ANÁLISE DA COABITAÇÃO NO NOVO PACOTE DE DESCENTRALIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE: SEUS IMPACTOS E EFEITOS JURÍDICO-ADMINISTRATIVOS

Por Canifai Angelo Corneta | 07/02/2025 | Adm

ANÁLISE DA COABITAÇÃO NO NOVO PACOTE DE DESCENTRALIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE: SEUS IMPACTOS E EFEITOS JURÍDICO-ADMINISTRATIVOS

ANALYSIS OF COHABITATION IN THE NEW DECENTRALIZATION PACKAGE IN MOZAMBIQUE: ITS LEGAL-ADMINISTRATIVE IMPACTS AND EFFECTS

 

Canifai Ângelo Corneta[1]

 

 

Resumo

O presente artigo teve como objectivo analisar o impacto da coabitação no novo pacote de descentralização em Moçambique. Em termos metodológicos, o artigo ê resultado de uma pesquisa qualitativa, e a discussão de resultados foi possível através da pesquisa bibliográfica e documental. Verificou-se nesta pesquisa que a coabitação é um fenómeno politico que se faz sentir com a implementação do novo pacote de descentralização em Moçambique, este fenómeno faz-se sentir pela disputa de atribuições e competências entre os actores responsáveis pela administração local, principalmente entre o secretário de Estado, o governador provincial e presidente do conselho autárquico, com base na pesquisa realizada constatou-se que o maior problema da coabitação é a falta de coordenação entre os órgãos descentralizados e órgãos locais do Estado, porque os dispositivos legais que asseguram, estimulam a coordenação e articulação destes dois órgãos não especificam as áreas de actuação, nem as actividades que cada órgão deve desempenhar, nem o momento em que devem coordenar as suas acções e programas. O impacto da coabitação no novo pacote de descentralização é negativo, porque este não reúne as condições necessárias para que haja uma convivência sã entre os actores locais

Palavras-ChaveCoabitação, Descentralização, Pacote de Descentralização, Coordenação Institucional.

Abstract

His article aimed to analyze the impact of cohabitation on the new decentralization package in Mozambique. In methodological terms, the article is the result of a qualitative research, and the discussion of results was possible through bibliographical and documental research. It was verified in this research that cohabitation is a political phenomenon that is felt with the implementation of the new decentralization package in Mozambique, this phenomenon is felt by the dispute of attributions and competences between the actors responsible for the local administration, mainly between the Secretary of State, the provincial governor and president of the municipal council, based on the research carried out, it was found that the biggest problem of cohabitation is the lack of coordination between the decentralized bodies and local bodies of the State, because the legal devices that ensure, stimulate the coordination and articulation of these two bodies do not specify the areas of action, nor the activities that each body should carry out, nor the moment in which they should coordinate their actions and programs. The impact of cohabitation on the new decentralization package is negative, because it does not meet the necessary conditions for healthy coexistence between local actors.

Keywords: Cohabitation, Decentralization, Decentralization Package, Institutional Coordination.

 


 

1.Introdução.

A independência proclamada em Moçambique em 1975, provocou uma ruptura na forma de organização administrativa do país, pois ficou claro para o governo moçambicano que o modelo anteriormente imposto pelo colono era demasiado centralizado, e pouco produtivo ao nível das províncias e distritos.

Como resposta a essa questão, um conjunto de  transformações de natureza económica e politica  começou a ser levada em curso a partir dos finais dos anos 80 pelo governo,  as quais impactaram na configuração das relações entre o poder central e local, que se cristalizou com a implementação do processo de descentralização (Forquilha, s/d)..

O avanço deste processo, se deu graças a assinatura dos acordos de paz em 1992, que deu fim a guerra dos dezasseis anos entre a Frelimo e a Renamo, a mudança nos modos de organização do governo local com a criação das autarquias locais em 1998, e a institucionalização de modalidades de gestão dos órgãos locais de Estado em 2003 (Bilério, 2007).

Com o surgimento da segunda república moçambicana, que se inaugura com a constituição de 1990 e se cristaliza com o fim da guerra e a subsequente realização das primeiras eleições pluripartidárias em 1994, e as autárquicas de 1998, várias reformas políticas, económicas e administrativas, têm sido desenvolvidas pelo governo Moçambicano com a finalidade de tornar a governação mais efectiva. A mais recente, teve como motivação a cessão dos ataques armados a civis que se intensificaram nos anos de 2011 e 2012 na região centro do país.

Com este advento da cessão das hostilidades, a descentralização entrou em debate como mecanismo de negociação de partilha de poder entre os actores relevantes, e essas negociações resultaram na reforma da organização da administração territorial e aprovação de uma revisão pontual da constituição, a lei nº1/2018 (Guambe, s/d).

A lei nº1/2018 veio instituir alterações na organização do sistema administrativo local, permitindo a criação de espaços para partilha de poder e convivência de diferentes órgãos. A emenda constitucional traz um novo modelo de relacionamento entre o governo central e o governo local, criando oportunidade de coexistência de diferentes actores dentro do mesmo espaço-tempo, cujo papel é o mesmo, garantir maior flexibilidade na administração pública e consequentemente melhor prestação de serviços públicos aos cidadãos.

