Amores Maduros - Catarina

Por Majoh Rodrigues | 13/11/2016 | Contos

VIVENDO SOZINHA

Catarina desfez as últimas malas e finalmente se considerou instalada em sua nova residência, uma casinha modesta, mas bem ajeitada.

Observou tudo com prazer e foi tomar um gole de café, o que sempre a revigorava.

Tinha sido uma escolha consciente essa de morar longe do tumulto das grandes cidades, num lugar à beira mar, protegida por um bom esquema de segurança, com altas cercas eletrificadas e alarme em casa, além do cachorro Uísque, seu mestiço de labrador cor de mel.

Ela se sentou no computador e procurou os melhores lugares da cidade para fazer compras.

Havia tempo que tinha se desfeito de grande parte de suas coisas supérfluas e conservava apenas o que poderia lhe servir ou lhe dar prazer.

A filha era jovem e se considerava autossuficiente. Fernanda precisava de uma boa lição e Catarina estava pronta para ser a professora e para isso precisava de espaço e distância.

Sua presença se tornara incômoda e rabugenta demais para a filha, que era jovem e queria liberdade.

Catarina estava às vésperas de completar sessenta anos e tudo parecia depender de meses para desfrutar, digamos de benefícios que premiavam os acima de sessenta, porque quem tinha cinquenta e nove parecia viver no limbo, numa faixa de tempo e espaço intermediária, descolorida e sem perspectivas.

Mas ela era persistente e embora não tivesse tantos privilégios no transporte público ou de modo geral, faltava pouco para conseguir e no fundo ela sabia que tinha direitos genuínos esperando por ela aos sessenta anos!

Depois de uma vida de trabalho com muitos benefícios e bons salários, lá estava ela vivendo de pensão e aposentadoria, mas a situação tinha sido grave financeiramente e ela havia aprendido a sobreviver com o mínimo.

Os sacrifícios que fez para a filha se formar não tinham sido em vão, embora tivessem lhe custado muito para a saúde física e psicológica, mas isso se resolveria com o tempo.

Ela não pretendia se isolar, mas tinha equilíbrio moral para sobreviver bem sozinha.

A primeira ida ao supermercado para abastecer a casa foi uma festa, pois ela pôde comprar o que lhe agradava e fazia cálculos mentais para se conter e levar o suficiente para ela mesma e pretendia se sair bem e provar a si mesma que era capaz de assumir suas escolhas.

Não demorou a que fizesse conhecidos no condomínio e se informasse sobre os serviços do local, que incluíam jardineiros, piscineiros e faxineiras que poderiam ser contratados a preços justos e eram de confiança.

Assim Catarina conheceu Mercedes, que vinha uma vez por semana para fazer faxina na casa e manter tudo limpo, pois cozinhar não era problema, mas sim um grande prazer.

Fazia três meses que Catarina se instalara no condomínio e já dominava todos os passos que poderia dar lá e começava a se ocupar aprendendo a cuidar de seu jardim e de sua pequena horta, de onde colhia os amados temperos para seus quitutes.

A ida ao centro de convivência para se distrair se tornara um hábito, mesmo porque algumas lojinhas começavam a aparecer.

Uísque era seu companheiro fiel e a acompanhava em passeios diários pelo condomínio de coleira porque era obrigatório, mas não precisava, porque era treinado.

Os telefonemas com Fernanda eram quase diários e esse exercício de desligamento era necessário para ambas.

Com o passar do tempo Catarina fez amizade com outras senhoras que viviam sozinhas e elas formaram um grupo, que saia para atividades externas ou se reunia para eventos internos, como partidas de baralho na casa de alguma delas.

A afinidade maior foi criada com Dorotéia, uma das mais antigas moradoras do condomínio que morava sozinha desde que enviuvara há uns dez anos.

- Por acaso vi um anúncio deste condomínio de classe média no jornal de domingo na casa de meu filho e logo manifestei o desejo de vir morar aqui e me afastar dos conflitos familiares corriqueiros na vida de todo jovem casal que está começando a vida. – explicou Dorotéia.

- E já estavam vendendo as casinhas? – perguntou Catarina.

- Sim, mas timidamente, porque as pessoas não acreditavam que tal empreendimento pudesse prosperar nesta parte da cidade, onde antigamente tinha uma fazenda, que foi fracionada no espólio do coronel Capelo, que antes de falecer gerou muita indignação na família quando ele reconheceu legalmente os dez filhos que teve com a amante. Foi um escândalo! – disse Dorotéia.

- Dez filhos com a amante e a esposa nunca suspeitou dele? – perguntou Catarina.

