ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A PRAGMÁTICA DA PEDAGOGIA SALESIANA DO COLÉGIO DOM BOSCO DE MANAUS EM 2007

Por Eumar de Souza Nascimento | 08/05/2009 | Educação

Segundo os princípios educativos salesianos, deve-se educar o aluno para ser bom cristão e honesto cidadão, e que, para isso, todos os corpos institucionais devem estar concatenados para a aquisição de tal objetivo, inclusive a família. No entanto o que se presenciou, durante a pesquisa em contexto, foi o oposto, em que professores, alunos, supervisores e orientadores acabaram-se desencontrando e diluindo uma concepção pedagógica vital para a formação cristã. Estudantes sem conduta ético-cristã, professores com crise de identidade profissional e supervisores e orientadores preocupados em “massagear o ego” do gestor da instituição compõem a base discursiva e analítica do documento. No transcorrer do desenvolvimento deste artigo, para discorrer sobre sua breve participação docente naquela instituição, o autor sintetiza o início da pedagogia cristã no Brasil e descreve alguns fatores estruturais e históricos do Colégio Dom Bosco de Manaus. É um documento que deve estar ao alcance da sociedade amazonense.
Palavras-chave: Educação. Pedagogia Salesiana. Formação Cristã. Pedagogia Liberal Tradicional.

1 INTRODUÇÃO

De janeiro a Junho de 2007, o autor deste artigo fez parte do quadro de docentes do Colégio Dom Bosco de Manaus, atuando nas três séries do ensino médio. A experiência como professor dessa instituição durante o período de atividade é considerado pelo mesmo como oportuna, embora insatisfatória, pois há muito não tivera trabalhado em regime educacional privado. Muitas observações foram levadas em consideração em sua estada no colégio, que vão desde a Semana Pedagógica da RSE – Rede Salesiana de Escolas – até os motivos didático-pedagógicos que culminaram em seu desligamento da instituição.

O objetivo da educação, em processo ensino-aprendizagem, é a consecução de conduta e conceitos para o bom viver do aluno em sociedade, e segundo o autor (observador-participante) o que se presenciou, durante os cinco meses de vivência naquela instituição, foi a ausência quase que total de efeito e o esquecimento dos objetivos e princípios da pedagogia salesiana, em sua pragmática. Tais princípios, baseados na história educativa de Dom Bosco com jovens marginalizados no interior da Itália na primeira metade do século XIX, pareceram muito bem absorvidos por todos os integrantes salesianos do Colégio Dom Bosco, em tese, porém em convivência tudo se resumia a práticas vazias e assistemáticas. Alunos sem conduta ético-cristã, haja vista o desrespeito iníquo com os docentes e entre eles mesmos; professores atuando em crise de identidade profissional, sem saber o que fazer no campo pedagógico, mas representando em quantitativos positivos o que é interessante a qualquer escola capitalista: a aprovação continuada; supervisores e orientadores espreitando-se em bloco para encontrar alguma justificativa plausível para satisfazer o administrador da instituição.

Tudo isso inquietou e incitou o autor a documentar à comunidade manauense todas essas considerações relevantes neste artigo, trazendo à tona problemáticas desse estabelecimento de ensino, ainda não notificadas antes no campo científico.

2 A ORIGEM DA EDUCAÇÃO CRISTÃ NO BRASIL

A educação cristã no Brasil teve início com a chegada da primeira expedição colonizadora em 1549, vinculada à Companhia de Jesus. Com o intuito de formar novos cristãos, já que os protestantes já avançavam a Europa e o mundo todo na época, a Igreja foi a campo e resolveu tratar o problema catequizando e "moralizando" o índio. Deve-se ressaltar que isso também fazia parte da política expansionista colonizadora do rei de Portugal. Enquanto a Igreja preocupava-se em formar novos cristãos, por meio da ação missionária dos jesuítas, os portugueses partiam para a exploração das riquezas das novas terras.

