Análise da atuação dos auxiliares da justiça no processo penal
Por Ludmila Rosa Ribeiro da Silva | 22/08/2012 | DireitoANÁLISE DA ATUAÇÃO DOS AUXILIARES DA JUSTIÇA NO PROCESSO PENAL
Igor Rios de Senna Santos
Ludmila Rosa Ribeiro da Silva
Mel dos Santos Trindade[1]
INTRODUÇÃO
Juntamente com o autor, o réu, o juiz, o(s) assistente(s), podem intervir no processo os auxiliares da justiça, que possuem participação regulada pelo Código de Processo Penal.
É indispensável à diferenciação entre os auxiliares da justiça no contexto do Processo Penal, objeto de estudo do presente artigo, e os auxiliares da justiça no contexto do Processo Civil. Desse modo, são auxiliares da justiça de acordo com o Código de Processo Penal: o escrivão, o oficial de justiça, o perito, o interprete e o tradutor.
O presente artigo visa explanar, em princípio ao conceito, a atuação e a necessidade do trabalho dos auxiliares da justiça no âmbito do processo penal. Com isto, faz-se a análise minuciosa do Código de Processo Penal, no que concerne às atividades do escrivão, do intérprete, do tradutor e do perito.
Explica-se também a respeito de eventuais impedimentos, suspeições e crimes que tais auxiliares podem se encaixar no desdobramento de suas atividades, bem como a análise de um caso concreto, focando a atuação da perícia, como meio de formação do convencimento do magistrado e sua devida fundamentação legal.
- 1. DOS AUXILIARES EM GERAL
De acordo com a definição de Marcellus Polastri Lima “os chamados auxiliares da justiça são aqueles que, em caráter permanente ou eventual, auxiliam o juízo na prática de atos necessários ao processo”[2].
É pacifica na doutrina a consideração acerca dos auxiliares da justiça permanentes, ou seja, aqueles que estão diretamente ligados ao juízo como forma de apoio a prática de vários atos que adiante será explanado, sendo eles o escrivão e o oficial de justiça. São por sua vez, considerados auxiliares da justiça eventuais, ou necessários a apenas alguns processos, ou como dispõe Mirabete, “os elementos variáveis da administração da justiça”[3], sendo eles: o perito, o interprete e o tradutor.
- 2. DOS ESCRIVÃES
A doutrina brasileira pouco expõe a função dos auxiliares da justiça, a pequena parcela que faz menção, corrobora com a idéia de Vicente Greco Filho, que diz que na verdade o escrivão “não se resume a uma pessoa só, mas a uma organização sob responsabilidade de alguém que se denomina escrivão.” [4]
É atribuição do escrivão de acordo com o Código de Processo Penal: Art. 792, assistência às audiências, sessões e atos processuais; Art. 640, carta testemunhável; requerimento dirigido ao mesmo; Art. 800, § 4º, envio dos autos ao juiz ou ao órgão do Ministério Público, no dia em que assinar termo de conclusão ou de vista, sob pena de sanção, caso não o faça, conforme o art. 799; Art. 350, intimação feita a réu que não possa prestar fiança por motivo de pobreza; Art. 370, § 2º, Caso não haja órgão de publicação dos atos judiciais na comarca, a intimação far-se-á diretamente pelo escrivão, por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo; Art. 494, lavratura de ata de cada sessão de julgamento; Art. 305, lavratura de auto de prisão em flagrante; Art. 329, caput e parágrafo único, o escrivão lavrará termo que será assinado pela autoridade e por quem prestar a fiança, e dele extrair-se-á certidão para juntar-se aos autos, notificará o réu e quem prestar fiança das obrigações e da sanção previstas nos arts. 327 e 328, o que constará dos autos, entre outra atribuições de mesmo cunho.
