Análise da admissibilidade das provas consideradas ilícitas sob a luz do princípio da proporcionalidade
Por mariana abreu almeida | 19/04/2013 | DireitoAnálise da admissibilidade das provas consideradas ilícitas sob a luz do princípio da proporcionalidade[1]
Cinthia Zuila Alves Campos[2]
Mariana Abreu Almeida
RESUMO
O artigo examina a admissibilidade das provas ilegítimas na legislação brasileira em acordo com a teoria da proporcionalidade, admitindo como posicionamento o entendimento obstativo atenuado da proibição de provas ilícitas. Objetivando expor as divergências acerca da inadmissibilidade absoluta desse tipo de prova e a relevância da referida interpretação em caso concreto.
PALAVRAS-CHAVE
Provas Ilícitas. Princípio da Proporcionalidade. Provas no Processo Civil.
Introdução
Visto que o estudo as provas é de grande destaque no Direito Processual Civil, é corrente na atual sociedade o questionamento e debate de juristas acerca de novos meios probatórios que sejam concomitantemente lícitos e moralmente aceitos. Assim, o ponto de partida para tal discussão é a Constituição Federal Brasileira de 1988, a qual, em seu arigo 5º, inciso LVI, diz que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. O que diz respeito a esse dito constitucional, o propósito é invalidar a prova quando esta é obtida mediante ofensa a um direito fundamental.
Ao mesmo tempo, o diposto no pátrio Código de Processo Civil, art. 332, afirma a possibilidade de que todos os meios legais são hábeis para provar a verdade dos fatos, havendo, dessa forma, uma necessidade unir decisivamente o dispositivo constitucional com outras regras do código.
Enquanto há o posicionamento de inadmissibilidade total de provas ilícitas no processo, em contraponto há a posição extrema que admite, sem ressalvas, a prova obtida ilicitamente como válida. Nesse contexto é que surge uma disposição intermetidária, a qual parte da aplicação do princípio da proporcionalidade, e sobre a qual vêm se sujeitando vagarosamente a doutrina e a jurisprudência pátrias. O propósito é sopesar e conciliar princípios aparentemente antagônicos, segundo a qual, deve predominar aquele princípio que assemelha ser o mais importante.
Prova disso é a publicação da Lei nº 9.296/96, que modificou o entendimento acerca da interceptação telefônica, estabelecendo as hipóteses e formas as quais deve ter para ser aceita na investigação criminal. Ainda assim, como se trata de uma questão de natureza delicada, não existe, ainda, jurisprudência sólida, conquanto é notada uma tendência pela vedação completa da utilização da prova chamada ilícita.
1 Os princípios e as provas no Direito Processual Civil
As provas possuem princípios os quais as regem. Sendo que, o princípio dispositivo estabelece que deva surgir das partes a iniciativa de apresentar alegações e provas que pretendam produzir nos autos, sendo que o julgador fica incumbido apenas da complementação, apreciar para ter seu convencimento formado, preservando assim a sua imparcialidade. Dessa forma, cabe ao autor, na petição inicial e ao réu, na defesa, o ônus de provar fatos por elas alegados. No entanto, ocorre uma atenuação por parte do artigo 130 do Código de Processo Civil Brasileiro, o qual permite que o julgador ordene de ofício as provas indispensáveis à instrução do processo.
Já o princípio do contraditório e da ampla defesa está presente na Constituição Federal Brasileira, no artigo 5º, inciso LV prescreve: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Isso é a garantia do direito de defesa às partes, pois determina ao Juiz promover ampla oportunidade às partes para que possam defender, em juízo, as suas pretensões, requerendo produção de provas, por exemplo.
O princípio da imediação determina ser de responsabilidade do juiz a colheita de provas e a direção do processo, e objetiva aproximar o julgador da prova oral, para que haja uma análise mais direta e uma decisão mais próxima aos fatos.
Há também o princípio da identidade física, relativo ao fato de que o juiz responsável pela prova oral e finalizador da audiência de instrução e julgamento deve obrigatoriamente proferir a sentença. E o princípio do livre convencimento motivado do juiz cuja afirmação é de que o magistrado é livre para apreciar as provas e, consequentemente, para formar sua convicção acerca da lide, porém deve haver uma fundamentação da decisão, ou seja, não é possível a total arbitrariedade do julgador porque é exigência a motivação das decisões judiciais. É de grande relevância, pois considera-se que “no processo, a prova não tem um fim em si mesma ou um fim moral ou filosófico: sua finalidade prática, qual seja, convencer o juiz”(GRECO FILHO; p. 174) Nesses termos, entende Nelson Nery Júnior:
O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto.
