Análise da linguagem empregada no romance Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade

Por Márcio Vasconcelos Diogo | 01/04/2010 | Literatura

Análise da linguagem empregada no romance Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade

Márcio Vasconcelos Diogo*

Palavras - chave: Linguagem. Romance. Brasileira. Modernismo

Introdução

Neste trabalho apresentaremos como Mário de Andrade emprega e retrata a linguagem brasileira no romance Amar, verbo intransitivo.

Optamos por desenvolvê-lo em três tópicos. No primeiro apresentamos de forma breve as principais passagens sobre a vida de Mário de Andrade. No segundo analisamos o enredo da obra. O terceiro tópico se subdivide em dois: na primeira parte debateremos um pouco sobre como era gramaticalmente nossa literatura antes do movimento modernista, e como se deu processo independência de nossa linguagem literária em relação a Portugal; na segunda parte discorreremos sobre o empenho de Mário de Andrade em construir uma literatura com uma identidade lingüística brasileira e como isso se manifesta no romance Amar, verbo intransitivo.

1 Mário de Andrade: Biografia

Mário de Andrade nasceu no ano de 1893, em São Paulo. Foi estudante de música no Conservatório musical de São Paulo e prematuramente deu início a sua carreira como crítico de arte, em jornais e revistas. Aos vinte anos de idade, adotando o pseudônimo de Mário Sobral, publica seu primeiro livro, Há uma gota de sangue em cada poema, em que faz duras críticas à Primeira Guerra Mundial. A obra desagradou muitos críticos de orientação parnasiana devido as inovações que trazia.

O escritor teve uma grande importância na implantação do Modernismo no Brasil.Com uma mente brilhante, Mário de Andrade acrescentou substância teórica ao movimento em momentos decisivos: em 1922, pouco tempo depois da Semana de Arte Moderna, publica seu "Prefácio interessantíssimo", um texto teórico que abre a obra de poemas modernistas Paulicéia desvairada. No ano de 1925, o escritor lança o ensaio A escrava que não é Isaura , no qual explora novamente algumas considerações iniciais sobre a estética modernista.

Entre 1924 e 1927, Mário realizou uma pesquisa enfadonha sobre a cultura brasileira, cujos resultados foram decisivos para produção de obras valiosas em sua carreira, como Amar, verbo intransitivo e Macunaíma.

Mário de Andrade, na prosa, escreveu contos, com os livros Primeiro Andar (1926) e Contos novos (1946) , crônicas, com os livros Os filhos de Candinha (1945), e romances, com Amar, verbo intransitivo (1927).

Na década de 1930 até o ano de 1945, o mesmo de sua morte, Mário de Andrade explorou uma poesia de dois tipos: poesia intimista e introspectiva e a poesia social.

2 Enredo de Amar, verbo intransitivo

A alemã Fraulein é contratada pelo rico burguês Sousa Costa para esta cuidasse da iniciação sexual de seu filho, o jovem Carlos. Dona Laura, esposa e mãe, de início desconhece a história, sabe apenas que Fraulein fora contratada como governanta e que cuidaria da educação de seus filhos. Quando descobre a verdade fica indignada, mas logo seu marido a convence de que seria o melhor para o filho. Temos então um caso amoroso entre Fraulein e Carlos, em que aquela ensina este a amar. Estando Carlos, na visão deles, já um rapaz maduro, Fraulein cumpre seu dever como professora de amor e vai embora. O rapaz fica pouco tempo triste e logo supera a separação.

3 A língua brasileira na obra Amar, verbo intransitivo

Este capítulo será desenvolvido em dois tópicos. No primeiro, faremos uma discussão de como a literatura brasileira esteve sempre presas regras lingüísticas de Portugal e sobre a contribuição do Modernismo para a conquista da autonomia brasileira em relação à gramática portuguesa. No segundo, entramos em nosso objetivo principal que é de analisar como Mário de Andrade procura empregar uma linguagem essencialmente brasileira.