A Lei complementar n°014, de 17 de dezembro de 1991, dispõem sobre a divisão e organização judiciária do Estado do Maranhão, reservando ao escrivão o art. 60-C, §5°, que aduz “os secretários dos Juizados Especiais acumularão as funções de escrivão, contador e partidor, e os oficiais de justiça as funções de avaliador” [5]; os art. 202; 212, incisos VI, VII, XIV criam vagas para o cargo.
Necessário se faz destacar, que de acordo com o art. 808 do Código de Processo Penal, dentro do Livro VI, ressalta-se que “na falta ou impedimento do escrivão e seu substituto, servirá pessoa idônea, nomeada pela autoridade, perante o qual prestará compromisso, lavrando o respectivo termo”, o que destaca a necessidade da atividade do escrivão, atividade essa que deve ser envolvida pela idoneidade e fé-pública, termos ligados à ética, e diretamente ligados a presunção de veracidade, presunção essa iuris tantum, inerentes desse auxiliar perante a justiça.
Assevera ainda o art. 274 que “as prescrições sobre suspeição dos juízes estendem-se aos serventuários e funcionários da justiça, no que Ihes for aplicável”. Tais cautelas visam à impessoalidade dos funcionários do serviço público quanto o bom e correto andamento processual.
O doutrinador Eugênio Pacelli esclarece ainda que:
Entre todos os integrantes do juízo, apenas a atividade desenvolvida pelo escrivão poderia merecer a preocupação do legislador, no que respeita, especificamente, á possibilidade de alguma interferência na imparcialidade do julgamento. Isso poderá ocorrer diante de sua proximidade com o magistrado e de sua posição de chefia dos serviços de apoio. [6]
Assim, pode-se dizer que as atividades desenvolvidas pelo escrivão vão desde a movimentação, documentação, guarda e conservação dos autos, certificação e comunicação dos atos processuais.
- 3. DOS OFICIAIS DE JUSTIÇA
Ainda, diretamente ligado ao juízo, sendo, portanto, considerado um auxiliar da justiça permanente, tem-se o oficial de justiça que de acordo com Marcellus Polastri Lima “age em atos externos ao juízo, cumprindo diligências de citação, intimação e notificação, e ainda, eventualmente, condução de testemunhas recalcitrantes” [7].
Diante da atividade do oficial de justiça, no exercício das atribuições e funções jurisdicionais, o ordenamento processual penal brasileiro possibilita a plenitude dos princípios do contraditório e da ampla-defesa, uma vez que esse servidor público possui o ônus de citar, intimar e notificar as partes.
Deste modo, em análise direta ao Código de Processo Penal, o oficial de justiça é contemplado em alguns artigos como: Art. 415, V, que dispõem sobre a certificação de réu não encontrado; Art. 357, I e II, fala dos requisitos da citação por mandado do oficial de justiça; Art. 655, multa em caso de procrastinação; Art. 763, cumprimento de mandado de captura; Art. 355, § 2º, nos casos em que o réu se oculta para não ser citado; Art. 218, caso que a testemunha faltar o juiz pode solicitar que o oficial de justiça conduza a testemunha, solicitando inclusive força policial.
- 4. INTERPRETES E TRADUTORES
São os auxiliares encarregados de dar entendimento a respeito de alguma linguagem diversa a que se utiliza (língua portuguesa falada), sendo denominado por Marcellus Polastri Lima como “o auxiliar que verte para o português, oralmente, a linguagem alienígena do estrangeiro”[8].
Por vezes o Código de Processo Penal faz confusão entre o interprete e o tradutor, o que é visto no art. 193 que aduz “Quando o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio de intérprete”. A palavra intérprete aqui possui sentido tanto da utilização do intérprete como do tradutor.
A atividade desenvolvida pelos intérpretes e pelos tradutores são semelhantes a atividade do perito, já que trata-se de pessoa técnica apta para a prática de um certo ato que influenciará na formação do convencimento do magistrado, assim, o Código de Processo Penal no art.281 equipara os intérpretes (o que engloba os tradutores) aos peritos, recebendo igual tratamento, como forma de dimensionar a importância e qualidade do serviço a ser prestado.