A lei em alusão consagra um Governador provincial e Administrador distrital politicamente eleitos, um representante do Estado na província e distrito, e Presidente do conselho autárquico na mesma circunscrição territorial. No entanto, as experiências vivenciadas em nosso contexto, demonstram que a coexistência no mesmo espaço-tempo de dois ou mais grupos de actores nem sempre pode significar uma cooperação plena entre as partes, podem em algumas vezes culminar em tensões políticas ou até mesmo em conflitos na medida em que se trata de poderes distintos e com agendas próprias.

Nestes termos, olhando pelos fins que o Estado tem a obrigação de cumprir, e tendo em conta os argumentos acima expostos, surge a seguinte pergunta deste artigo: Que impactos jurídico-administrativos podem advir deste novo processo de coabitação de órgãos políticos em Moçambique?

De modo a responder à pergunta deste artigo, formulamos o seguinte objectivo geral: analisar os impactos da coabitação no novo pacote de descentralização em Moçambique, e os seguintes objectivos específicos: Identificar as entidades descentralizadas a luz do novo pacote de descentralização; Descrever  os mecanismos de coordenação existente entre os órgãos da administração local e; Discutir os mecanismos jurídico-administrativos de resolução de conflitos de atribuições e competências entre os órgãos descentralizados-órgãos locais do Estado.

Neste sentido, tendo em conta o alcance dos objectivos de estudo, foram formuladas as seguintes perguntas de investigação:  quais são as entidades descentralizadas a luz do novo modelo de descentralização? quais são os mecanismos de coordenação existentes entre os órgãos da administração local?, quais são os mecanismos jurídico-administrativos de resolução de conflitos de atribuições e competências entre os órgãos descentralizados-órgãos locais do Estado?.

Esta pesquisa justifica-se pelo facto da coabitação envolvendo novos actores em Moçambique, ser algo novo e que carece de especial atenção, pois, a convivência de vários actores ao nível local pode afectar o desenvolvimento local, quer seja positivamente ou negativamente.

 

 

 

 

 

2.Revisão de Literatura  

2.1 Coabitação

Em termos conceituais, a coabitação significa convivência no mesmo território de actores políticos opostos e diferentes, é uma acção conjunta para uma finalidade, objectivo em comum, é uma relação baseada entre indivíduos ou organizações, utilizando métodos mais ou menos consensuais (Jamal,2014).

Nuvunga (2002) se refere a coabitação como “a existência de duas entidades distintas no mesmo espaço e sob a gestão do mesmo espaço, é a presença simultânea de um governo e de uma autarquia local de tendência políticas opostas” (p.25).

Dos conceitos cima citados, os autores ensinam que a coabitação é um fenómeno que ocorre quando duas entidades ou órgãos coexistem no mesmo espaço e ao mesmo tempo, como o caso vivenciado pela cidade de Nampula, em que temos um presidente do município de um partido e Governador de outro partido.

Nesse sentido, a coabitação é um fenómeno social, que já existe desde o surgimento do homem no mundo, pois os seres humanos, são seres sociais e, portanto, coabitam uns com os outros até a morte. Para o nosso estudo, trataremos a coabitação na vertente política, isto é, a coabitação como um fenómeno que tem sua origem no sistema de governo semipresidencialista. Os sistemas semipresidencialistas podem, por vezes, passar por períodos em que o presidente e o primeiro-ministro são de paridos diferentes, este fenómeno é o que os autores e estudiosos da ciência política denominam de coabitação.

Assim, autores como Shugart & Samuels (2010 apud in Loureiro, 2018) explicam que nos sistemas semipresidencialistas o presidente e o primeiro-ministro podem ser de partidos opostos e diferentes, fazendo com que haja disputa ou compartilhamento de poder, considerada muitas vezes o “calcanhar de aquiles” pois a disputa de poderes entre o presidente e o primeiro-ministro pode gerar tensões, porque o compartilhamento de poder nem sempre ocorre de maneira equilibrada.

Em democracias estabilizadas como o caso de moçambique, estas tensões podem se transformar em uma disputa de forças políticas, podendo levar a uma paralisação na execução de políticas públicas, má qualidade dos serviços públicos e a ausência de boa liderança nas instituições.

O fenómeno da coabitação politica em Moçambique, surge com a entrada em vigor do multipartidarismo através da constituição de 1990, mas teve o seu auge com a revisão da constituição em 1996, que introduziu os princípios do poder local e a aprovação em 1997 da lei nº2/97 que cria as autarquias, e em 2003 da lei nº8/2003, abrindo assim espaço para coexistência no mesmo espaço-tempo dos órgãos locais do Estado e autarquias locais.

2.2 Descentralização

A descentralização é um dos assuntos que mais se discute na actualidade, e vem ganhando lugar de destaque ao nível das discussões no campo da ciência política e da ciência da administração pública. Recorrendo ao conceito apresentado por Cistac & Chiziane (2008), percebemos que o termo descentralização pode ser apresentado no plano jurídico e politico. Nesse sentido, no domínio jurídico, a descentralização é uma forma de organização administrativa em que a função administrativa esteja confiada a diversas pessoas colectivas públicas.