Por fim, o foco da discussão acerca das provas ilícitas leva em consideração o princípio processual da proporcionalidade ou da razoabilidade, o qual tem origem no direito estadunidense e forte influência alemã, e representa a regulação entre o interesse do todo e das partes. Dessa forma, a proporcionalidade como um princípio está implícita, mas determina que o benefício proporcionado pela norma dela é ônus imposto pela norma deve ser. Assim, o estudo será mais aprofundado com o foco voltado para este princípio.
2. A abordagem da prova ilícita na legislação e na doutrina brasileira
É inegável a importância da prova dentro do direito processual brasileiro, já que a partir dela o julgador formará sua decisão. Ter direito a esse instituto é manifestação de dois princípios constitucionais: o devido acesso à justiça e o contraditório.
A respeito da admissão de provas ilícitas, a Constituição Federal, em seu art. 5º inciso LVI, diz que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Corroborando com esse entendimento, o novo art. 157 do Código de Processo Penal (CPP), alterado pela lei nº 11.690/2008, também afirma que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais". Também se expressa sobre o assunto o Processo Administrativo, por meio dos os arts. 30 e 38, §2º da lei nº 9.784/99 dizem, respectivamente: “são inadmissíveis no processo administrativo as provas obtidas por meios ilícitos” e “somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias”.
Desta forma, o que se percebe então, é que a legislação brasileira se posiciona de forma contrária à utilização da prova ilícita. No mesmo sentido é o pensamento de grande parte da doutrina, como FREDIE DIDDIER JR.:
“A experiência já indicava não ser aconselhável a ampla liberdade na produção de provas: a) porque não se fundam em bases científicas suficientemente sólidas; b) porque podem dar ensejo a manipulações ou fraudes; c) porque ofenderiam a própria dignidade de que lhes ficasse sujeito, representando constrangimento pessoal inadmissível (tortura, detetores de mentiras etc.). (DIDIER JR. 2007, p. 32)”.
O que se estabelece é que é indiscutível a necessidade da prova no direito processual, no entanto a utilização de provas que burlam o sistema de regras é uma ameaça ao próprio Direito. Porém ainda existe parcela da doutrina que acredita ser admissível a prova ilícita. De modo que a aplicação deste principio de forma absoluta trouxe problemas para casos concretos, quando, por exemplo, alguém defendia sua inocência baseando-se em uma prova obtida ilicitamente.
Existem, então, 3 teorias principais a respeito da prova ilícita:
1ª) Teoria da admissibilidade, para a qual somente as provas ilegítimas que resultam de violação de uma norma processual, é que estão vedadas e podem ser rejeitadas. Assim, os violadores de uma norma material respondem pela violação, mas a prova colhida tem validade. Seus principais defensores são Carnellutti, Franco Cordero, Alcides Mendonça Lima, Tornaghi e Yussef Cahali;
2ª) Teoria da inadmissibilidade ou da rejeição, que tem por base o princípio da moralidade dos atos praticados pelo Estado e o de que se a prova é ilícita ofende ao direito não sendo, assim, admissível. . Seus principais defensores são Nuvolone, Vescovi, Frederico Marques, Humberto Teodoro Júnior e João Batista Lopes;
3ª) Teoria da proporcionalidade, que procura buscar um certo equilíbrio entre os interesses sociais e o direito fundamental do indivíduo. Reconhece a ilicitude da prova, mas, tendo em vista o interesse social predominante, admite sua produção. Seus principais defensores são Ada Pelegrinni Grinover, Antônio Scarance, Antônio Magalhães G. Filho, Barbosa Moreira, Moniz Aragão, José Roberto Bedaque, Alexandre de Moraes, Fernanda Pinheiro, Gisele Góes, entre outros.
No presente trabalho, tomaremos como base a teoria da proporcionalidade.
3. Interpretação da proibição da prova ilícita tendo como parâmetro princípio da proporcionalidade
São garantias constitucionais tanto a proibição da prova ilícita como o direito à prova. De forma que é iminente o surgimento de conflitos entre os princípios constitucionais de proibição do uso da prova ilícita e os princípios do acesso à justiça e do direito à prova. No intuito de resolver esse conflito principiológico, mostra-se necessária então, a aplicação da técnica de ponderação de interesses, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade para decidir o que deve prevalecer no caso concreto.
O direito à prova é limitado pela legitimidade dos meios em que foi obtido, sendo necessária a tutela dos direitos que são violados no momento da obtenção ilícita da prova. Da mesma maneira, a tutela dos direitos que não podem ser demonstrados por meio de outra prova, senão a ilícita, devem ser garantida. É esta a situação ideal para aplicação do princípio da proporcionalidade, que determinará o balanceamento de interesses em jogo.
