Análise da obra "O Futuro do Estado"
Por Wélida Tiara Marques Ribeiro | 09/05/2014 | DireitoEm sua interessante obra Dalmo de Abreu Dallari destaca a importância do “saber o que virá antes que venha”. Analisa as possibilidades de se predizer o futuro do Estado e as prováveis bases para se encontrar as predições necessárias ao preparo para as circunstâncias futuras ou a manutenção de circunstâncias cômodas presentes. Tudo isso é de real importância para se evitar a “tensão e a desorientação dilacerantes sofridas pelos indivíduos sujeitos a demasiadas mudanças em pouquíssimo tempo” como define Alvin Toffler. (p. 1)
Dallari lembra que nenhuma predição é eficaz, por mais científica que seja, se não se leva em consideração os fatores sociais, se sempre terão influencia sobre quaisquer previsões que se vinculem de alguma forma ao fator humano. No entanto, para se fazer uma análise dos comportamentos humanos é preciso levar em consideração o fato de que o analista se encontrará sempre dentro de seu objeto de estudo, uma vez que todo fenômeno social influencia de alguma maneira o ser que se encontra inserido em uma sociedade e isso fatalmente acarretará, ainda que em mínima proporção, certa subjetividade que poderá alterar uma predição que deveria realizar-se objetivamente.
Já ao contrário do fator anteriormente citado, a padronização dos comportamentos humanos facilita o trabalho da predição e os novos meios de comunicação e integração sociais e econômicas têm ampliado ainda mais essa padronização uma vez que “a redução de variáveis torna mais fecundo o intercâmbio de informações entre os estudiosos de todas as partes do mundo”. (p. 6)
Com a ampliação dos estudos relacionados à psicologia e à sociologia a apreciação dos comportamentos humanos foi grandemente auxiliada, tanto para a interpretação de fatos passados e presentes quanto a consideração de probabilidades futuras. Também apareceu a ciência política, que com uma função codificadora dos dados obtidos cientificamente permite predizer o futuro com boa probabilidade de acerto ou aproximação. Outra ferramenta útil para se fixar as regras de comportamento social e aplicá-las à predição do futuro é o método probabilístico, que se resume na aplicação de estatísticas aos estudos da sociedade. É preciso destacar também o valor da Antropologia, pois é através dela que se aprende que “um povo dá valor á sua identidade e resiste às mudanças que a ameaçam e que ninguém, a não ser o mesmo povo, pode julgar o que é importante em seus valores e o que é ameaçador para eles” segundo Sol Tax. (p. 18)
Fazendo uma conexão com o Estado, Dallari observa que existe a necessidade de uma predição política e que a formação dos sistemas de predição tem sido cada vez mais interessante para os cientistas políticos do que a simples análise dos mecanismos de previsão. Também em relação ao Estado, o autor disserta a respeito das definições que inúmeros estudiosos lhe atribuíram observando o vínculo entre o ângulo de abordagem do Estado, seus problemas e tendências e as definições de cada intelectual. Dalmo logo afirma que o estado é “um pressuposto indispensável da vida jurídica” e sede política. Uma perspectiva interessante usada pelo autor é a de que o Estado necessita de uma pequena porção de poder arbitrário, capaz de tomar iniciativas em situações graves excepcionais e diz que o que se busca é a limitação dessa arbitrariedade o que faz do Estado uma ordem jurídica em que quem vive dento dela deve se submeter a seus regramentos e fazer-se respeitar por todos os demais indivíduos e nações. Em resumo, o criador da obra se cerca de precauções antes de definir o Estado como “ Ordem jurídica soberana, que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. (p. 50)
Um ponto notável a ser observado na obra é que o autor analisa a interferência do Estado nos setores da vida social, que nem sempre o faz, mas nunca deixou de possuir o direito de intervir. Ele traçou um breve histórico sobre a intensidade desse intermédio em cada época, enxergando que ele era bem menor séculos atrás se comparado à noção hoje empregada de que não há interesses exclusivamente individuais, sendo o Estado sempre conexo de alguma maneira a eles.
Observa-se a neutralidade adquirida pelo estado moderno com relação ao apoio e oposição dos indivíduos, o que se materializa mais visualmente no período pós -revolução industrial e período absolutista respectivamente. Paulo Bonavides verificou que o Estado deixou de ser liberal para se tornar social ou, da severa intervenção á positiva assistência. Vê-se que:
Aos poucos, os indivíduos e os grupos sociais, inclusive econômicos, foram ficando cada vez mais dependentes do Estado pois [...] é ele que tem a incumbência de prover as necessidades. O mesmo se dá em relação a todos os indivíduos, dependentes do Estado para a satisfação de suas necessidades básicas, havendo descontentamento e muitas vezes até revoltas quando o Estado permanece ausente ou atua com deficiência. (p. 76)
Partindo para as teorias sobre o futuro do Estado, Dalmo de Abreu Dallari disserta a respeito de inúmeras, tais como o Estado Mundial que sobre a perspectiva da Igreja Católica, observou que seria possível a unificação política do mundo através desta, ainda que isso implicasse a adoção de apenas uma chefia, liderança, para os assuntos espirituais e temporais. Mas afirma também que a vida de todos os homens seria condicionada, sobretudo por fatores religiosos. Assim seria atingida a idéia de cristianização do mundo, recomendada por muitos autores católicos, chegando-se ao Estado mundial.