Assim, no domínio jurídico, o Estado não é a única pessoa encarregue de prosseguir interesses públicos, pois este cria outras entidades para o ajudar. Enquanto isso, m sentido politico, diz-se que um Estado é descentralizado, quando os órgãos das autarquias locais são eleitos pelo conjunto de cidadãos, quando a lei os considera independentes e são financeiramente autónomas.

No que concerne ainda ao conceito de descentralização, o legislador moçambicano explica no artigo 6 da lei nº7/2012, que a descentralização é a criação pelo Estado de pessoas colectivas públicas menores, ou seja, a descentralização implica que a prossecução do interesse público passa a ser encarregue a outras pessoas colectivas públicas diferentes do Estado.

Nessa vertente, nos termos do nº1 e 2 do artigo 267 da constituição, o fim da descentralização é organizar a participação dos cidadãos na solução dos problemas próprios da sua comunidade, promover o desenvolvimento local, o aprofundamento e a consolidação da democracia.

2.2.1 Breve Historial da Descentralização em Moçambique

Para que possamos esmiuçar da história da descentralização em Moçambique, devemos olhar para o modelo de administração das zonas libertadas, antes da proclamação da independência nacional tal como explica Macuácua (2019), pois, com o surgimento das zonas libertadas, cria-se o embrião da administração pública moçambicana e do Estado-administração moçambicano.

Assim, a descentralização em Moçambique tal como em outros países da África, iniciou como resultado de um conjunto de reformas e mudanças de natureza política, económica e administrativa, iniciadas nos anos 80, e tornadas praticamente inevitáveis pela degradação da situação económica, social e política do país (Faria & Chichava, 1999).

Portanto, a crise económica de 1980, é vista como o primeiro marco do processo de descentralização em Moçambique, seguido com a aprovação da constituição de 1990, que instituiu o modelo de democracia pluripartidária, rompendo assim com o regime do governo de partido único ou seja:

As concepções de um possível modelo de descentralização vieram a ser concretizadas no que se designou de PROL(programa de reforma dos órgãos locais), criado em 1991, este favoreceu a apresentação das primeiras ideias sobre a partilha do poder político nas áreas de escalão inferior do Estado, A primeira abordagem está baseada na descentralização territorial operada através da criação dos municípios distritais com a lei nº3/94, que exercem o seu auto governo e possuem autonomia administrativa e fiscal (Simione et al, 2018, p.8).

O segundo momento está relacionado com à desconcentração, concretizada pelos órgãos provinciais através da transferência de responsabilidades do governo central para esses entes locais os quais não possuem autonomia local e o movimento das relações.

Com a aprovação da lei que criava os distritos municipais, em 1994 ocorrem as primeiras eleições multipartidárias, a lei que cria os distritos municipais é revogada, houve emenda constitucional em 1996 e em 1997 foi aprovada a lei nº2/97, que cria o quadro jurídico para a implantação de autárquicas locais

As bases legais que assentam o processo de descentralização baseiam-se num conjunto de reformas, como a consagração do Estado de direito, o princípio da legalidade, igualdade, controle da constitucionalidade e definição dos passos para um novo reordenamento da relação Estado sociedade (Canhanga, 2007).

Deste modo, Forquilha (s//d) defende que moçambique introduziu um modelo de descentralização a duas velocidades, um modelo que incorpora ao mesmo tempo, uma devolução para um espaço limitado do território (descentralização política) e uma desconcentração de funções e competências para os escalões locais do Estado (descentralização administrativa).

Dai que em Moçambique, coexistem duas concepções e abordagens diferentes da descentralização inscritas na constituição, desde a sua alteração parcial em 1996 e na legislação específica (lei nº2/2007, 3/2004): devolução, ou descentralização democrática; e desconcentração, ou descentralização administrativa:

A primeira é, em termos legais e em termos de políticas, enquadrada como o desenvolvimento dos municípios, estes são dotados de uma certa autonomia fiscal e administrativa e tem eleições regulares para presidentes dos conselhos municipais e para as Assembleias municipais, enquanto os últimos, os órgãos locais do Estado central, são instituições subordinadas, com pouca autonomia, mas com algumas funções administrativas e de gestão desconcentradas. (Weimer & Carrilho, 2017, p.60).

3. Aspectos Metodológicos

No entender de Canastra et al (2015) a metodologia cientifica é o conjunto de métodos e técnicas utilizadas para a execução de uma pesquisa.

É neste sentido, que nesta parte do artigo, descrevemos os passos que serviram de suporte para a sua realização, obtenção dos dados necessários para responder o problema em questão e o alcance dos objectivos de estudo (Marconi & Lakatos, 2003).

Nessa vertente, a presente pesquisa é básica quanto a natureza (pois não visa gerar conhecimentos novos, mas uteis para o avanço da ciência), qualitativa quanto a forma de abordagem do problema, pois, a preocupação dela é com o nível de realidade que não pode ser quantificada (coabitação). Ela está mais ligada ao estudo dos significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes a que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos fenómenos que não podem ser reduzidos à operação de variáveis, e o número de amostra é irrelevante, tal como refere Gonçalves (2004).

