Análise da ADPF 101 à luz do direito econômico

Por Gustavo Henrique Oliveira Lara Rezende | 29/05/2012 | Direito

O presente artigo não espera esgotar o tema, tampouco inovar as colocações já feitas a respeito da ADPF 101. O trabalho pretende apenas destacar, com base nos valores do direito econômico, outros posicionamentos pouco abordados na aguição.

Antes de qualquer coisa, é necessário trazer à baila uma consideração sintética de economia, que pode ser vista como ciência que estuda a alocação de recursos entre fins alternativos, buscando sua otimização (ótimo de Pareto).

Nos dizeres de Vicente Bagnoli, o direito econômico nada mais é do que uma ciência que visa a ingerência do Estado nos fatos econômicos relevantes e que sejam de interesse do próprio Estado ou da sociedade.

A CF/88 destina à ordem econômica os artigos170 a191. Para Kildare Gonçalves Carvalho (2011), trata-se da “constituição econômica”. Com o mesmo raciocínio segue Washington Peluso Albino de Souza, em seu artigo, ao dizer que é ali que está definida a ideologia que comandará toda a “política econômica”.

É desse instituto que decorrem os princípios norteadores do direito econômico, e, a partir daí serão elaboradas as regras, normas e leis que envolvam o tema. A título de exemplo, podem ser citados os princípios da soberania nacional, função social da propriedade, livre concorrência, proteção ao meio ambiente, entre outros.

A “constituição econômica” consiste materialmente, segundo Vital Moreira, lembrado por Carvalho (2011):

“no conjunto de normas fundamentais que estabelecem juridicamente os elementos estruturais de uma forma concreta de um determinado sistema econômico; se é, portanto, uma estrutura de relações sociais de produção traduzida em normas jurídicas, então a constituição econômica, neste sentido jurídico-material, existe em toda e qualquer formação social.” (MOREIRA apud CARVALHO, 2011, p. 1253).

 

De acordo com o referido autor, nossa constituição optou, em seu texto, embora não expressamente, pelo capitalismo e pela apropriação privada dos meios de produção, tendo alguns preceitos apontando para uma socialização. (CARVALHO, 2011).

Com base no que foi dito, percebe-se que a ordem econômica se assenta na valorização do trabalho e na livre iniciativa de forma a assegurar a todos uma vida digna, conforme a justiça social.

Tanto um como outro recebe a tutela estatal, como preconiza o modelo de John Maynard Keynes, denominado “keynesianismo”, que surgiu após o não funcionamento das teorias do liberalismo econômico (Adam Smith) e do comunismo científico (Karl Marx). O primeiro postulava que não havia necessidade da intervenção estatal, o que não fluiu muito bem, tendo em vista a crise de 1929. O segundo modelo, por sua vez, prega total intervenção do Estado na economia.

Para Keynes, o Estado deve intervir em momento certo, tendo em vista que a economia é um processo cíclico. Com isso, deve o Estado interferir no ápice do crescimento e no fundo da crise para retardar a superprodução e incentivar na subprodução.

Destarte, surge a Economia Política, através da intervenção do Estado na economia. Esta tem viés político, ou melhor, é política por caracterizar o fator econômico durante as decisões tomadas por aqueles que recebem o poder delegado pelo povo.

Tendo em vista o que foi analisado, há que se dizer que o papel do governo na economia não é produzir nem circular bens e serviços. A moderna função estatal, que surge da escola neoliberal, se faz presente no artigo 174 da CF/88. Vejamos: 

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”

 

Então, a função do Estado, no campo econômico, é de fiscalizar, regulamentar, normatizar, incentivar e planejar.

A fiscalização será feita pelas delegacias da ordem econômica, como MP, CADE, PROCON, entre outros.

A regulamentação do mercado se dará pelas agências reguladoras, tais como ANEEL, ANATEL, ANAC.

A normatização se relaciona ao serviço e ao produto, que pode ser feita, por exemplo, pela ANVISA (que é agência normatizadora e não reguladora).

O incentivo pode ocorrer pela criação de linhas de crédito e também pode se dar por meio das políticas tributárias, fiscais, etc.

O planejamento trata da criação de planos macroeconômicos.

Nesse ponto, esclarece o ex-ministro do STF, Eros Grau (2000) que o Brasil define-se como entidade política constitucionalmente organizada, tal como a constitui o texto de 1988, enquanto assegurada, ao lado da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do pluralismo político, a dignidade da pessoa humana. Por outro, significa que a ordem econômica mencionada pelo art. 170, caput do texto constitucional – isto é, mundo do ser, relações econômicas ou atividade econômica (em sentido amplo) – deve ser dinamizada tendo em vista a promoção da existência digna de que todos devem gozar.