Já sem o partidarismo, afirma-se que uma organização política mundial dotada de um centro de poder superior aos dos Estados era uma possibilidade inteligente, principalmente após a segunda guerra em que se observou “o egoísmo dos Estados e sua possibilidade de uso arbitrário da força”. E a partir do momento em que se criou a Organização das nações Unidas, muitos enxergaram-na como um futuro Estado mundial que promoveria a integração entre as nações e prepararia o mundo para a submissão a um poder superior, bem como a crença de muitos de que ela já era o Estado mundial. (p. 88)
Dallari observa que muitos teóricos escreveram sobre o Estado mundial, mas que suas opiniões se divergem em vários pontos como o princípio desse Estado e a forma de governo. “Assim, pois, não se pode falar na existência de uma escola ou corrente teórica, uniforme e bem definida, adepta do Estado mundial, existindo, isto sim, opiniões esparsas, manifestadas por autores das mais diversas tendências”. Talvez por esse motivo o autor não acredite que o Estado mundial é identificável como um futurível do Estado, observando que tais teóricos defenderam a ideia sempre encarando-a como um ideal utópico, sem nem ao menos consecução e encerra um parágrafo declarando que o Estado mundial não passa de “mera especulação intelectual, sem consistência concreta, não refletindo uma possibilidade ou exigência da realidade”. É importante observar também que os governos não se interessariam em depositar a um organismo a responsabilidade das decisões que talvez não lhe sejam imediatamente favoráveis a seus interesses e se depositassem, ocorreria o que Peters e Benn observaram, que é o fato de que quanto mais forte o Estado, mais inflexível é o ponto de vista dos seus governantes sobre o que lhe é vital, procurando-se por esse meio ampliar as possibilidades de ação arbitrária e evitar que seus interesses sejam discutidos por outros. (p. 95).
Uma outra teoria observada por Dallari é a do mundo sem Estados, em que se nota a existência de duas correntes teóricas importantes, embora divergentes entre si. A primeira corrente acredita na possibilidade de um retorno ás condições primitivas, atestando que, assim como a sociedade viveu sem o Estado no passado, poderá voltar a viver sem ele no futuro. A segunda corrente diz que sendo o Estado fruto de determinadas condições históricas, se estas se transformarem novamente o estado desaparecerá. Embora divergentes esses posicionamentos tem em comum a crença no desaparecimento do Estado, mesmo que de maneira diferente para cada um deles.
O desaparecimento do Estado é um tema estudado muito antes do que se imagina. Um exemplo para a concretização dessa ideia é a instalação do Anarquismo, que visa à eliminação do estado, “uma vez que nega a necessidade de qualquer espécie de poder social”. Tal exemplo possui uma trajetória histórica, defendida por inúmeros reis, filósofos e pensadores, desde os tempos medievais. (p. 100)
As teorias comunistas também acreditavam que era necessária a instalação de um socialismo para eliminar o capitalismo e trazer paz e equilíbrio para a sociedade e posteriormente se eliminar o próprio Estado, a fim de que todos os indivíduos se regessem em suas relações pelo bom senso, restando apenas funções análogas ás que são hoje cumpridas pelo Estado, de acordo com o XXI Congresso do Partido Comunista da União Soviética. (p. 109).
Existem teorias que desconsideram as formas anteriores e atuais de governo como Estados, reservando essa titulação para uma forma específica, especialmente caracterizada. Por isso, ao sustentarem a possibilidade de um mundo sem Estados, eles não estão defendendo o desaparecimento do poder político, mas sim o surgimento de uma nova forma de sociedade política, a qual não denominarão Estado.
Uma importante observação a respeito da crítica a esse desaparecimento é a de Norberto Bobbio, que considera o poder político sempre conectado ao uso da força, além de possuir as peculiaridades de ser “um poder que exerce sobre um número relativamente grande de pessoas, que tem por finalidade manter no grupo o mínimo de ordem e tende a ser exclusivo, isto é, tende a eliminar ou subordinar todas as outras situações de poder. Deduzindo-se assim que se desaparecer o poder político, não haverá um órgão capaz de exercer coação para assegurar determinados comportamentos”. (p. 119)
Em meios a várias outras teorias o autor disserta a respeito da criação de Super-Estados mundiais e ao mesmo tempo faz sua crítica, observando que os custos seriam imensos e não há uma tendência suficiente dos países para sua concretização, enumerando obstáculos á consecução de um objetivo dessa natureza, procurando-se mostrar que as transformações ocorridas hoje no mundo tendem a afastar a formação desses super-Estados.
Ele descreveu também a teoria do mundo do bem-estar que se regeriam pelas predições e planejamentos, para logo em seguida fazer sua crítica à ideia observando que é não é possível “a conciliação do estado do Bem- Estar com a democracia e a necessidade de ampla intervenção do Estado para sua criação e manutenção, o que implica a negação de que ele corresponde a uma tendência real. (p. 151)
Ao fazer a conclusão da obra, Dallari analisa as indagações a respeito do futuro do Estado, que possuem previsões de caráter subjetivo que naturalmente será a reflexão das preferências de que as cria ou de suas adequações para enquadrar o futuro previsto no campo do possível e realizável, mas que ainda assim dotam de grande possibilidade de serem afirmações responsáveis.
Referências:
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Futuro do Estado. Edição 1. Editora Saraiva, 2006.