O artigo foi possível outrossim, através do uso da pesquisa descritiva quanto aos objectivos pretendidos, pois visou a descrição das características de determinado fenómeno, e o estabelecimento de relações entre variáveis, tal como explica (Gil, 2007). Esta pesquisa também é bibliográfica e documental quanto aos procedimentos técnicos adoptados, pois para a sua realização foram consultados livros, artigos, dissertações, monografias que abordam de forma directa/indirecta sobre a problemática em estudo e documentos oficiais do governo, que permitiram atingir os objectivos de estudo propostos.

Assim, a interpretação e discussão de dados é feita numa perspectiva teórica com recurso a estudos bibliográficos e documentos/leis administrativas.

 

4.Análise e Discussão de Resultados

Nesta parte do artigo, vamos proceder com a análise e discussão de resultados do estudo, através da análise bibliográfica e documental das pesquisas realizadas, a qual envolverá três tópicos, estes que constituem categorias construídas com o intuito de responder as principais questões do estudo.

4.1 As entidades descentralizadas a luz do novo pacote de descentralização

Nos últimos anos moçambique, tem realizado reformas em vários campos, entre as quais, a legislativa, principalmente no que concerne a administração pública, nesse aspecto, a mais recente das mudanças, foi realizada pela assembleia da república, fazendo uso exclusivo da sua competência legislativa (Impissa, 2020).

As mudanças acima referenciadas, foram apenas possíveis através da aprovação da lei nº 1/2018, que foi resultado do acordo político alcançado entre o presidente da república e o antigo líder da Renamo, visando por fim ao conflito armado na zona centro.

Em resultados das negociações para reforma da organização da administração
territorial, uma revisão pontual à constituição foi aprovada, o quadro da organização administrativa assim como as dinâmicas de partilha de poder ao nível local foram alterados (Guambe, s/d).

Um novo figurino emergiu, tanto ao nível dos órgãos locais do Estado assim como dos órgãos do poder local. O novo quadro diferencia os órgãos de poder local em órgãos de governação descentralizada de nível provincial e distrital e as autarquias locais.

As principais mexidas da revisão pontual da constituição incluem:

v  Definição dos princípios de descentralização e subsidiariedade nos termos do nº2 do artigo 8 da constituição;

v   Introdução de novo título sobre descentralização (XIV) e um capítulo sobre autarquias locais (III);

v   Definição das entidades descentralizadas, órgãos de governação descentralizada provincial e distrital e autarquias locais nos termos do nº1 do artigo 268 da constituição;

v   Introdução da eleição do Governador provincial, do Administrador distrital e Presidente autárquico pelo modelo de cabeça de lista nos termos do nº2 do artigo 279, conjugado com o nº2 e 5 do artigo 283 e 289 da constituição;

v  Criação da figura de secretário de Estado na província nomeado pelo Presidente para representar os interesses da soberania do Estado ao abrigo do artigo 141 da constituição, e da tutela administrativa dos órgãos de governação descentralizada exercida pelo Estado nos termos da alínea d) do nº2 do artigo 203 e artigo 272 ambos da constituição.

Assim, podemos afirmar que o novo paradigma da descentralização em moçambique, considera como entidades descentralizadas, as autarquias locais, os órgãos de governação descentralizada provincial e distrital, sendo que o secretario de Estado tanto no distrito assim como na província são órgãos desconcentrados do Estado.

4.2 Os mecanismos de coordenação existente entre os órgãos da administração local no novo modelo de descentralização

Chiavenato (2004) explica que falar da coordenação, implica falar da união e harmonização das actividades e esforços de diferentes pessoas ou órgãos de uma instituição, tendo em vista o alcance de um objectivo comum. Portanto, pode se dizer que a coordenação é um processo que consiste na implementação de actividades intimamente unidas, cujo objectivo é a providência para o perfeito funcionamento da organização como um todo e para cada uma das suas partes funcionais de modo a alcançar resultados eficazes.

A relevância   da coordenação, reside no facto de que todas as instituições quer locais, como de âmbito central, devem desenvolver actividades integradas e sincronizadas para que os seus objectivos sejam alcançados de forma plena.

Assim, no que diz respeito a coordenação dos órgãos descentralizados e órgãos locais do Estado o nº 1 do artigo 274 da constituição, preconiza que os órgãos de soberania e outras instituições do Estado, auscultam os órgãos de governação provincial, distrital e autárquica, relativamente às matérias de sua competência respeitante às províncias, aos distritos e as autarquias locais.

Deste modo, os órgãos locais do Estado respeitam a autonomia, as atribuições e competências dos órgãos descentralizados, coordenando seus planos e programas, projectos e acções compreendidas no respectivo território, visando a realização harmoniosa das suas atribuições e competências. Dai que somente a lei é quem deve estabelecer as formas de articulação e cooperação entre os órgãos de soberania, instituições centrais do Estado com os órgãos descentralizados.

Nos termos do nº5 do artigo 24 da lei nº 4/2019, para efeitos de articulação entre os órgãos executivos da governação descentralizada provincial, as autarquias locais e os órgãos de representação do Estado na província, realizam-se conselhos provinciais de coordenação, enquanto para os órgãos executivos de governação descentralizada e as autarquias locais, realizam-se encontros periódicos de articulação sobre os seus programas e planos de actividade.