Converter o índio aos costumes europeus, à religião católica e à alfabetização, pelos trabalhos missionário e educativo, eram os objetivos maiores dos jesuítas, pois acreditavam que seria mais fácil submetê-lo se os portugueses se apresentassem nessas terras em nome de Deus. Essa tática, indubitavelmente, acabara por favorecer o trabalho do colonizador da Coroa portuguesa. Com a atividade missionária, os padres jesuítas procuravam salvar almas; com o educativo ensinavam as primeiras letras, a gramática latina e a doutrina católica. Na noção dos jesuítas, não haveria possibilidade de converter o gentio sem ensinar-lhes leitura e escrita. Esses ensinamentos geralmente eram realizados nas próprias aldeias-escolas de ler e escrever, onde também se transmitiam os costumes europeus. Com o tempo, os missionários foram se adaptando facilmente, utilizando-se de todo e qualquer ambiente para sacramentar seus objetivos. De acordo com os conhecimentos históricos do professor Nelson Piletti (1990, p. 34), os jesuítas:

Em todos os ambientes procuravam orientar na fé jovens e adultos e ensinar as primeiras letras às crianças, adaptando-se às condições específicas de cada grupo. Para o trabalho junto aos índios aprendiam e ensinavam sua língua nos colégios...responsabilizavam-se pela educação dos filhos dos senhores de engenho, dos colonos, dos índios e dos escravos. A todos procuravam transformar em filhos da Companhia de Jesus e da Igreja.

A Companhia de Jesus dispunha de um sistema de estudos amplo conhecido por Ratium studiorum, sob a égide da Companhia de Jesus, de níveis secundário e superior, sendo que para esse último era oferecido o curso de Teologia e Ciências Sagradas, direcionado à formação de sacerdotes.

As figuras mais ilustres nesse trabalho missionário foram os padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta por divulgarem a fé cristã com métodos educativos diversificados, além de fundarem colégios eclesiásticos. Anchieta chegou ao zênite ao produzir com maestria e competência uma gramática tupi, a língua dos nativos brasileiros. Também foi fundador e professor do Colégio de São Paulo de Piratininga. Para moralizar e educar o índio, produzira poemas e peças teatrais, visto que pela dramatização tornara-se mais claro ao índio o real sentido da fé e do pecado, além dos valores divinos.

3 A PEDAGOGIA SALESIANA

Dom Bosco foi o fundador dos salesianos e acabou deixando uma forma pedagógica diferenciada de abordar jovens e crianças. A essa nova maneira educativa denominou de Sistema Preventivo, que não se trata, é bom que se registre, de uma pedagogia teórica, mas de um modo pedagógico baseado na experiência e na sensibilidade de um homem que sempre se preocupou com a prevenção do jovem, educando-o com diálogo, com paciência e fundamentos nos princípios cristãos de Sã Francisco de Sales – daí a classificação salesiano. Tudo isso é muito bem traduzido por Afonso de Castro (1990, p. 20):

Todas as atitudes de Dom Bosco brotaram de sua excepcional sensibilidade para com os meninos abandonados ou para com jovens sentenciados que aguardavam a morte nas celas das prisões de Turim (Itália). Sua intuição pedagógica se tornou tremendamente preventiva. Além disso, a sensibilidade o impeliu para a tradução de sua intuição pedagógica em uma atitude bastante prática: a preventividade.

Outro conceito que brotou da grande sensibilidade de Dom Bosco foi o espírito de família, já que essa impulsiona a essência das relações educativas internas e externas do indivíduo. Na prática, Dom Bosco de tudo fez para promover dignidade aos jovens carentes, dando-lhes ambiente familiar e possibilidade de autovalorizar-se por meio de uma profissionalização.

A arte também está presente no Sistema Preventivo. Música, teatro, jogos, qualquer atividade cultural que venha a ser realizada no pátio pode se tornar uma expressão educativa, de acordo com fazer pedagógico salesiano .

Dentre tantas manifestações de cunho educativo, a formação religiosa é a que deve imperar no Sistema Preventivo, e essa está associada diretamente ao espírito familiar. Tudo com alegria, porém não se esquecendo da responsabilidade e do comprometimento com a disciplina moral e cristã.

Por fim a tríade componente da pedagogia salesiana: razão, religião e carinho (amorevolezza). Todos centrados no afeto, na sensibilidade e na co-responsabilidade para oferecer possibilidades reais de relações pedagógicas e suscitar o potencial da pessoa como um todo, e que para isso educador e educando devem manter relação de compreensão, um para com o outro.

