ANÁLISE DA UNIÃO HOMOAFETIVA

Por Camilla Barroso Graca | 21/08/2010 | Direito

Camilla Barroso Graça

RESUMO
Analisa-se a União Homoafetiva, e o que é necessário para que a mesma se torne positivada na Lei Vigente. Utilizando para isso o conceito de família e a atual situação dos homossexuais.

PALAVRAS- CHAVE

União Homoafetiva. Constituição Federal de 1988. Casamento

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo analisar as uniões homoafetivas, a partir do atual conceito de família, apresentando de forma bem clara o que é necessário, para que essa união seja aceita tanto pelos nossos legisladores como para a sociedade como um todo. Já que esse tema é muito atual, e de muita discussão na doutrina civilista.
Sabemos que o tema abordado é muito complexo e que o presente trabalho não será capaz de esgotá-lo devido as suas limitações, no entanto, procurarei contemplar os aspectos que julgo mais relevantes para um bom entendimento.

2 ANÁLISE DA UNIÃO HOMOAFETIVA

Tornou-se comum no Brasil associar o casamento com a união entre um homem e uma mulher, por causa dos valores culturais dominantes arraigados em nossa sociedade. Esses valores geraram um sistema de exclusão muitas vezes baseado em preconceitos estigmatizantes. Pois, tudo que se situa fora dos estereótipos acaba por ser rotulado de anormal, ou seja, fora da normalidade, o que não se pode encaixar nos padrões.
O homossexualismo tem que ser tratado como um fato que se impõe e não pode ser negado, sendo assim, torna-se necessário que mudemos os nossos valores, princípios, dogmas e preconceitos. Até porque o homossexualismo vem sendo praticado desde antiguidade clássica, onde esse tipo de relação era tido como iniciação de jovens homens na vida pública.
Dito isso se torna imprescindível que fixemos, que a família como um órgão socializador do ser humano sofreu ao longo dos anos modificações em sua concepção e definição. A sociedade "moderna" em certo momento da história instituiu o matrimônio como uma regra de conduta, e o seu núcleo como facilitador para o ingresso na sociedade e para um reconhecimento jurídico.
A idéia de que o casamento é composto pela união de um homem e uma mulher, veio da Igreja, pois, a partir dos preceitos bíblicos se detectava a necessidade da união de dois sexos opostos para que pudesse haver a procriação. É claro, que a idéia de procriação continua sendo restrita apenas aos sexos opostos.
A atual realidade social nos trouxe uma nova concepção de família, que se afastou de seus modelos originais de casamento, do sexo e da procriação. Onde as relações de afetividade apresentam-se como base para se chegar à definição de núcleo familiar.
Sendo assim, todas as relações de afetividade merecem ser reconhecidas como entidades familiares, independentemente da existência ou não de um vínculo entre um homem e uma mulher, sendo por sua vez, digna de proteção estatal, pois, a nossa Carta Magna consagra em norma pétrea, a dignidade da pessoa humana.
Caso não seja reconhecido essa proteção estatal o legislador estará ferindo os princípios da igualdade e da isonomia. O fato de não haver uma legislação que disciplina tal matéria, não significa que deva existir um impedimento para a sua existência, uma vez que, o direito não pode ser restrito apenas aos códigos. Já que as regras do nosso ordenamento podem ser interpretadas e completadas a partir das nossas modificações sociais.
Em relação a isso um ponto se torna de relevante importância a ser abordado que é o caso de como a união estável está presente na nossa Constituição, ela é bem "clara" ao dispor que a união estável se refere à relação entre um homem e uma mulher e, portanto, não se pode falar em lacunas na legislação.
Outro ponto pode ser levantando que seria o real significado da palavra clareza, pois, ela é subjetiva e relativa, uma vez que, cada indivíduo observa uma clareza diferente, ou seja, o que é claro para mim pode não ser claro para você. O que seria justificativa para a lacuna seria justamente a ausência de texto normativo que trata da união homoafetiva, seja para regulamentá-la ou para proibi-la.