A articulação entre os órgãos da administração local, visa a realização harmoniosa das suas atribuições específicas, mas também a união de sinergias e racionalização de recursos públicos, aliás:

A articulação evita a duplicação de esforços e dispêndio desnecessário de recursos para fins idênticos e realizados por várias entidades, portanto, mais do que uma vontade dos órgãos, a questão da boa articulação, na materialização deste paradigma, torna-se um imperativo funcional para a realização das tarefas específicas dos órgãos que logrem a satisfação dos interesses colectivos dos cidadãos (Impissa, 2020).

A coabitação de dois ou mais actores diferentes cria uma situação especial de conflito (igual a coabitação introduzida na constituição) devido a sobreposição de níveis administrativos e a existência de duas ou mais áreas de responsabilidade e competência.

Machava (2013) entende que a convivência complicada de sistemas paralelos de administração territorial local e governo central desconcentrado, em algum momento dificulta a plena implementação da descentralização, principalmente onde os territórios dos órgãos colidem.

Por isso, nos termos em que a coordenação entre estes actores é vista como sendo de carácter meramente consultivo, as tensões tendem a ser mais acentuadas quando se trata de órgãos dirigidos por partidos diferentes, e tendem a unir-se quando estão em jogos questões meramente individuais ou partidárias que as vezes antagónicos aos das comunidades que representam (Jamal, 2014).

A introdução de vários órgãos políticos no mesmo espaço-tempo, ou seja, com a implementação plena do novo modelo de descentralização, existirão no teatro das acções de governação e administração local, diversos órgãos que podem variar de acordo com a situação e da classificação, a experiência demonstra que a cooperação entre dois órgãos nem sempre existe ou nem sempre é satisfatória.

De acordo com Cistac & Chiziane (2008) existem exemplos de casos onde a hostilidade atingiu um ponto em que o órgão local do Estado se recusou a permitir que o município pintasse uma escola, sob o pretexto de que era o distrito e não o município que controla a escola.

Num outro exemplo citado pelos autores, o órgão local do Estado também recusou que o município, em vez do distrito, fizesse a colecta de taxas no mercado, mais grave ainda a falta de cooperação ao nível local, pode ter originado a demora na emissão do alerta relativamente às cheias no município de Chokwé.

É por este motivo que Macuácua (2019) refere que” nos casos em que a lista vencedora não tenha obtido uma maioria absoluta, e tendo em conta que a lei não admite coligações pós-eleitorais, há probabilidade de instabilidade governativa, que pode ser minimizada pelo diálogo, pelas alianças e pela convivência democrática harmoniosa (p. 210).

A Cooperação devia ser privilegiada no novo pacote de descentralização, independentemente da coabitação política entre o poder central e as entidades descentralizadas, porque como afirma Cistac & Chiziane (2008) onde ela existe, se atinge eficientemente os objectivos e as políticas, e onde não existe, coloca-se em perigo a própria vida dos cidadãos.

São vários os casos em que a cooperação é necessária e benéfica para o alcance dos objectivos, a título de exemplo Segundo Chiconela (s/d) são os casos em que há necessidade de mobilidade dos funcionários entre a administração do Estado e autarquias locais, outro caso em que deve haver cooperação e apoio do Estado é o da transferência de competências dos órgãos do Estado para as autarquias locais.

Impissa (2020) defende ainda que “a tomada de decisões harmonizadas dos órgãos sobre o mesmo território, para além de ter o potencial de atrair mais apoios sob ponto de vista de aceitação e implementação conjunta, pode parecer ser muito mais meticulosamente tomada e melhor reflectida tendo em conta o impacto das mesmas” (p. 124).

4.3 Conflito de atribuições e competências e as questões técnicas do novo modelo de descentralização em Moçambique

A rapidez com que o processo de descentralização foi conduzido para viabilizar as eleições gerais de Outubro de 2019, também concorreu para as imperfeições constantes nos diplomas
legais, incluindo algumas contradições de atribuições e competências.

Dai que com as contradições existentes no novo pacote de descentralização, e com a existências de vários actores ao nível local, com tendências politicas diferentes, não serão poucas vezes, em que na prática da vida administrativa vão ocorrer conflitos de atribuições e competências, isto é, disputas ou litígios entre os órgãos da administração acerca das atribuições ou competências que lhes cabe prosseguir ou exercer (Amaral, 1998).

Os conflitos de competências se traduzem na disputa acerca da existência ou do exercício de um determinado poder funcional, enquanto o conflito de atribuições ocorre quando a disputa versa sobre a existência ou não prossecução de um determinado interesse público.

As disputas entre os órgãos da administração acerca das atribuições ou competências a prosseguir podem ser positivas ou negativas. Quando dois ou mais órgãos reivindiquem para si a prossecução da mesma competência, diz-se que há um conflito positivo, e há um conflito negativo quando estes considerem simultaneamente que lhes faltam as atribuições ou competências para decidir um dado caso concreto.

De acordo com Guambe (2021) a experiência dos anos de governação descentralizada provincial e da presença da representação de Estado na província parece não ter resultado, nem no aprofundamento da democracia (materializando a paz, base da sua concepção) nem no reforço do desenvolvimento local (através de serviços públicos locais), muito menos na operacionalização concreta da formação do Estado:

Instalou-se, ao nível local, uma tensão funcional entre os Governos de província e a representação do Estado, ao nível das autarquias, apesar das suas funções serem relativamente bem estabelecidas, a coordenação com o Governo de província e a representação do Estado ficou igualmente ambígua, A dificuldade de delimitação de funções entre os órgãos locais tornou o espaço local num ambiente fértil para o surgimento de conflitos (p.2).

