Análise Crítica do Longa-Metragem Gravidade

Por Kelly Porto Ribeiro | 15/12/2013 | Sociedade

 

Autora: Kelly Porto Ribeiro, Radialista graduada em Comunicação Social com ênfase em Rádio e TV pela Universidade Metodista de São Paulo.

  

 

ANÁLISE CRÍTICA DO LONGA-METRAGEM GRAVIDADE

 

Atenção: Este artigo contém spoilers (revelações sobre o enredo), sendo uma revisão do filme juntamente a uma análise reflexiva e crítica.

        A primeira tomada de Gravidade é de tirar o fôlego: o planeta Terra, imenso e resplandecente em seu brilho azul. O silêncio quase absoluto, com exceção das vozes da equipe de astronautas, acompanha a belíssima imagem mergulhando o espectador numa profunda viagem visual.

        Gravidade, filme de 2013, dirigido por Alfonso Cuarón, é tido como um exemplar de ficção-científica, porém, a meu ver, diria que se trata de um forte drama disfarçado de ficção-científica, devido ao tema espacial.

        Isto porque Gravidade não trata apenas de mostrar a luta pela sobrevivência no espaço, vai muito além disso, na verdade. Aos poucos descobrimos que a Dra. Ryan Stone, interpretada por uma competente e talentosa Sandra Bullock, não consegue lidar com a grande mágoa que carrega dentro de si. A viagem ao espaço torna-se então renovadora, em todos os sentidos e faz a personagem lutar por uma nova vida.

        Ryan Stone, pelo menos na fase inicial do filme, não está sozinha. Ela conta com seu bem-humorado e carismático companheiro de trabalho, o já experiente astronauta Matt Kowalski, interpretado por George Clooney. A dupla funciona bem e poderia ser mais explorada durante o restante da narrativa. Quando Kowalski desaparece da história, sente-se tanto a sua falta, que, por alguns instantes acreditamos em seu retorno.

        O sentimento de solidão aqui é grande, daí a grande falta que Kowalski faz à protagonista e também ao espectador, que compartilha do mesmo sentimento. É inclusive irônico, pois a personagem de Sandra Bullock no começo da trama mostra-se uma pessoa introspectiva, que aparenta possuir certa dificuldade em relacionar-se (diferente do expansivo Kowalski). Há um momento em que Ryan comtempla o silêncio do espaço, mostrando-se bem satisfeita com ele. No entanto, mais ao final do filme, a mesma personagem comove-se, tristemente, em ouvir sons vindos de seu lar, a Terra.

        A trama mais superficial de Gravidade é simples, porém cheia de reviravoltas. Um pequeno grupo de astronautas está no espaço realizando consertos no telescópio Hubble, quando são surpreendidos com a notícia de que um míssil russo destrói um satélite e provoca uma onda de destroços. No primeiro momento, não há motivo para alarde, mas, tudo muda quando a equipe é avisada de que os detritos espaciais vêm de encontro a eles.

        Dos três astronautas vistos no início, um não resiste à violenta chuva de destroços, assim como o restante da equipe que estava dentro da nave. Os outros dois, Matt e Ryan, vagam soltos em meio à imensidão. O espetáculo visual criado por Cuarón abre o filme com um fantástico plano-sequência de quase vinte minutos que acompanha o movimento involuntário dos astronautas dançando com a câmera em movimento o tempo todo.

        De repente, nos damos conta da impotência e fragilidade do homem em um ambiente como o espaço, é perturbador. Em determinado momento, passamos do exterior para o interior do capacete de Ryan Stone, “sentindo na pele” o pânico tomar conta aos poucos, e está apenas começando.

        A tensão é constante, havendo poucos momentos de respiro, aproveitados bem com as histórias e o bom humor de Kowalski, ainda que a situação seja aterrorizante. Ryan, por outro lado nos apavora com seu pavor crescente. A cientista está em sua primeira expedição espacial e as coisas não vão nada bem, seu oxigênio diminui aos poucos e ela luta com todas as forças contra a gravidade zero.

        O som é usado de forma muito inteligente e eficaz, dosando muito bem entre os ruídos, trilha sonora e silêncio. Aqui não temos o silêncio exageradamente realista de 2001: Uma Odisseia no Espaço e nem o show de explosões de Star Wars, temos um meio termo sonoro que é capaz de levar o espectador ao ambiente do espaço e, ao mesmo tempo, mergulhar na forte carga emotiva do filme. O som da respiração de Ryan é marcante, impactante, mostra seu real desespero com a falta de oxigênio e faz que assiste ansiar tanto quanto a própria personagem pela resolução do problema.

        E Gravidade segue assim, impecavelmente belo, do ponto de vista técnico até o fim. O filme que foi realizado em sua maioria com produção gráfica possui efeitos extremamente realistas e nos oferece uma imagem em 3D feita de maneira inteligente, algo que ainda é raro nas atuais produções.

        Mas Cuarón não capricha somente na técnica, ele também se preocupa, de maneira muito bem ordenada, em desenvolver a cena dramática. É revelado ao espectador o drama interno de Ryan quando a personagem conta a Kowalski sobre a perda de sua filha e este é um ponto importante, pois aqui é insinuada a verdadeira trama do filme: o renascimento e a evolução.

        O filme nos mostra metáforas fascinantes, sendo que a mais evidente e também a mais bela, em minha opinião, é a de Ryan quando finalmente consegue sair do ambiente hostil do espaço e adentrar na nave, despindo-se da armadura de astronauta e mostrando-se simplesmente como humana. Ela fecha os olhos e se aconchega no interior da nave, colocando-se em posição fetal. Esta cena é cheia de significados: o encontro com suas origens, a sensação de “lar”, a proteção e segurança que sente, como se estivesse no próprio útero da mãe, o sentimento de falta e de carência em relação ao seu habitat natural e, por fim, o primeiro de muitos renascimentos da personagem.

        Entre todas as sequências dramáticas de Gravidade a mais intensa, talvez, seja a que Ryan recebe uma transmissão da Terra via rádio e conversa com um estrangeiro, mesmo sem ao menos entender o que este diz. Ela escuta sons de cães e de um bebê, o que a abala profundamente e, exausta, desiste de viver. É desesperador, angustiante e arrebatador.

        Mas ela não desiste e tem, novamente, um de seus renascimentos-chave para que a trama siga adiante. É como se Ryan passasse por uma série de provações e sucessivos renascimentos, que, no final, transformam-na em uma pessoa evoluída, mais forte e que terá um novo começo pela frente, na Terra. A última sequência, outra belíssima metáfora, representa muito bem esta evolução com a personagem saindo da água para o solo, contemplando sua vitória, levantando-se e “aprendendo” a caminhar novamente.

        Seja do ponto de vista estético, como também do drama, Gravidade é um filme encantador, muito bem conduzido e emocionante, com um final que não decepciona e uma narrativa que deixa o espectador absorto durante os seus noventa minutos. 

 

REFENCIAL BIBLIOGRÁFICO

 

CUARÓN, Alfonso. Gravidade - Estados Unidos da América, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte: Warner Bros./Esperanto Filmoj/Heyday Films, 2013, 90 min.