Vale ressaltar que é aplicável por equiparação aos peritos, que por sua vez equiparam-se aos dispositivos pertinentes a suspeição do juiz, com a finalidade de preservar a absoluta imparcialidade do processo. Não é por outro motivo que aos interpretes e tradutores estendem-se o crime de falsa perícia, previsto no art. 342 do CP, que será adiante exposto.
4.1 Dos Intérpretes
Pode acontecer que no decorrer do procedimento, seja necessária a intervenção de pessoa surda-muda, e para que o entendimento seja pleno, sem óbices para nenhuma das partes, uma vez que o entendimento errôneo pode atingir o convencimento do magistrado, o juízo utiliza a atividade do intérprete, uma vez que esse de acordo com Marcellus Polastri Lima, “é o auxiliar encarregado de dar entendimento a respeito de linguagem mímica dos surdos-mudos”. [9]
Por meio da interpretação dos sinais, o interprete repassa para a língua portuguesa falada, o que a pessoa surda-muda deseja expressar, sempre aproximando o máximo possível do desejo e sentindo expresso por meio da mímica ou linguagem brasileira dos Sinais (LIBRAS).
4.2 Dos Tradutores
A atividade do tradutor é muito próxima ao do interprete, uma vez que ambos trazem para o entendimento de todos e para língua utilizada, no caso do Brasil a língua portuguesa. O tradutor de acordo com Marcellus Polantri Lima é “aquele que analisa e traduz documento e declaração em língua estrangeira”[10]
O Código de Processo Penal em seu art. 193 aduz que “quando o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio de intérprete.”, referindo-se aqui ao trabalho do tradutor, ressalta ainda no art. 236 que “os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade.”
O magistrado por sua, mesmo que conheça a língua estrangeira, não pode praticar a atividade de tradutor, sob pena de infringir a imparcialidade e o seu próprio convencimento, devendo manter-se distanciado de tais práticas.
- 5. DOS PERITOS
O Código de Processo Penal assegura ao juiz o direito de chamar a intervir no processo o perito, especialista em determinada matéria que deve esclarecer pontos distantes do conhecimento jurídico do magistrado. Ou seja, o perito intervirá no processo para que possa atuar como auxiliar da justiça, de modo a ajudar na formação do convencimento judicial e na apreciação da prova. Desta forma, mister que o serviço prestado pelo perito seja de qualidade e idoneidade incontestáveis. Em consonância com o art. 276 do CPP, as partes não intervirão na nomeação do perito, pois esta nomeação é ato exclusivo da Autoridade, seja Judicial ou Policial.
Os peritos podem ser: oficiais - integrantes da Administração pública, com atribuições previamente determinadas em lei; não oficiais - pessoas idôneas, portadoras de curso superior, escolhidas pelo juiz para prestar auxílio técnico, e que, de preferência, se enquadrem na habilitação técnica relacionada à natureza do exame. Segundo o art. 159, § 2° do CPP, os peritos oficiais não prestam o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo, pois já o prestaram quando assumiram o cargo público. Somente quando não houver peritos oficiais é que deverá o juiz nomear duas pessoas, como já dito, de idoneidade reconhecida e com conhecimento técnico especificado para a matéria a ser examinada, para elaboração do trabalho de perícia. São estes os peritos não oficiais, que deverão prestar compromisso de bem e fielmente desempenhar o cargo, formalidade essencial para o prosseguimento do trabalho. Segundo a súmula 361 do STF: “No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência da apreensão.”
São deveres dos peritos: acudir à intimação ou ao chamado da autoridade; comparecer no dia e local designados para o exame; apresentar o laudo, ou concorrer para que a perícia seja feita no prazo estabelecido. O Código de Processo Penal prevê, em seus arts. 277 e 278, que o perito que se recusar a aceitar o encargo sem justo motivo, ou deixar de obedecer aos deveres legais, incorrerá em multa, e no caso de não comparecimento não justificado, poderá ser conduzido coercitivamente. A doutrina majoritária reconhece a perícia como verdadeira função social[11], em razão de os peritos estarem exercendo função pública, em observância com o princípio da legalidade, e também de não poderem as pessoas nomeadas para tal encargo recusá-lo.