Por isso, com base nos argumentos acima expostos realizamos uma análise profunda sobre as questões técnicas do novo pacote de descentralização, onde verificamos que existe uma problemática de distribuição de competências e atribuições principalmente entre o secretário de Estado na província e o Governador provincial.

A distribuição de competências entre o governador da província e o Secretário de Estado constitui um verdadeiro “calcanhar de aquiles”, primeiro porque as competências enumeradas no artigo 5 do decreto 5/2020, vão muito além das competências exclusivas e de soberania mencionadas no nº2 do artigo 270 da constituição.

Por exemplo, a competência do secretário de Estado na província de promover a participação das comunidades na planificação do desenvolvimento económico, social e cultural da província nos termos da alínea f) do nº 2 do artigo 5 do decreto nº 5/2020, não encontra respaldo e enquadramento no nº2 do artigo 270 da constituição, que elenca as matérias da competência exclusiva dos órgãos centrais do Estado. Pois, entendemos que promover a participação das comunidades no desenvolvimento económico não constitui nenhuma função exclusiva ou de soberania que deva ser desempenhada pelo secretário de Estado na província. Assim, verifica-se que as competências enumeradas no artigo 5 do decreto nº 5/2020, contradizem com as atribuições de governação descentralizada (artigo 276 da constituição) e não deflectem as competências vertidas no artigo 26 da lei nº 7/2019.

Ainda sobre as competências do secretário de Estado na província, as elencadas no artigo 26 da lei nº 7/2019, coincidem com aquelas que constam do nº1 do artigo 5 do decreto nº 5/2020, mas se repararmos para nº 2 do mesmo artigo, o legislador atribuiu mais 16 competências ao secretário de Estado (alíneas a) b) c) d) e) f) g) h)i) j) k) l) m) n) o) p), e todas elas não consubstanciam funções de soberania ou de exercício exclusivo pelo governo central.

O que essa situação ilustra, é que o decreto nº 5/2020 atribuiu mais competências ao Secretário de Estado na província do que aquelas previstas na lei nº 7/2019. Desta análise podemos constatar que algumas competências atribuídas aos órgãos de governação descentralizada provincial foram replicadas para os órgãos de representação do Estado na Província.

O exemplo claro do argumento acima exposto, encontra fundamento se analisarmos uma das funções da direcção provincial da agricultura e pescas, que é desenvolver infra-estruturas e serviços de apoio às actividades agrícolas, nos termos da alínea d) do nº1 do artigo 12 do decreto nº 2/2020, todavia, a mesma função de desenvolver infra-estruturas e serviços de apoio às actividades agrícolas é atribuída aos órgãos de representação de Estado na província, concretamente ao serviço provincial de actividades económicas, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 14 do decreto nº 5/2020.

Esta situação é uma violação do artigo 19 da lei nº 4/19, que prevê que as atribuições e competências do órgão executivo de governação descentralizada provincial, da autarquia local e da representação do Estado excluem-se mutuamente, e que a divisão das atribuições e competências entre os órgãos executivos de governação descentralizada provinciais, das autarquias locais e dos órgãos centrais do Estado deve permitir que cada órgão tenha o seu campo de operactividade, sem que haja interferências mútuas, salvo nas matérias sujeitas à ratificação tutelar.

Outra constatação problemática é que tanto a legislação sobre os órgãos de representação do Estado na província como aquela que versa sobre os órgãos de governação descentralizada provincial declara que cada órgão tem o poder de exercer funções adicionais conferidas por lei. Esta situação abre espaço para subjectividade e representa um risco futuro de duplicação de competências e aumenta a incerteza sobre qual dos órgãos vai exercer de facto.

Na componente económica, tanto os órgãos de governação descentralizada provincial como os órgãos de representação do Estado na província têm competências para preparar um plano económico e social (artigo 26 da lei nº 7/2019 conjugado com o  artigo 45 da lei nº 4/2019), mas as disposições legais do pacote de descentralização não clarificam como e em que momento os planos dos órgãos de governação descentralizada provincial e de representação do Estado na Província são coordenados e harmonizados, uma vez que todos incidem sobre o mesmo território.

É nestes termos que Guambe (2021) esclarece que “em rigor dos termos, na governação local, não existe, neste momento, uma actividade administrativa programada. Algumas acções proactivas são dependentes da capacidade individual dos titulares e de suas equipas, o que, em muitas ocasiões, gera tensões, sobretudo entre a representação do Estado e o governo provincial.” (p.2).

Na área da agricultura e pecuária, muitas funções atribuídas ao serviço provincial de actividades económicas nos termos do nº1 do artigo 14 do decreto  5/2020, sobretudo aquelas que visam promover a participação comunitária nos processos de desenvolvimento económico local, não foram descentralizadas.

Na área de cooperação internacional, compete, por um lado, ao secretário de Estado na província implementar, a nível da província, acções e actividades de cooperação internacional nos termos da alínea g) do artigo 26 da lei nº 7/2019,e por outro lado, ao governador da província acompanhar a concepção e a implementação das actividades dos agentes da cooperação internacional na província, nas áreas da sua competência como preconiza a alínea h) do artigo 45 da lei nº 4/2019.