4.1 A reação brasileira as regras portuguesas e a contribuição do Modernismo a nossa literatura

Como sabemos, a literatura brasileira obteve grandes conquistas graças ao Modernismo. Uma delas diz respeito à autonomia lingüística alcançada. Até então, imperava de forma aguda em nossa literatura o emprego das normas portuguesas. Tivemos até mesmo calorosos defensores de tal modelo, como Rui Barbosa e Coelho Neto.

Essa estética conservadora foi fortemente atacada pelos modernistas. Mário de Andrade, por exemplo, em defesa de nossa língua, chegou a anunciar a elaboração de uma gramática brasileira. Segundo Coutinho (1988, p.289) "Essa estética arcaizante e luzitanizante constitui um dos elementos do 'passadismo' mais violentamente visados pelo fogo modernista, tendo-se imaginado inclusive uma 'gramatiquinha da fala brasileira'".

Entretanto, em toda evolução de nossa literatura, observamos uma incessante luta por parte de muitos de nossos escritores em busca de nossa independência literária e pela construção de nossa identidade brasileira. Conforme Coutinho (1997, p.342) "Todos os escritores trouxeram a sua contribuição por menor que fosse". Destaquemos, por exemplo, José de Alencar e outros contemporâneos seus durante o Romantismo.

Mas é o Modernismo o maior responsável pelo que chamamos de literatura brasileira. Uma literatura independente dos modelos externos e que reflete fielmente a cultura e a personalidade de sua gente. Com o Modernismo o Brasil deixa de ser mero copiador das estruturas portuguesas e passa a produzir uma arte literária que corresponde com a heterogeneidade que ele abriga.

Foi necessária toda a grande revolução estética e ideológica do Modernismo brasileiro, no início do século XX, para que lentamente certos traços característicos do português do Brasil fossem sendo assumidos pela norma-padrão oficial. Grandes escritores brasileiros como Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa e outros fizeram questão de escrever numa língua literária mais brasileira e menos dependente das imposições dos gramáticos portugueses. (Bagno, 2001. p.120-121)

Devemos ressaltar que essas conquistas não se deram apenas por mero anti-lusitanismo. O propósito dos modernistas e principalmente de Mário de Andrade, era uma arte literária que se utilizasse do material lingüístico manifestado no país. Não haveria lógica uma literatura de um povo utilizando de uma linguagem de um outro povo. Inconcebível.

4.2 Uma escrita que imita a fala brasileira

O romance Amar, verbo intransitivo apresenta originalmente um posfácio em que Mário de Andrade discorre um pouco sobre o emprego da língua portuguesa na obra. Mário, entretanto, optou por não publicar este documento no romance. O assunto, porém, foi discutido com seus colegas.

Na época da publicação do romance, uma imensa tempestade de críticas caiu sobre Mário de Andrade em relação ao uso da língua na obra. Seus companheiros estavam bastante preparados para defesa do amigo, principalmente porque sabiam do trabalho de Mário como pesquisador e de seu pioneirismo.

Eram favoráveis ao projeto lingüístico de Mário de Andrade, que concretizava as propostas defendidas pelo movimento modernista brasileiro em relação ao nacionalismo. Os modernistas, segundo Lopes ( 1999, p.31) " entendiam e aceitavam o projeto lingüístico de Mário de Andrade que viabilizava, concretizava propostas estéticas e ideológicas da facção de nosso modernismo voltada para o nacionalismo mais crítico em suas intenções."

Na década de 20, Mário de Andrade, com muito empenho, pesquisou e empregou a língua portuguesa na forma como ela é manifestada em nosso país, concebendo-a como algo dotado de vida e dinamicidade e que sofre grandes modificações por parte do povo que a usa. Os propósitos de Mário com essas pesquisas era a elaboração de uma "Gramatiquinha da fala brasileira"

O escritor comportou-se como um autêntico cientista da linguagem, pois passa a observar a fala do povo e a comunicação verbal do dia a dia. Ao mesmo tempo, debruça-se sobre a literatura brasileira para registrar os mais diversos fenômenos lingüísticos, tais como: regionalismos, vulgarismos, idiotismos, gíria e etc.