4 O COLÉGIO DOM BOSCO DE MANAUS

4.1 Fundação

São ínfimos os registros sobre a fundação do Colégio Dom Bosco de Manaus, mas, segundo alguns poucos, tudo indica que no início da década de vinte do século passado, assim que os Salesianos assumiram a responsabilidade das Missões do Rio Negro, tornou-se necessária a abertura de uma Casa em Manaus com o intuito de haver interação com a comunidade civilizada do Estado do Amazonas.

Dom João Joffily, bispo de Manaus na época, não mediu esforços para que tivesse os Salesianos na capital amazonense um centro particular e cedeu o Palácio Episcopal para o início do Colégio.

Pe. Bálzola colaborou com o projeto escrevendo para os superiores da administração pública municipal alegando-lhes que lhe doía o coração ver tantos jovens vagando pelas ruas de Manaus, entregues completamente ao ócio, abandonados e incultos. Na carta, sensibilizou os superiores de que uma casa salesiana em Manaus seria também necessária para toda a correspondência e negócios da prefeitura.

Abriu-se assim uma nova frente de trabalho em Manaus, para construir a Casa Central das Missões do Rio Negro.

No dia 24 de abril de 1921, as atividades salesianas iniciaram com o Oratório Festivo e as Escolas Noturnas, na sede do Palácio Episcopal, tendo como fundadores os padres Pedro Ghislandi, Estélio Dálizon e Agostinho Caballero.

Em 1923, Pe. Bálzola visita Manaus e com grande alegria constata os excelentes resultados e progressos do Colégio Dom Bosco, o qual já contava com cerca de trezentos jovens, dos cursos diurno e noturno, além do Oratório Festivo.

Consta nos registros da instituição que a data oficial da fundação é 24 de Julho de 1921, e atualmente está localizada na avenida Epaminondas nº 57 Centro.

Durante sua história, o colégio Dom Bosco formou várias celebridades políticas da sociedade amazonense, como o ex-governador do Amazonas e atual prefeito de Manaus, Amazonino Mendes, e o ex-prefeito Serafim Corrêa.

4.2 Objetivos, Estrutura Física e Serviços

Segundo os ideais tradicionais pedagógicos da instituição, o Colégio Dom Bosco de Manaus, como uma das instituições de Ensino Integrado à Rede Salesiana – RSE – tem por finalidade ser um espaço educativo para os jovens aprenderem a aprender, a fazer, a ser, a conviver e a crer, tentando proporcionar a formação integral dos seus educandos, baseada na perspectiva cristã. A educação das escolas salesianas procura buscar a inserção dos jovens no mundo do trabalho, da cultura e das relações sociais e políticas. Nesse sentido, o Colégio Dom Bosco de Manaus prima pela formação do ser na sua totalidade, inspirado na filosofia de Dom Bosco: "Formar bons cristãos e honestos cidadãos".

Além dos serviços educacionais dos cursos regulares, a instituição ainda oferece escolinhas poliesportivas (natação, judô, futsal, voleibol etc) escola de artes (banda musical, orquestra, coral, violão, teatro etc). Um dos eventos mais tradicionais do Dom Bosco são os Jogos Bosconianos, suas olimpíadas internas, que ocorrem sempre no primeiro semestre do ano letivo, com duração em média de oito dias, e são realizados no complexo esportivo da instituição e/ou em outros espaços alugados.

O colégio conta com uma infra-estrutura ímpar como ginásio poliesportivo, quadras cobertas, biblioteca com acervo atualizado, salas multimídia, teatro-auditório, laboratórios multidisciplinares, laboratório de informática para professores e alunos, igreja parque infantil, e um sítio localizado na zona rural de Manaus.

A partir de 2005, devido à própria demanda interna, a instituição torna-se mais ousada e passa a oferecer cursos de ensino superior, como os de Pedagogia e Filosofia, fundando a Faculdade Salesiana Dom Bosco.

4.3 Críticas acerca da educação dos alunos e dos colaboradores

O que seria educar para formar bons cristãos e honestos cidadãos? Parece fácil responder, quando se têm ideais pedagógicos românticos peculiares. Uma pessoa passa anos lendo e perscrutando teorias para tornar-se um profissional da educação e compactuar na prática com a comunidade os conhecimentos adquiridos na vida acadêmica, sempre com um ideal em comum: transmitir experiências e informações técnico-científicas.