Entendemos, portanto, que ao perito é obrigatória a aceitação da nomeação feita pelo juiz, principalmente porque o juiz não irá atribuir a uma pessoa um trabalho que lhe depreenda tempo inútil, sem remuneração. Sobre o assunto, Nucci argumenta:
Deve-se utilizar o preceituado no art. 277 do CPP (obrigatoriedade do perito de aceitar a nomeação feita pelo juiz) com a máxima prudência, pois o juiz não deve exigir de determinados profissionais encargos, que lhes poderão retirar tempo útil, sem a devida remuneração, o que raramente acontece no processo criminal- diversamente do cível, quando as partes podem suportar os salários periciais.[12]
Ressalte-se, ainda, sobre a multa prevista no referido artigo 277 do CPP: pena de multa de cem a quinhentos mil –réis para o perito que, sem escusa atendível, recusar o encargo. Ainda nos ensinamentos de Nucci:
Por outro lado, a multa prevista no mencionado art. 277, por não ter sido atualizado, é inaplicável. E mais uma vez, frise-se: a maioria das perícias feitas, nos dias de hoje, é oficial, de modo que seria impossível a recusa do funcionário público de cumprir com o seu dever, sob pena de responsabilização funcional.[13]
Ainda sobre a previsão de multa para o perito que recusar o encargo, Nestor Távora acrescenta que:
Como a multa em tela encontra-se com o valor desatualizado e o direito sancionador exige previsão expressa das ‘penas’ que estabelece, o magistrado terá dificuldades de fazer valer a sua incidência, não obstante a previsão de condução coercitiva do perito que não comparecer a sua presença sem justa causa (art. 278, CPP). A propósito, a condução coercitiva é de ser entendida como medida extrema, só havendo incidência quando não haja possibilidade de uso de meios alternativos, como a designação de uma outra pessoa.[14]
Coadunando com a lição deste último autor, entendemos que a multa estipulada pelo Código de Processo Penal hoje é de difícil aplicação, pois a redação encontra-se desatualizada, e a medida coercitiva também disposta no CPP deve ser a última solução a ser apresentada no caso de não comparecimento não justificado, pois relembramos aqui tal medida com uma perspectiva histórica, em que o Estado se viu obrigado a estipulá-la, devido à falta de pessoas capacitadas em determinados ramos, e, como na atualidade, encontram-se facilmente pessoas capacitadas em diversos tipos de conhecimentos técnicos, não há de se falar em coerção se houver a possibilidade de designação de outra pessoa.
5.1 Impedimento dos peritos
Quanto aos impedimentos dos peritos, o art. 279 do CPP preceitua que não podem ser peritos:
I - os que estiverem sujeitos à interdição de direito mencionada nos ns. I e IV do art. 69 do Código Penal;
II - os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto da perícia;
III - os analfabetos e os menores de 21 anos.
Mais uma vez percebemos a desatualização do Código de Processo Penal, no que se refere ao inciso I do mencionado artigo, pois faz referência a uma parte revogada do Código Penal. A interpretação correta é feita com referência ao art. 47 do Código Penal, e seus incisos I e II, ou seja, a intenção é de proibir de serem peritos os que estiverem cumprindo pena restritiva de direitos, impeditiva do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de profissão, atividade ou ofício que dependa de habilitação especial, de licença ou autorização ao poder público.
O inciso II do artigo 279 impede de serem peritos aqueles que já tenham participado do processo como testemunha ou tenha dado sua opinião sobre o caso objeto da perícia anteriormente.