- Sempre suspeitou, mas não tinha como provar, pois os primeiros filhos foram gerados quando a amante servia de ama de leite para os filhos dele e dona Olímpia começou a desconfiar das escapadas dele para a casa da ama durante a madrugada.

- Então a amante morava na fazenda?

- Sim, numa das casinhas destinadas aos colonos e vivia com o marido que trabalhava nas plantações do coronel.

- Mas como podia ser isso?

- Ah, sim, o coronel queria plantações por toda parte e formava grupos de homens para plantar em regiões afastadas, sempre incluindo o Belizário, marido da Olga, a ama de leite.

- Esperto, hein?

- Muito esperto e só não contava que seus olhos castanhos fossem aparecer em dez dos quinze filhos da amante, que tinha olhos verdes como o marido, ambos descendentes de italianos.

- Quinze filhos! Então é por isso que ela era ama de leite, porque não parava de parir?

- Com toda certeza, Catarina, a mulher era uma máquina e isso favorecia o coronel Capelo que se reproduzia como um coelho com a mulher e a amante e havia leite para todos!

A estória havia saído nos jornais locais e indignado a família Capelo de tal forma, que virou um escândalo, principalmente porque a viúva do coronel, dona Olímpia morreu com mais de cem anos e presenciou tudo isso.

Dorotéia continuou contando a estória do condomínio e concluiu:

- Esta parte onde o condomínio foi construído pertencia aos filhos naturais do coronel com a ama Olga e eles uniram seus terrenos e decidiram construir casas mais condizentes com a realidade deles para que os irmãos nascidos do casamento da mãe com o pai pudessem desfrutar deste privilégio e acabaram tendo a ideia de construir outras casas iguais e vendê-las.

Catarina sorriu e comemorou:

- O que foi uma excelente ideia! Então este condomínio é antigo?

- Bem antigo, tem uns cinquenta anos e começou como uma espécie de vila e os netos dessa enorme família, que tiveram o privilégio de irem para a faculdade decidiram ampliar e transformar a vila em condomínio e é por isso que se chama Condomínio Vila Mista. – disse Dorotéia sorrindo.

OS PARENTES DOS AMIGOS

Catarina e Dorotéia se tornaram amigas inseparáveis e no início do segundo ano de convivência, as duas viajaram para Fortaleza para visitar o irmão de Dorotéia.

- Pois é Glauco é dentista e todo ano venho no mês de janeiro, que ele está mais folgado para fazer meu tratamento e me hospedo na casa dele. Somos melhores amigos desde sempre.

- É ótimo ter um dentista na família e ele mora sozinho?

- Ainda não, tenho duas sobrinhas solteiras que são funcionárias publicas e moram com ele, mas são adoráveis e animadas. Você vai gostar dos três!

Catarina e Dorotéia chegaram numa sexta-feira à noite na casa do dentista. As filhas dele Flávia e Lorena haviam preparado um delicioso jantar.

- Mas que prazer poder receber você e sua amiga Catarina em minha casa, minha irmã! Entrem, por favor!

Glauco era um homem simpático e bem conservado para seus sessenta e dois anos.

A família do pai era de origem holandesa e a mãe era cearense, portanto Dorotéia se parecia com a família da mãe e Glauco com a família do pai e ambos nasceram com olhos azuis e pele morena e ele era alto, enquanto Dorotéia era menor.

Catarina ficou encantada com a semelhança dos irmãos e com a beleza das moças, que eram simpáticas e realmente animadas.

- Que comida caseira deliciosa! – disse Catarina.

- Minhas filhas adoram cozinhar e se empolgaram com a vinda de vocês, porque uma trabalha de manhã e outra à tarde e se revezaram na cozinha. – explicou o pai.

- Mas você também é bem chegadinho ao fogão e aposto que deu palpites meu irmão! – brincou Dorotéia.

- Dou meus palpites, mas nada sério, apenas sou o provador, o critico, o que decide mesmo! – disse Glauco sorrindo.

Todos riram e aproveitaram a noite quente e estrelada para darem uma volta pela cidade para fazer a digestão e as moças foram encontrar amigos para uma noitada.

- Elas são moças e precisam se divertir. Eu e Dorotéia nos divertimos muito na nossa juventude! – disse o dentista.

- E como! E você se divertiu tanto que acabou se casando tarde e hoje tem duas filhas na faixa dos vinte anos e eu, mais atrevida me casei cedo, vivi um grande amor com meu Cícero e tive dois filhos homens, que me deram noras sob encomenda! – disse Dorotéia meio pesarosa.

Catarina observava essa amizade franca e carinhosa entre a amiga e seu irmão e lamentava pelos irmãos dela que eram uma dominadora e um dominado, uma lástima!

[...]

 

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