Para que um educador forme bons cristãos, precisa ele ser um bom cristão; para formar honestos cidadãos, necessita ele de ser um honesto cidadão. Ser cristão é apenas orar e louvar o nome de Jesus Cristo ou apenas reproduzir o que vem sendo repassado há anos em termos de valores cristãos? Ser honesto cidadão é simplesmente cumprir deveres e exigir direitos constitucionais? Para esses dois objetivos-base do Colégio Dom Bosco de Manaus é necessária uma pedagogia específica?

Lembra-se que se educa o homem para a liberdade e socialização, independente de valores pedagógicos religiosos ou filosóficos a que ele venha pertencer. A educação preconizada em tempos atuais é dirimida pelos interesses burgueses, arraigados pelo capitalismo, em que se intenciona a formação do homem para o consumo e interesses pessoais e egocêntricos. Seu antídoto é a pedagogia liberal que, após séculos de existência, continua, em pleno século XXI, a "arrancar simpatia" de comunitários e gestores educacionais. Conforme Libâneo (1996, p.21) sobre a pedagogia liberal:

A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinqüenta anos, tem sido marcada pelas tendências liberais... Evidentemente tais tendências se manifestam, concretamente, nas práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos professores, ainda que estes não se dêem conta dessa influência.

Trata-se de um verdadeiro mar de contradições, de confusões sistemáticas e pragmáticas, em que ninguém consegue se entender numa instituição educacional, agindo a teoria descompassadamente à prática. É uma espécie de "pacto de mediocridade", onde se finge a aprender e a ensinar. Educar para homem ou cidadão? Consoante luz conceitual do professor Dermeval Saviani (1997, p.192):

Enquanto a versão tradicional da concepção liberal de educação pôs o acento da pessoa moral, isto é, o cidadão do Estado burguês, a versão moderna (escolanovista) pôs o acento na formação do indivíduo egoísta independente, membro ajustado da sociedade burguesa. É esta a educação básica, geral e comum que a burguesia foi capaz de propiciar à humanidade em seu conjunto.

Para a educação salesiana, o bom indivíduo é o velado pelo espírito cristão, além de colocar a santidade como o objetivo supremo. Acontece que há tempos o colégio Dom Bosco não forma indivíduos realizados conforme seus objetivos cristãos. Tenta manter-se pela sua tradição e pela diversidade lobista, a qual já nem vem fazendo tanto efeito como em outras épocas. Isso se torna tão claro que os valores contratuais entre contratante e contratado são elevadíssimos, contrapondo-se à benevolência e carisma de seu criador, dom João Bosco. Ora, uma instituição que cobra qualquer serviço a elevados honorários, que concentra uma vultosa discência de classe burguesa como base contratante e que até instiga os valores cristãos em tese, mas não em resultados, não pode ser classificada como puramente salesiana. Há uma tentativa tímida por parte de alguns membros que vigilam na instituição há anos, mas a maioria do corpo perdeu ou nem sequer conseguiu abstrair os princípios da pedagogia salesiana "in loco". Se o "produto final" é o bom cristão e honesto cidadão, está havendo, sim, na instituição ritualização pedagógica incoerente, pois o autor chegou a conversar com muitos de seus alunos que militavam no colégio desde o ensino primário, e que, segundo a maior parte deles, sempre se comportaram e conduziram-se de uma maneira livre e espontânea, eximindo-se da filosofia salesiana e regimental, inclusive com palavrões absurdos e insultos no interior da instituição. Segundo eles, advertências sempre existiram, mas sem resultados punitivos reais. Dá-se a entender que punição nessa instituição é sinônimo de "passar a mão na cabeça", já que, para os administradores, é mais fácil aliviar uma situação negativa a perder os honorários de um contratante.