De acordo com inciso III do referido artigo, são ainda impedidos de serem peritos os analfabetos e os menores de 21 anos, consideração que a doutrina vem entendendo ser vazia de conteúdo, pois os peritos oficiais são concursados, e portanto, não podem ser analfabetos, e os peritos não oficiais devem ter curso superior, e, considerando que raramente as pessoas concluem um curso superior com menos 21 anos, a disposição vê-se sem fundamento. Além disso, outra crítica vem sendo apontada: de acordo com o Código Civil, a menoridade cessa aos dezoitos anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil, portanto, nada impediria que um sujeito com mais de 18 anos e com curso superior fosse designado perito[15].
5.2 Suspeição dos peritos
Em consonância com o art. 280 do CPP, os peritos estão sujeitos às mesmas regras de suspeição aplicadas aos juízes, regras estas elencadas no art. 254 do CPP. A consideração trazida no Código sobre a suspeição dos peritos é de relevante importância, pois os peritos detêm grande influência no poder decisório do magistrado, e, portanto, devem agir com imparcialidade, de modo a não conferir benefícios a quem eventualmente seja seu conhecido, em razão de afetividade.
O perito dar-se-á por suspeito quando: for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; tiver aconselhado qualquer das partes; for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.
Ressalte-se que estes casos de suspeição também são aplicados aos intérpretes, como auxiliares da justiça, na medida em que devem atuar com imparcialidade na compreensão de linguagens estranhas ao conhecimento do magistrado.
5.3 Prova pericial
As provas são os instrumentos que o magistrado se utiliza para a formação do seu convencimento e motivação de sua decisão. Elas buscam a reconstrução do fato tido como criminoso, demonstrando, no processo, a existência ou inexistência de um fato, a falsidade ou veracidade de uma afirmação.
A prova pericial é aquela feita por pessoa com conhecimento específico sobre a matéria técnica útil para o deslinde da causa, de modo a instruir o julgador com o resultado do exame em questão. “É uma prova técnica, na medida em que pretende certifica a existência de fatos cuja certeza, segundo a lei, somente seria possível a partir de conhecimentos específicos”.[16]
A realização da perícia pode ocorrer na fase do inquérito ou durante o processo, por determinação da autoridade policial ou judicial. A perícia está sujeita ao princípio do contraditório, pois, de acordo com o CPP, as partes podem formular quesitos, bem como indicar assistente técnico para apresentação de parecer, contestar o laudo apresentado, requerer a complementação ou realização de novo exame, e também requerer a oitiva de perito em audiência. Se ocorrida na fase do inquérito, como não há partes, a Autoridade Policial é quem formula os quesitos, que, para os casos mais frequentes, já vêm determinados.
Assim, se se tratar de exame cadavérico, estes os quesitos: 1º) Houve morte? 2º) Qual a sua causa? 3º) Qual o instrumento ou meio que a produziu? 4º) Foi produzida por meio de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura, ou por outro meio insidioso ou cruel? (resposta especificada)[17]
O art. 6º, VII do CPP designa que quando ocorrer uma infração penal que deixe vestígios materiais, a autoridade policial deverá, logo que tiver conhecimento da prática de tal infração, determinar a realização do exame de corpo de delito. Se não o fizer, o exame poderá ser ordenado pelo juiz. A prova pericial deve ser requerida sempre que o crime deixar vestígios, e o exame de corpo de delito deve ser feito sempre que estes vestígios forem perceptíveis aos sentidos. “Trata-se de uma prova imposta por lei (prova tarifada), de modo que não obedece à regra da ampla liberdade na produção das provas no processo criminal.”[18] Se não realizado o exame de corpo de delito, nos termos do art. 564, III b, do CPP, poderá ocorrer a nulidade.
Finda a perícia e apresentada ao juiz, este poderá rejeitar, no todo, ou em parte, as conclusões do perito, pois o laudo pericial não tem caráter vinculante.