Parece um jogo, uma 'inventação' como dirá Guimarães Rosa; mas é também o resultado de uma paciente investigação lingüística, etnográfica, de uma seleção dos materiais documentários de Couto de Magalhães, de Silvio Romero, de um estudo da língua de Simões Lopes neto, de Valdomiro Silveira. Um puzzle, naturalmente; mas era isso que Mário de Andrade queria. E no meio o cimélio, a prova de força ' em língua', num áulico, puríssimo português clássico..." (Moisés, 1994, p.490)

Com sua pesquisa, nosso modernista pretende formular um conhecimento sobre a identidade nacional, pois tal estudo se insere na análise que ele faz sobre nossa particularidade de povo brasileiro. Junto a isso, vem o fato de ter apoiado Mário em sua construção literária.

Todo esse universo lingüístico pesquisado por Mário de Andrade vais estar presente no universo de alguns de seus principais romances. Em Macunaíma veremos com força mais intensa, mas é Amar, verbo intransitivo que inaugura esse novo fazer literário. Com este romance, Mário vai quebrando as regras tradicionais da gramática portuguesa. A partir de agora apresentaremos os principais fenômenos que Mário de Andrade explorou na obra:

"Se ria envergonhada" ; "Lhe deu um olhar de confiança"

"Fraulein não é bonita não" ; "Não vai morrer não"

Milhorar, milhor, chacra, xicra, murmulho, mais piores

"Abraços, forrobodó festivo..." "Criou coragem, mas encabulou, encafifado" "Dona Laura ficava ali, manzonza" "Morto em vida e de morte chué" "Dona Laura teve uma tontona" "porção de bocagens" "inteligente. Sarambé"

Nos neologismos, temos muitas formas de duplicação verbal: queimaqueimados, fogefugia, chorachorando, brincabrincando.

"Elza viu ele descer" "Fez ela entrar na biblioteca"

"De repente Laurita pensou nítido que papai pegasse ela acordado..." "Fraulein prepara ele..."

" O desembaraço era premeditado, não tem dúvida..." "Não tem tantas mulheres sem perigo por aí..."

"D. Laura usava uma cruz de brilhantes que o marido dera pra ela..." " O criado viria chamá-la pro almoço"

"Que nem das outras vezes..." "Carlos, zum, que enm bala..."

"Meia dormindo, se ajeitando..." "Meia encabulada..."

"Não culpe-se por ela..."

"Quedê os elfos da floresta negra?"

"Mas porém era filósofo brasileiro"

"Depois do almoço as crianças foram na matinê..."

Mário de Andrade fez da literatura seu instrumento de luta para a consolidação de princípios culturais autenticamente brasileiros. Dentre estes princípios notamos de forma destacada o do emprego de um a língua brasileira que traja as vestes de nosso povo e que é manifestada por ele nos quatro cantos nosso país. Para concretização e tal propósito, Mário de Andrade foi em busca de seu material, pesquisou, observou, anotou. Como resultado temos um romance repleto das mais diversas ocorrências de nosso país. Verdadeiro tesouro para ao sociolingüística é o romance Amar, verbo intransitivo.

Bibliografia

ANDRADE,Mário. Amar, verbo intransitivo. Belo Horiznte: Vila Rica,16 ed. 1999.

BAGNO, Marcos. A língua de Eulália: novela sociolingüística. SãoPaulo: Contexto, 11ed. 2001.

COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro:Editora Bertrand Brasil,14ed.1988.

. A Literatura no Brasil. São Paulo: Global,4ed. 1997.