Tem-se a "máxima" de que alunos de escola pública são extremamente mal-educados e antiéticos, que vivem sem qualquer tipo de normas de convivência e respeito para com os mais velhos. Ledo engano e puro preconceito, pois mais da metade dos discentes salesianos do Dom Bosco, uma instituição privada, não têm o hábito sequer de dar um "bom dia!" (prática, inclusive, muito enfocada pelo gestor da escola, num momento de reflexão ao iniciar o dia a todos os integrantes da família salesiana) ou de pedir "com licença", e isso, para o autor, tornou-se mais insofismável nas séries finais do ensino médio, evidenciando agressões físicas e verbais entre eles, como conduta normal, comum e corriqueira. Alguns até revelaram que não precisavam adquirir habilidades como leitura e escrita, pois o "computador" (produto endeusado pelos endinheirados) já se incumbira disso por eles, demonstrando alto grau de arrogância e empáfia no discurso prerrogativo. Onde estiveram, estavam ou estão presentes os princípios pedagógicos salesianos, de que tanto se fala naquela instituição? Por que os alunos, ao saírem, demonstram tanta arrogância existencial e ignorância quanto aos valores de Dom Bosco, além da incompetência científico-cultural? O que fizeram deles? E a família, como pôde compactuar com isso, pagando muito caro pelos serviços, mas sem os resultados esperados?Por que a presença do professor já não é tão valorizada? Infelizmente o autor tem que limitar-se a fazer pré-julgo, já que provavelmente somente alguém para indignar-se ao ler este artigo poderia ter a coragem ("vestindo a carapuça") de responder a essas interrogativas.

Segundo o atual reitor-mor salesiano Pe. Pascual Chavez V. (2007, p.35), na Estréia 2007:

Dom Bosco vive e sabe comunicar a todos os seus filhos, colaboradores e amigos uma visão positiva e integral da vida; crê na bondade e na dignidade de cada pessoa humana, sobretudo de cada jovem, de modo especial do mais pobre e em perigo.

Seria salutar que se soubesse interpretar e compreender as bases da pedagogia salesiana, pois talvez seja esse o principal motivo de o colégio Dom Bosco não ter conseguido formar bons cristãos e honestos cidadãos nos últimos anos. Confunde-se liberdade com qualquer coisa livre na educação formal, visto que os mantenedores e realizadores do sistema romantizaram isso na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96. Os executores seguiram os mesmos passos interpretando muito mal o conceito de liberdade constitucional. Se se continuar a inferi-la deturpadamente, os resultados serão idênticos aos do Colégio Dom Bosco de Manaus, cujos pedagogizantes tiveram a infelicidade de entender muito mal a mensagem do salesiano dom João Bosco.

Um dos pensamentos de Dom Bosco, acerca de seu sistema preventivo, cabível ao exposto anterior, é citado por Faria (2005, p. 20): "...deixar aos jovens plena liberdade de fazer o que mais lhe agrada."Aí um problema de ordem exegética por parte dos educadores salesianos: como dar liberdade a alunos que adquiriram por meio de uma sociedade excludente uma outra concepção de liberdade? Alguns educadores de outras instituições salesianas corroboraram isso ao autor, pois a base socioeconômica dos discentes do colégio Dom Bosco pertence à burguesia, de classe média-alta, ceifados pela dinâmica tecnológica, a qual ajudou nos últimos anos a "destruir" os valores da família e fraternais. Deve-se esclarecer que há um percentual mínimo de vagas na instituição destinadas a bolsistas, pertencentes a classes carentes, mas que, no convívio escolar, muitos parecem ignorados ou exclusos por aqueles que se julgam superiores a eles, seja pelo aspecto cultural seja pelo financeiro. É essa a família salesiana?

Os jovens de hoje não conseguem viver sob rédeas, sob normas, pois tanto a família quanto a escola encontram-se em estágio obsoleto de educação elementar, sem muitos recursos humanísticos para frená-los. Assim, tornou-se o sistema preventivo, também, não muito eficaz, pois os seus colaboradores pareceram parar no tempo. O que Dom Bosco "sistematizou" como "método" educativo foi eficiente para aquele contexto, o de sua época, e que deu certo. Tentar inculcá-lo, em pleno século XXI, não que seja descartável, é estatizar no tempo, mas que se deve associá-lo a outros meios pedagógicos que forneçam subsídios para tornar o ambiente escolar atrativo, do ponto de vista pedagógico, o que não vem sendo no colégio Dom Bosco, aliás em quase nenhuma escola na atualidade. Por isso, talvez, a maior dificuldade de os educadores salesianos sofrerem de crise de identidade pedagógica, pragmaticamente mantendo a mesma ritualização de outras escolas.