No que concerne a este aspecto, podemos afirmar neste artigo que não está claro a que nível, em que momento e com que tipo de instituições e/ou projectos cada órgão vai cooperar. A legislação sobre a descentralização atribui ainda ao secretário de Estado na província (alínea g) do nº2 do artigo 5 do decreto nº 5/2020,) ao governador da província (alínea a) do nº4 do artigo 19 do decreto nº 2/2020) e ao presidente do conselho autárquico (alínea s) e w) do nº1 do artigo 62 da lei nº 6/2018) competências para autorizar pedidos de uso e aproveitamento de terra. O problema é que o legislador não estabeleceu nenhuma diferenciação de níveis de intervenção de cada órgão, como por exemplo a intervenção em função das dimensões da terra.

 Mais grave ainda deste novo modelo de descentralização, reside sobre a participação do cidadão, o artigo 19 do decreto nº 5/2020, dispõe que “os serviços de representação do Estado na província asseguram a participação dos cidadãos, das comunidades locais, das associações e de outras formas de organização, através de consultas sobre diversas matérias”. Sobre o mesmo assunto, o decreto nº 2/2020, atribui às direcções provinciais a função de “promover a participação de organizações e associações na materialização da política definida para a respectiva área de actuação” nos termos da alínea i) do artigo 10 do decreto nº 2/2020.

Nesta situação, o legislador afirma categoricamente que a participação dos cidadãos e das comunidades na governação é assegurada pelos órgãos de representação do Estado na província e não necessariamente pelos órgãos de governação descentralizada provincial, cuja introdução visa justamente promover maior participação pública no exercício do poder político.

Ê nessa vertente que Impissa (2020) nos ensina que apesar da figura do representante do Estado, assumir-se como sendo próprio do processo de descentralização do Estado, esta surgi como forma de assegurar a presença física de uma entidade que responda em nome do Estado:

A figura do representante do Estado nas autarquias locais sempre foi considerada de extrema importância, no contexto da manutenção do poder e da supremacia estadual a nível das demais circunscrições territóriais. Contudo, muitos consideram-na inoportuna, pelo simples facto desta ter sido implantada depois das autarquias locais terem sido instaladas e os serviços públicos aos cidadãos já estarem a ser executados, por isso que a maioria considera que esta figura representa uma tentativa do Estado reaver o poder ou parte dele. (p.114)

Dai que a existência de qualquer órgão desta natureza devia justificar-se pelo seu papel, sua pertinência tanto no quadro jurídico-legal, quanto na realidade concreta, por isso, a instituição da figura do representante do Estado nas entidades descentralizadas devia transportar alguma mais-valia, particularmente para o desenvolvimento das comunidades, o que justificaria efectivamente a sua pertinência no panorama administrativo moçambicano, e não simplesmente ter uma importância emblemática.

Assim, a manutenção da figura do representante do Estado nas autarquias locais não resultou nem resulta em incremento ou mais-valia para o alcance dos fins imediatos da implantação da administração publica local, a mesma vem absorver recursos públicos para sua permanência no tempo e no espaço, onerando o Estado com as despesas a si inerentes, a contribuição desta figura para as necessidades de desenvolvimento pretendido não se tem sentido (Guambe, 2021)

O que poderemos presenciar em moçambique com a realização das eleições gerais de 2024, que irão igualmente incluir a eleição dos administradores distritais, portanto, permitindo o fecho do ciclo da reconfiguração dos órgãos locais, com um mosaico poroso entre funções, alias:

facto é que tanto o Governador, concretamente sem espaço de acção, assim como o secretário do Estado e, posteriormente, o administrador eleito (com território), poderão ser um combustível para uma letargia administrativa e um agravamento de tensões, marginalizando-se assim qualquer prossecução do interesse público (Guambe, 2021, p..2)

4.4 Mecanismos Jurídicos, Administrativos e Políticos de Resolução de Conflitos de Atribuições e Competências entre os Órgãos Descentralizados e Órgãos Locais do Estado em Moçambique

Após a análise das questões técnicas do novo pacote de descentralização, pretendemos agora perceber sobre as soluções jurídicas, administrativas e politicas para resolução de litígios no ordenamento moçambicano., envolvendo os órgãos descentralizados e órgãos locais do Estado. Sobre este assunto, o legislador moçambicano, nos termos do artigo 25 da lei nº 4/2019 consagra que os conflitos de atribuições e competências entre as entidades descentralizadas e a representação do Estado na província são dirimidos pelo conselho constitucional.

Nos termos do artigo 211 da CRM, os tribunais têm como objectivo garantir e forçar a legalidade como factor de estabilidade jurídica, garantir o respeito pelas leis, assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos, assim como os interesses jurídicos dos diferentes órgãos e entidades com existencial legal, neste perspectiva os tribunais podem dirimir conflitos de atribuições e competências, pois estes têm o dever de penalizar as violações da legalidade.

No entanto, tratando-se de litígios de âmbito jurídico-administrativo, apenas os tribunais administrativos têm a competência para dirimir, pois nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 229 da constituição, são os únicos da categoria dos tribunais que devem julgar os litígios que tenham por objecto as relações jurídicas administrativas.