5.4 Crime de falsa perícia
O art. 342 do Código Penal dispõe sobre o crime de falso testemunho ou falsa perícia, cuja redação explica ser delito: “Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena- reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.” Voltaremo-nos aqui somente à parte do crime relacionada aos auxiliares da justiça, deixando de comentar, por momento inoportuno, sobre o falso testemunho.
De acordo com a lei, o crime de falsa perícia é praticado não só pelo perito, mas também pelo tradutor, contador e intérprete que desvie a argumentação verdadeira sobre determinada prova a ser produzida em processo.
Na verdade, a qualidade de perito seria o gênero, de onde seriam suas espécies o perito (em sentido estrito, abrangendo, aqui todas as perícias que não dissessem respeito à contabilidade, tradução e interpretação), bem como o contador, o tradutor e o intérprete.[19]
Como já vimos, as provas são os instrumentos cabais para a vinculação da fundamentação do magistrado, por isso, o Código Penal se preocupou em preservar a busca pela verdade, englobando neste crime as pessoas capazes de fornecer elementos de vinculação da decisão. Apesar de o tradutor, o contador e o intérprete se diferenciarem do perito, por não serem fonte de prova, estes auxiliam na compreensão dos elementos produzidos para a instrução e decisão do processo. Nesse sentido, Noronha afirma que “(...) facilmente compreensível é que a falsidade por eles cometida molesta e sacrifica os interesses da administração da justiça tanto quanto o falso testemunho.” [20]
Portanto, o sujeito passivo deste crime é o Estado, como interessado no desenvolvimento da atividade judiciária, e, em segundo lugar, de acordo com alguns doutrinadores, o prejudicado pela falsa perícia.
O perito tem o dever de falar a verdade em todas as ocupações a lhe forem atribuídas, pois o tipo penal em questão abrange o processo judicial (seja ele de qualquer natureza), processo policial (inquéritos), processo administrativo e o juízo arbitral.
Falsa perícia – Caracterização – Dolo evidente – Perito que deliberadamente omitindo verdades, e afirmando inverdades, elabora laudo favorecendo e inocentando os verdadeiros culpados – Recurso provido para condenar o réu à pena de dois anos de reclusão, facultando obtenção de prisão albergue, em primeira instância. (TJSP – AC – Rel. Adalberto Spagnuolo – RJTJSP 46/342-344)
A consumação do crime ocorre quando o laudo pericial é apresentado a quem é encarregado pelo andamento processual, seja para o delegado ou para o setor de distribuição. Portanto, se o perito redige o laudo falso, assina, mas não entrega à autoridade competente, não há que se falar em consumação, podendo configurar, de acordo com alguns doutrinadores, a tentativa.
Segundo a lição de Hungria, citado por Alberto Silva Franco:
O perito que, em seu laudo, distorce a verdade, com o objetivo preciso de favorecer alguém a influir sobre a decisão judicial, enganando a autoridade julgadora, ainda que não atinja o fim desejado, pratica o crime de falsa perícia, pois para a consumação do delito basta que seja falseado com o médium cruendae veritatis, surgindo daí o perigo da injustiça da decisão.[21]
Portanto, a respeito deste crime, se faz necessário o dolo de saber o perito que está fornecendo informação errada, com o intuito de favorecer a uma parte, não importando se esta informação falsa irá influenciar na decisão do magistrado.
5.5 Atuação da perícia em caso concreto: “O caso Isabella Nardoni”
Um caso de perícia bem realizada, de fundamental importância para a decisão judicial foi o caso da menina Isabella Nardoni, cujo pai e madrasta foram acusados – e condenados – de matá-la, atirando-a do sexto andar de um edifício, em São Paulo.