Um outro pensamento de Dom Bosco, citado por Faria (2005), refere-se à afinidade total entre educador e educando salesianos: "Familiaridade com os jovens, especialmente no recreio. Sem familiaridade não se demonstra afeto, e sem essa demonstração não pode haver confiança." Quando o autor passou a fazer parte do corpo docente do colégio Dom Bosco em 2007, foi muito bem recepcionado, e suas boas vindas foram vários impressos e revistas acerca do sistema preventivo de Dom Bosco. O pátio pela tradição salesiana é o melhor espaço de relação humana e interpessoal entre educador e educando, e o recreio, seu grande momento. Nos primeiros dias do ano letivo de 2007, após "enriquecer-se" inesgotavelmente da filosofia e dos princípios salesianos, o autor interagia-se com os alunos no pátio do colégio durante o horário do recreio, ao lado, quase sempre, de um único educador. Perguntava-se: e os outros professores? Como a maioria deles já estava na casa há um bom tempo, não valorizavam tanto os princípios como no início. Concentravam-se sempre na sala reservada a eles, mantendo o "papo" em dia. Isso mesmo, já não parecia para eles fazer muita diferença o salesianismo. O conteúdo das conversas era diversificado, exceto pedagogia salesiana.

4.4 O Apoio pedagógico

Quanto ao pessoal de apoio, supervisores e orientadores educacionais, esses pareciam muito mais "massagistas de ego", de si mesmos ou do gestor do colégio. Não acompanhavam a rotina do professor nem o auxiliavam de maneira eficaz e compactuantes às suas funções. Apenas cobravam dos mestres, sem muito capital intelectual e físico, resultados satisfatórios e apresentava-os ao administrador. Dava a entender que se deliciavam em contemplação quando "arrancavam um sorriso" do diretor, aliás uma pessoa sensata e muito educada. Deve-se salientar que o apoio pedagógico tem que estar à frente dos professores em termos de conhecimento de mundo, fornecendo-lhes segurança e métodos instigantes na atividade docente. Um supervisor, por exemplo, não se pode limitar a apenas observar ou espionar o trabalho do professor, dizendo ao mestre que ele tem que diversificar atividades. Deve ele manifestar sempre total parceria aos docentes para fluir novos horizontes, ajudando-o a encontrar certas atividades didáticas.

O autor, em todas as ocasiões que produzia uma avaliação, teria que mostrar ao supervisor, o qual apenas olhava a estrutura do documento mas não o seu conteúdo, pois não o conhecia. É claro que um supervisor escolar não precisa ter o mesmo conhecimento de um especialista de uma determinada área, mas que é obrigação conhecer sua intencionalidade científica no âmbito escolar. Nos momentos de planejamento, cada um pra si e ponto final. Cadê o apoio?

Havia também um setor direcionado para o rendimento escolar cujo responsável apresentava as mesmas dificuldades do supervisor. Não conseguia sanar as dificuldades de aprendizagem dos alunos nem detectá-las com contundência, e mesmo assim atestava que os mesmos deveriam ser aprovados e que iriam amenizando os problemas com o tempo. Os alunos nesses contextos também não imprimiam tanto esforço já que sabiam que seriam contornados com a aprovação ao final do ano letivo, pois isso já houvera ocorrido em séries anteriores. Segundo o autor, havia alunos no terceiro ano do ensino médio com dificuldades de escrever o próprio nome, e, com muito mais, ao produzir uma frase curta, coerente e coesiva. É esse o real ensino salesiano?

Psicopedagogia é um campo recente nos ambientes escolares do ensino regular brasileiro. E no Dom Bosco existia? Pelo que se sabe ainda existe. Conforme a professora adjunta do Instituto de Psicologia da UERJ, Maria Lúcia L. Weiss (2001, p. 34):

Para um diagnóstico completo das causas dos problemas de aprendizagem da criança/adolescente, é necessário avaliar diversos aspectos: orgânicos, cognitivos, emocionais, sociais e pedagógicos. Lembrando sempre que as dificuldades de aprendizagem nas escolas podem ser causadas por um ou mais desses aspectos, não sendo eles, necessariamente, excludentes.

