tarefa do cientista do direito seria se limitaria a exegese do texto legal. “Esse positivismo legal e estatista vai ser, mesmo a nota distintiva dominante da escola.” Ou seja, no caso do João Feitosa, primeiramente atentamos a legislação em vigor, ou seja, versamos sobre o artigo 62 da LFRE. ( MACHADO NETO, 1984 p.87)
Contudo, não podemos ficar presos atentamente a legislação, é importante discutir os conceitos, de devedor , falência e recuperação de empresa e esses conceitos somente são obtidos por meio de uma pirâmide de conceitos, que nada mais são regras gerais de logica formal. (LARENZ, 1997 p. 39)
No caso proposto analisando o Decreto-Lei nº 7.661/45, para se apurar avanços, manutenção utilizamos a escola do positivismo sociológico, essa , parte de uma analise da influência dos avanços sociais e econômicos para compreender como as normas morais e jurídicas se constituem e os efeitos que as mesmas causarão nos julgadores. Esses avanços sociais econômicos resultaram em uma nova legislação que foi a nova lei de falência e recuperação de empresa. ( DINIZ, 2011 p.104)
Ao analisar os objetivos e a função social da LFRE, utiliza-se a escola da jurisprudência dos interesses. Na qual, analisa que o direito não é só tão somente prática, mas também tem que ser visto a função social do direito. No caso quando analisa-se a o "principal estabelecimento", constante do art. 3º da Lei n.º11.101/05, nega-se a confiar no fato de que o juiz tem a mera função do conhecimento e subsunção entrei lei e o fato, o juiz tem uma atividade criadora, buscando meios para solucionar o problema. (CAMARGO, 2001 p 91 – 100)
Outra opção seria a livre investigação científica, essa parte de novos horizontes, onde a lei para se tornar mais abrangente, recorre a outras fontes jurídicas suplementares, como o costume e a tradição. O intérprete procura, nas ciências auxiliares, elementos sociais, humanos e ideais capazes de conduzir a uma solução para o caso concreto. Podemos afirmar que no caso, para solucionar o problema de qual seria o principal estabelecimento o aplicador do direto, procura ciências auxiliares, elementos sociais , humanos para determinar qual seria esse principal estabelecimento (FRANÇA, 1988, p.39)
REFERÊNCIAS
CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e Argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Trad. René Ernani Gertz. Brasília: UnB, 1986.
FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. 2. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
FRAGA Luiz F; GALEA Felipe; SANT'ANA Thomaz. Alienação de ativos na recuperação judicial. 2010. Disponível em: <http://www.4mail.com.br/Artigo/Display/015910065644962> .Acesso em : 25/10/2013
FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica Jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. 3. ed. trad. José Lamego. Lisboa: Caloustre Gulbenkian, 1997.
MACHADO NETO, Antônio Luís. Sociologia Jurídica. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1984.
______. Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1975
PERIN JUNIOR, Ecio. Curso de Direito Falimentar e Recuperação de Empresas. 3 ed. São Paulo: Método, 2006.
SICHES, Luís Recasens. Panorama del Pensamiento Juridico en el Siglo XX. Primier Tomo. Ciudad de Mexico: Editorial Porrua, 1963.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito Falimentar.14 ed. São Paulo: Saraiva, 1991, vol.1