É mister salientar que o uso da prova ilícita, mesmo que utilizando essa ponderação, só pode ser aceito quando não houver a possibilidade de obtenção da prova licitamente. A respeito do assunto, vale observar a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2003, p.322):
Para que o juiz possa concluir se é justificável o uso da prova, ele necessariamente deverá estabelecer uma prevalência axiológica de um dos bens em vista do outro, de acordo com os valores do seu momento histórico e diante das circunstâncias do caso concreto. Não se trata – perceba-se bem – de estabelecer uma valoração abstrata dos bens em jogo, já que os bens têm pesos que variam de acordo com as diferentes situações concretas. O princípio da proporcionalidade (...) exige uma ponderação dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido ao bem respectivo na respectiva situação.
José Carlos Barbosa Moreira, citado por Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2003, p.322), ensina que: "só a atenta ponderação comparativa dos interesses em jogo, na caso concreto, afigura-se capaz de permitir que se chegue à solução conforme a justiça. É exatamente a isso que visa o recurso ao princípio da proporcionalidade".
Vale mencionar a lição de Lenz, citado por Maria Cecília Pontes Carnaúba (2000, p.83), a respeito do assunto:
A admissibilidade no processo de provas produzidas por meios não permitidos pelo sistema legal é uma situação nova, porque quebra os limites de interpretação incondicional do texto legal sobre as atividades persecutória e investigatória do Estado, e cria modernos freios às arbitrariedades estatais através da adoção de limites objetivos impostos pela razão, com base no princípio da proporcionalidade. Não tem o condão de desvirtuar a ação policial, permitindo um desempenho mais fácil mediante ameaças, invasões e coações para a obtenção de provas. Ao contrário, estimula um criterioso trabalho de busca de indícios que faça jus à evolução do sistema jurídico moderno, porque o resultado da atividade persecutória e investigatória deverá ser analisado judicialmente, não apenas em seu aspecto formal, mas, acima de tudo, sobre a essência das informações colhidas, porque ‘o conteúdo é que pode ofender o direito ao sigilo, ou não ser, por outro motivo, moralmente legítimo’.
Portanto, o que se pode concluir é que a interpretação restritiva da norma não se mostra como a mais adequada no sentido de atender aos direitos conflituosos no processo. De forma que o art. 5º, inciso LVI, da CF deve ser interpretado à luz do princípio da proporcionalidade, com o intuito de que seja amenizada tal norma para que seja estabelecido os interesses do processo, as prioridades, a necessidade, a adequação etc.
Nesse sentido explana o professor Cristiano Chaves de Farias (2005, p.613), onde explica que tanto no campo civil como no penal é perfeitamente admissível que o bem jurídico tutelado suplante o bem jurídico privacidade, exemplificando na presente situação:
Assim, em casos excepcionais – como nas hipóteses de destituição de poder familiar, de investigação de paternidade ou de ações coletivas – há de ser admitida a prova ilícita, pois o bem jurídico a ser protegido é mais relevante do que o bem jurídico que se admite sacrificar, justificando a sua utilização.
De forma que é a ponderação de interesses que deve nortear a decisão judicial no caso concreto, prestigiando o valor jurídico mais relevante. Então, diante dos interesses jurídicos em jogo, deve prevalecer o social, sendo deixado a segundo plano o interesse individual, com base no princípio da proporcionalidade que se desdobra nas máximas da necessidade e adequação apresentadas no campo das possibilidades fáticas e da lei da ponderação de acordo com a tese de Robert Alexy. (GÓES, 2005)
Conclusão
Visto que a prova tem como objetivo a busca pela relativa certeza suficiente na convicção do magistrado, o que é decisivo em um processo, é necessário determinar os parâmetros de uso dessa demonstração de meios legais de provar a existência ou veracidade de fatos.
Portanto, na existência de divergências e extremismos nessa matéria, o ideal é determinar uma posição mais favorável, por isso deve ser utilizado o princípio da proporcionalidade na questão levantada. Pois, um ponto tão delicado como o da admissibilidade ou inadmissibilidade de provas ilícitas no processo merece um posicionamento mais intermediário e menos extremista.
REFERÊNCIAS
CARNAÚBA, Maria Cecília Pontes. Prova ilícita. São Paulo: Saraiva, 2000.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito Processual Civil. 5 ed. Salvador: Jus Podium, 2005.
______. Notas sobre a Garantia Constitucional do Acesso à Justiça: o princípio do direito de ação ou da inafastabilidade do Poder Judiciário. Revista de Processo, n. 108, p. 23-31, outubro/ dezembro 2002.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil – teoria geral. 2 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.
GÓES, Gisele Santos Fernandes. Princípio da Proporcionalidade no Processo Civil: o poder de criatividade do juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2004.
______. Teoria Geral da Prova: apontamentos. Vol. IV. Salvador: Jus Podium, 2005.
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
[1] Artigo científico apresentado à disciplina de Metodologia da Pesquisa em Direito do 5º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB), ministrada pelo professor Rodrigo Raposo, para obtenção de nota.
[2] Acadêmicas do 5º período vespertino do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.