E o psicopedagogo do Dom Bosco diagnosticava os discentes de acordo com os parâmetros levantados pela professora Weiss? Tinha ampla formação para atuar nessa tão delicada função? Não se pode julgar. É fato que a maioria dos casos manifestados a um psicopedagogo pelos responsáveis por alunos e pelos próprios alunos ocorre por aspectos emocionais e sociais. A agressividade e o desrespeito de alguns discentes para com os hierárquicos eram uma prática bem comum no colégio Dom Bosco. Uma conversa amigável, uma "mãozinha na cabeça", e tudo bem. Atuou por "excelência" o psicopedagogo. Alguns dias depois lá estavam os mesmos alunos manifestando os mesmos problemas, e o psicopedagogo utilizando-se das mesmas estratégias inócuas. No entanto, atuação do desse profissional até que se aproximava dos princípios salesianos, muito diálogo e muita introspecção, mas sem resultados expressivos no campo da aprendizagem tanto pedagógica quanto dos valores salesianos.

É salutar que o autor não se limite apenas a críticas neste documento, e deve reconhecer que pelo menos os serviços de assistência social da instituição merecem elogios. O assistente social mais próximo ao apoio pedagógico foi extremamente, da chegada ao desvinculo do autor, hospitaleiro e humano, demonstrando total atenção e preocupação não só para com o mesmo mas para com todos. Mostrou-se um profissional "concreto" diante das adversidades socioculturais docentes e discentes, sempre extrema simpatia e humanitarismo, com um sorriso sincero na face. A comunidade demonstrava tamanho carinho e respeito pela pessoa daquele profissional, devido a segurança que o mesmo a transmitia, sem precisar ocultar situações, até mesmo as constrangedoras. É mister que se reconheça que, neste campo de atuação, a instituição estava bem servida.

5 Considerações finais

O autor aproveita este último segmento para revelar o motivo de sua remoção do colégio: tentou assumir seu papel de educador, já na condição de salesiano, com autenticidade e responsabilidade, e num momento de desequilíbrio emocional destratou com palavrões alguns alunos de uma dada turma, tornando-se insustentável sua permanência na instituição. Motivo? Só queria se comunicar com os alunos (ministrar suas aulas), e isso só foi possível, infelizmente, mediante o "baixo calão", que, aliás, parece ser o único recurso lingüístico compreendido pela maioria dos jovens de hoje.

Afora, não se pode negar que a educação cristã no Brasil, desde o período colonial até os dias atuais, passou por grandes transformações em contextos pedagógicos, do puro caráter missionário aos intuitos capitalistas. No início se buscava salvar almas; hoje, produzir clientes. Dom Bosco foi muito importante para o mundo no século XIX e direcionava suas atenções aos jovens carentes, abandonados, presos e meninos de rua, sempre com o objetivo de dar-lhes esperança e dignidade, com o auxílio da fé, do amor e da devoção. A pedagogia salesiana, a do sistema preventivo de Dom Bosco, fundamenta-se justamente nisso, mas que o colégio Dom Bosco não reflete essas bases em sua pragmática. É evidente o reconhecimento da tradição e do respeito que a comunidade manauense ainda tem pela instituição, mas também passou a ser comum comentários de alguns comunitários nos arredores da escola sobre a má conduta e comportamento dos alunos dessa instituição. Entende-se que, se o aluno é o produto do trabalho pedagógico e filosófico do colégio, o reflexo se volta contra o mesmo.

Seria inconcebível que os valores e princípios salesianos legados por dom João Bosco não se configurassem na verdadeira essência do educar para o amor com alegria, esvaindo-se com o tempo. Afinal, foi o amor que Jesus Cristo tanto pregou. Espera-se que, com profissionalismo e seriedade, o Colégio Dom Bosco de Manaus consiga retornar aos seus tempos áureos, formando realmente bons cristãos e honestos cidadãos, como há muito já o fez, mas sem hipocrisia. Estrutura física e histórica tem o bastante, só lhe resta um projeto definido com profissionais e comunitários que estejam realmente predispostos e engajados a rebuscar a tradição dessa escola. Já está na hora de a instituição dar uma resposta contundente à sociedade manauara e amazonense.

REFERÊNCIAS

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