De acordo com a estatística do núcleo de perícias em crime contra a pessoa de São Paulo, foram fatores determinantes para a conclusão da perícia: análise detida de cada um dos vestígios constatados, a relação entre eles e o cotejamento com os resultados dos exames laboratoriais; sangue coletado das manchas visíveis do apartamento, da tela, do lençol, das vestes da vítima; presença de sangue em instrumentos de corte e em fralda; marcas de solado da sandália pertencentes à Alexandre Nardoni; marcas da tela de proteção da janela impressas na camiseta de Alexandre Nardoni; a confirmação da presença de sangue removido por limpeza no apartamento, no veículo e na fralda, confirmados por produtos especiais; ausência de quaisquer vestígios que pudessem justificar a ocorrência de arrombamento, rompimento de obstáculo ou violência contra os sistemas de segurança do edifício e do apartamento, dentre outros.[22]
Percebemos que a perícia fora fundamental para auxiliar o juiz na decisão do caso, pois sem a análise dos resquícios deixados no local do crime, o juiz poderia não ter sua decisão devidamente fundamentada. A perícia chegou à conclusão de que o pai e a madrasta da menina cometeram o delito, de forma dolosa, apesar de terem negado a veracidade dos fatos sustentados pela polícia.
CONCLUSÃO
Embora tais servidores públicos sejam objeto de estudo breve na maioria dos doutrinadores, possuem atividades deveras importantes para o bom andamento do processo. Com a análise feita no presente artigo, vislumbra-se a densidade da gama de atos praticados pelos auxiliares da justiça, sua complexidade, a aplicação de acordo com o Código de Processo Penal e ainda ressaltando pontos importantes do Código Penal.
Restou claro, com o estudo do presente artigo, que a atuação dos auxiliares da justiça relaciona-se de maneira estritamente ligada ao desenvolvimento mais célere e eficaz do procedimento processual penal. Desta forma, mister que o auxiliar aja em consonância com a boa-fé, inerente a todos os servidores públicos, de forma a obter a qualificação do serviço prestado pela justiça.
REFERÊNCIAS:
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TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010.
Lei complementar n°014, de 17 de dezembro de 1991, código de divisão e organização judiciária do Estado do Maranhão disponível em: <http://www.tjma.jus.br/site/conteudo/upload/9293/20110131_lei_complementar_n_014_atualizada_ate_lc_1332010.pdf>.Acesso em: 03/05/2011
[1] Graduandos do curso de Direito do 6° período vespertino da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB
[2] LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal: volume II. 2° Ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2006. P. 195
[3] MIRABETE, Júlio Fabrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas. 4° Ed. 1995. P. 350
[4] LIMA. op. cit. p. 195.
[5] Lei complementar n°014, de 17 de dezembro de 1991, código de divisão e organização judiciária do Estado do Maranhão, disponível em <http://www.tjma.jus.br/site/conteudo/upload/9293/20110131_lei_complementar_n_014_atualizada_ate_lc_1332010.pdf> . Acesso em: 03/05/2011.
[6] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 12°Ed. atual. De acordo com a Reforma Processual Penal de 2008 (Leis 11.689, 11.690 e 11.719) e pela Lei 11.900 (novo interrogatório), de 08.01.09. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2009. P. 462
[7] LIMA. op. cit. p. 195
[8] LIMA, op. cit. p. 196
[9] LIMA, op. cit. p.196
[10] IBID P. 196
[11] FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 252
[12] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 527
[13] NUCCI op. cit, p. 527
[14] TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. Salvador: Editora Jus Podivm, 2010, p. 484.
[15] NUCCI, op. cit. p. 528.
[16] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 6 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 359
[17] FILHO, op. cit. p. 254
[18] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. P. 367
[19] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal parte especial. Niterói, RJ: Impetus, 2006, p. 640
[20] NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 367-368.
[21] HUNGRIA apud FRANCO. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 4163.
[22] MONTEIRO, Rosângela. A importância das análises laboratoriais para reconstrução da dinâmica de Crimes – Caso Isabela Nardoni. In: Encontro Nacional de Química Forense, 2., 2010, Ribeirão Preto (SP). Disponível em: http://sites.ffclrp.usp.br/enqfor/conferencias.htm. Acesso em: 02 de maio de 2011.