A livre iniciativa, como coloca Elia Junior, não é apenas forma de expressão do capitalismo. Vai além disso. É forma de demonstração da liberdade de empresa, do trabalho (abrangendo formas individuais e coletivas de produção, como os cooperativas, p. ex.), não é dizer que o particular exercerá serviço público, significa que o Estado não deverá colocar empecilhos à atividade humana.

Da mesma forma ensina José Afonso da Silva, citado por Elia Junior ao dizer que a livre iniciativa num contexto de uma constituição preocupada com a realização da justiça social, não pode significar mais que liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público, e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades de submeter-se às limitações postas pelo mesmo. É legitima enquanto exercida com o objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário.

Tendo em mente essas considerações, passa-se, agora, à análise da ADPF 101.

A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 101, com pedido liminar, foi ajuizada pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva para contestar decisões judiciais que autorizavam a importação de pneus usados de outros países. Na ADPF foi destacada que a importação de tais bens geraria danos ambientais e riscos para a saúde pública.

Por oito votos contra um a argüição foi acatada, com base nos danos que a importação poderia causar ao meio ambiente.

Entretanto, segundo noticiou Abreu, argumentavam os empresários do setor que o veto à importação traria impacto direto na economia do país, pois afetaria um mercado que gera cerca de 40 mil empregos diretos.

Além disso, como salientou o ministro Marco Aurélio, em seu voto, com o impedimento das importações, haverá, de qualquer forma, a produção de pneus pelas multinacionais no território brasileiro, o que afastaria uma concorrência salutar no que tange ao mercado de recauchutagem, bem como gerará impedimento à entrada de produtos mais acessíveis para os menos afortunados.

Há que destacar, nesse aspecto, o artigo 170 da CF/88, que diz:

“Art. 170. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

 

Segundo palavras do ministro: inexiste lei que, no caso, proíba a livre concorrência.

Pode-se entender que, em seu voto, o ministro restou preocupado com as conseqüências da decisão da controvérsia no âmbito econômico nacional. Ficou clara sua apreensão no resultado que isso geraria ao mercado, podendo surgir novos monopólios no segmento, acabando com a concorrência que os importadores faziam frente às multinacionais.

Para ele, os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência foram deixados de lado, quando o que deveria ser feito, como atesta Eros Grau, é uma leitura completa da CF/88 (uma interpretação de sua totalidade), pois não se interpreta o direito em tiras; não se interpreta o texto normativo isoladamente, mas sim o seu todo.

O voto do ministro Marco Aurélio pretendeu contrapesar os princípios constitucionais para não haver desrespeito ao meio ambiente, à saúde publica e à livre iniciativa.

A decisão da ADPF 101 não está de toda equivocada – pois, defende valores como o meio ambiente equilibrado e a saúde pública – mas não foi a fundo em questões de direito econômico, não analisou o desequilíbrio que tal decisão poderia trazer no meio empresarial.

Por tudo que se viu, pode-se concluir, segundo Washington Peluso Albino de Souza, que:

“o conhecimento em direito econômico, portanto, está baseado na ‘explicação cientifica dos fatos’, oferecida pela Economia, sendo que essa explicação só é buscada para ajustar a realidade social à ordem jurídica.” (SOUZA, 2003, p. 85).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

ABREU, Diego. STF julga nesta quarta ação que pede veto a importação de pneus usados. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1037454-9356,00-STF+JULGA+NESTA+QUARTA+ACAO+QUE+PEDE+VETO+A+IMPORTACAO+DE+PNEUS+USADOS.html. Acesso em: 28/05/2012.

 

BACOCCINA, Denize. OMC impõe regras para Brasil proibir importação de pneus reformados. Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/06/070612_pneusdb.shtml. Acesso em: 28/05/2012.

 

CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. As agencias de regulação, a universalidade do serviço e o abuso do poder econômico. Disponível em: http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/o-abuso-economico. Acesso em: 17/05/2012.

 

CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. O ‘jurisdicismo’ e o raciocínio do direito econômico. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/o-jurisdicismo-e-o-racioc%C3%ADnio-do-direito-econ%C3%B4mico. Acesso em: 17/05/2012.

 

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

 

ELIA JUNIOR, Mario Luiz. O caráter instrumental da livre iniciativa e da livre concorrência. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/8679/o-carater-instrumental-dos-principios-da-livre-iniciativa-e-da-livre-concorrencia. Acesso em: 28/05/2012.

 

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 5 ed. São Paulo. Malheiros, 2000.

 

SOUZA, Washington Peluso Albino de. A importância do direito econômico na atualidade. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/import%C3%A2ncia-do-direito-econ%C3%B4mico-na-atualidade. Acesso em 17/05/2012.

 

SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 5 ed. São Paulo: LTr, 2003.