No que concerne ao caso, não se trata apenas de um caso de discriminação como também de dificuldade de garantir direitos aos casais homoafetivos, tudo isso por causa da interpretação da lei, mas especificamente, dificuldade de garantir o direito previdenciário ao casal, pois, interpretar nada mais é do que fixar o verdadeiro sentido e o alcance, de uma norma jurídica.
Sendo assim, cabe ao legislador interpretar a fundo a norma, para garantir que todos os princípios que o fundamentam a mesma sejam utilizados de maneira correta. Nessa situação seria muito dificil de um legislador dá uma solução, por causa da nossa realidade social. Mesmo vivendo em uma sociedade dita "moderna" mesmo assim ainda guardamos dentro de nós, um sentimento de discriminação, principlamente aquelas pessoas que se dizem tradicionalistas.
Essa situação nos leva mais uma vez a afirmar que os companheiros do mesmo sexo na constância da união homoafetiva em face do princípio da igualdade, deverão ter direito ao beneficio, considerando, o fato de terem uma união estável. Alguns afirmam que esse benefício não deve ser oferecido aos casais homossexuais, pois, eles não constituem união estável, mais isso em minha opinião é uma questão muito complicada de ser resolvida.
O homossexualismo ultrapassa uma fase de maior aceitação no meio social, principalmente depois da decisão tomada pelo STJ de admitir a possibilidade jurídica de reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. É comum observar a existência de organizações criadas para defender os interesses dos homossexuais, que por sua vez constituem uma população de 17,9 milhões de habitantes.
Primeiro é necessário que se responda algumas perguntas: Qual é o conceito de família? A União Homoafetiva deve apresentar os mesmos direitos da união heterossexual? Existem duas linhas de pensamento uma sobre o conceito de família que é a célula mater da sociedade e outra sobre o conceito de União Estável. O conceito de família é relativo e subjetivo, pois, na antiguidade ele era um conceito religioso que se baseava na idéia de procriação, depois ele passou para um conceito sanguíneo e hoje ele tem como conceito o afeto.
O direito se baseia na mudança social, ele não é algo estático, imutável, mas para que os direitos homossexuais sejam aceitos é necessário que os tornem positivos, ou seja, colocando-os na nossa Carta Magna e modificando as leis já existentes por Emenda Constitucional. Outro ponto a ser tratado refere-se à dinamicidade do texto normativo, que pode se dá mediante a realidade social. Neste caso a união de homossexuais seria considerada não como União Estável, mas como Sociedade de fato, restando aos mesmos à elaboração de um contrato de convivência para regular dita sociedade.
Outra parte da doutrina compreende que a noção de família já não cabe mais no conceito tradicional, relacionado á procriação humana, pois, ele é um conceito relativo e subjetivo, que apresentou vários significados durante a história entre eles o sanguíneo e o conceito utilizado atualmente que é o afetivo.
A legislação brasileira proíbe qualquer tipo de discriminação contra o ser humano, sendo vedado todo tipo de tratamento humilhante e vexatório em relação aos homossexuais.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, desde que preencham as condições impostas pela lei, entre elas a diversidade sexual, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo proibir a união entre dois homens e duas mulheres.
É necessário que se explique que não existe nenhum dispositivo que diga de maneira clara, que para se constituir um casamento é necessário que haja uma diversidade sexual, mais se subitem que o mesmo esteja presente pelo fato, do art.1.565 do Código Civil, dizer de maneira clara: "homem e mulher".

Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. (grifo nosso)

O importante é que se saiba que a inclusão das uniões homoafetivas nas comunidades familiares decorrentes do casamento é uma hipótese que não encontra respaldo na doutrina nem na jurisprudência nacional, pois, o entendimento é que a distinção de sexo é de suma importância para a construção do conceito de união estável. Visto que a Constituição Federal é bem especifica em seu art. 226 §3º:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Grifo nosso)

O Código Civil ainda é mais explícito ao determinar que a União estável é a relação entre homem e mulher que convivem continuamente com a finalidade de convívio conjugal, sendo essa relação pública e duradoura:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. (Grifo nosso)

Se o caso fosse analisado pelo senso comum, seria injusto que não se admitisse a união homoafetiva, como união estável. Visto que o homossexualismo é algo tão comum em outras sociedades. "Acontece que cabe aos tribunais decidir de modo justo os conflitos trazidos perante si" , por isso não cabe aqui a valoração subjetiva do legislador e sim a valoração da lei, ou seja, a vontade objetiva da lei.
Além do mais "interpretar o direito é concretar a lei em cada caso, ou seja, é aplicar a lei", pois, ela é mais "racional" que o seu autor e, uma vez vigente, vale por si só. É necessário que se tenha em mente que o legislador, não é o criador das normas, ele apenas as reproduz. A interpretação na visão de Kelsen é "uma operação mental que acompanha o processo de aplicação do direito no seu progredir" . Dessa forma, a interpretação das normas deve ser feitas com o intuito de saber qual o conteúdo deve ser dado á norma individual de uma sentença.
As leis têm que ser aplicadas e completadas na medida em que são reconhecidas eticamente justas, pois o legislador tem que ser obediente a racionalidade e a justiça. O juiz vai procurar na lei a solução para um determinado caso, que será conduzido de maneira determinante a um resultado que pode considerar neste sentido justificado.
O mesmo não poderá alcançar a decisão de um caso mediante um aproveitamento, de princípios últimos e altamente genéricos, mas mediante uma procedimento passo a passo, em que procura assegurar o sentido correto dos dispositivos legais.
Não cabe nesse caso a idéia de lacuna, pois, a mesmas seriam a inexistência, no ordenamento jurídico, de uma norma para regular um caso concreto, ou seja, seria a existência de um caso concreto que não encontra, no sistema jurídico, uma solução.
Lênio Streck vai dizer que:
Uma lei considerada como justa pelo intérprete ou aplicador aparece sempre como um texto normativo claro. Por outro lado, um dispositivo de uma lei, entendido como injusto, aparece aos olhos do intérprete ou do aplicador como obscuro e ás vezes, a questão é enquadrada como um caso de ausência legislativa, enfim lacuna.

Sendo assim se torna de fácil observação que a existência ou não de lacunas depende da interpretação que você dá a norma, ou seja, se ela for uma interpretação positiva, não existirá lacuna e se for de interpretação negativa existirá lacuna. Desta forma não existe lacunas técnicas apenas axiológicas, ou seja, lacunas valorativas.

CONCLUSÃO

Para que os homossexuais tenham direitos é necessário que se positive os direitos inerentes aos mesmos, colocando-os na nossa Carta Magna e modificando as leis já existentes por Emenda Constitucional, só assim seria possível aceitar a União Homoafetiva como uma União Estável e uma entidade familiar. No que concerne aos direitos previdenciários eles já estão presentes no nosso ordenamento não sendo necessário modificá-los, mas sendo apenas necessário aperfeiçoá-los.
Essa minha decisão, faria com que os direitos dos homossexuais fossem uma garantia inerente aos mesmos, não cabendo nenhuma controvérsia e nenhuma retalhação da sociedade, pois garantiria o direito à igualdade e a dignidade da pessoa humana, direitos esses que são previstos na nossa Constituição Federal como direitos inerentes a todos os cidadãos independentemente de cor, raça, sexo ou etnia.
No que concerne a União Homoafetiva, já existem algumas iniciativas para tornar realidade, em nosso ordenamento, o reconhecimento da união civil entre pessoas do mesmo sexo. Dentre essas iniciativas esta o Projeto de Lei nº 1.151/95 que ira prevê direitos como direitos patrimoniais, bens de família entre outros.

REFERÊNCIA

Jadson Dias Correia. União civil entre pessoas do mesmo sexo: (Projeto de Lei 1151/95), jus navingandi, Teresina, a.1, n.10, abr.1997, disponível em:< http://jus.webcable.com.br/doutrina/textos.asp>, acesso em: 27 set. 2009.

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CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. 3ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 6ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.