Nos termos do nº4 do artigo 46 da lei nº 14/2011, os conflitos de atribuições e competências serão resolvidos pelos tribunais administrativos quando se tratar de pessoas colectivas diferentes, na mesma senda, os nºs 1 e 2 do artigo 50, preconizam que esta resolução administrativa dos conflitos, pode ser solicitada por qualquer interessado, mediante requerimento fundamentado dirigido a entidade competente para a decisão do procedimento.

O ministério público é chamado a intervir nos conflitos de atribuições e competências, pois como representante do Estado deve junto dos tribunais administrativos, defender os interesses que a lei determina, e controlar a legalidade nos termos do artigo 235 da constituição.

O órgão competente para a resolução, deve ouvir os órgãos em conflito, se estes ainda não tiverem se pronunciado e proferir a decisão no prazo de trinta dias. O cidadão a partir das eleições pode dirimir os conflitos de atribuições e competências na medida em que pode ou não votar num determinado actor político, o que seria um mecanismo político de resolução, mas também porque os conflitos podem resultar no atraso do desenvolvimento local, e não prossecução do interesse público, os actores políticos podem ser demitidos pelo governo com fundamento de violação da constituição nos termos do artigo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conclusão

Do estudo que fizemos verificou-se que a coabitação é um fenómeno politico que se faz sentir com a implementação do novo pacote de descentralização em Moçambique, este fenómeno faz-se sentir pela disputa de atribuições e competências entre os actores responsáveis pela administração local, principalmente entre o secretário de Estado, o governador provincial e presidente do conselho autárquico

Os conflitos de atribuições e competências entre os órgãos descentralizados e órgãos locais do Estado emergem da não especificação e delimitação em termos claros das atribuições e competências, e da sobreposição de actores políticos ao nível local com tendências políticas diferentes.

Assim, verificamos que não há coordenação entre os órgãos descentralizados e órgãos locais do Estado, porque os dispositivos legais que asseguram, estimulam a coordenação e articulação destes dois órgãos não especificam as áreas de actuação, nem as actividades que cada órgão deve desempenhar, nem o momento em que devem coordenar as suas acções e programas.

Neste contexto, o impacto da coabitação no novo pacote de descentralização é negativo, porque este não reúne as condições necessárias para que haja uma convivência sã entre os actores locais, a lei não define mecanismos claros de coordenação e partilha de recursos, o que torna o espaço local um ambiente propício a conflitos e ingovernabilidade. Ao nível local com a implementação do novo pacote há mais chances de surgir conflitos que se alcançar o desenvolvimento local que é o objectivo principal da descentralização.

Este processo de coabitação de actores políticos diferentes vai emergir disputas jurídicas e administrativas, pois trata-se de actores com agendas e ideais partidários diferentes.  Assim, no sentido de tentar resolver essa situação, sugere-se que se estimule a importância da coabitação harmoniosa para o desenvolvimento local, e se faça a consciencialização dos actores políticos quanto ao objectivo da descentralização, para que percebam a necessidade de uma convivência boa e lhes seja lembrado o seu principal objectivo como servidores públicos.

Mas também no sentido de buscar novas soluções para esta problemática, recomenda-se que novos estudos sejam realizados com o intuito de promover a importância da coordenação e boa coexistência entre os órgãos da administração local.

 

Referências Bibliográficas

a)      Leis Administrativas

Lei nº1/2018 de 12 de Junho, lei da revisão pontual da Constituição da República

Lei nº4/2019 de 31 de Maio, Estabelece o quadro legal dos órgãos executivos de governação descentralizada provincial.

Lei nº 5/2019 de 31 de Maio, estabelece o quadro legal da tutela do Estado sobre os órgãos de governação descentralizada provincial e das autarquias locais.

Lei nº 6/2018 de 3 de Agosto, altera a lei nº 2/97 de 18 de Fevereiro.

Lei nº7/2012 de 8 de Fevereiro, estabelece as bases gerais da organização e funcionamento da Administração pública.

Lei 7/2019, de 31 de Maio, que estabelece o quadro legal sobre a organização e o funcionamento dos órgãos de serviços de representação do Estado na Província

Lei nº 14/2011 de 10 de Agosto, Regula a formação da vontade da Administração Publica.

Decreto n.º 2/2020 de 8 de Janeiro, que estabelece as normas de organização, as competências e o funcionamento dos órgãos executivos de governação descentralizada provincial

Decreto nº 5/2020, de 10 de Fevereiro, que regula o quadro legal sobre a organização e funcionamento dos órgãos de representação do Estado na Província

b)     Livros, Manuais e Artigos científicos

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Guambe, E (2021). Haverá eleição de administradores distritais em 2024? Atribuições funcionais na governação local

Faria, F & Chichava. A (1999). Descentralização e cooperação descentralizada em Moçambique

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[1] Licenciado e Mestre em Administração Pública pela Faculdade de direito da UCM-Moçambique

Assistente Administrativo na Faculdade de Educação e Comunicação da UCM- Moçambique

Email: canifaian@gmail.com/ccorneta@ucm.ac.mz

Contactos: 842544737/878944737

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