AMORES MADUROS - AURÉLIA

Por Majoh Rodrigues | 13/11/2016 | Contos

ROTINAS

Aurélia estava dormindo no sofá da sala quando o telefone tocou e ela vagarosamente foi atender para encontrar do outro lado da linha uma amiga que não via há muito tempo convidando-a para uma festa em sua casa na semana seguinte.

Sua amiga Paula morava num condomínio há alguns quilômetros e prometia muita diversão e um excelente serviço de crepes e saladas em seu aniversário, que Aurélia levasse quem quisesse, haveria música para dançar e pessoas novas para conhecer.

Aurélia pensou na última vez em que viu a amiga e se lembrou do aniversário de outra amiga comum, a Vanda quando fez cinquenta anos, é sim, era isso e já fazia uns três anos.

Decidiu que precisava comer algo e pensou em massas, pizzas, tortas, esfihas, panquecas, algo assim e logo se lembrou que no almoço comeu omelete com salada verde e que agora poderia comer bolo de carne com salada de tomates, porque o bolo estava pronto e era só cortar os tomates e temperá-los.

Estava quente e um banho lhe seria excelente, já que sentia calor e a noite estava muito abafada, pensou na chuva que caíra no dia anterior alagando a cidade e na dificuldade em voltar para casa e logo ao abrir o chuveiro sentiu-se mais leve e refrescou-se, lavou os cabelos e deixou-os secar naturalmente.

O celular tocou e ela atendeu a filha, que estava na casa de praia de amigos e conversou com ela, desejando-lhe sol e juízo e a moça riu e respondeu:

- Bem, mamãe, se eu tiver mais juízo, terei de passar o resto de minha vida no quarto estudando e não se esqueça que foi você mesma quem sugeriu que eu viesse, aliás, insistiu.

- É claro, Anaïs, se eu não lhe intimasse a viajar, você era mesmo capaz de passar as férias de verão na academia e no quarto estudando, porém, lembre-se que o exame da pós-graduação é só em maio, você ainda tem muito tempo, estamos em janeiro!

- Mas eu trouxe os livros e estou estudando de forma mais branda, digamos e então, não vai sair hoje? É sábado e você não ia ao cinema com a tia Gessy?

- Pois é, seria ótimo se aproveitássemos as noites de sábado em janeiro para ir ao cinema, mas, a tia Gessy viajou pro sitio da cunhada pra dar uma mão no churrasco de amanhã, no aniversário do irmão e eu não quis ir, prefiro ficar em casa, vai ter muita gente, eu gosto de grupos menores para relaxar no fim de semana, mas, no próximo sábado tem uma festa, o aniversário da Paula, lembra dela, aquela amiga super animada, que sempre me convida pra ir ao carnaval naquele clube que ela frequenta desde que ficou viúva?

Anaïs riu, porque a mãe fugia dessa amiga, mas uma festa deveria ser especial para ela concordar em ir e logo começou a incentivar a mãe e lhe disse:

- Tia Dirce disse que quando você se animar a vir, será bem-vinda, tá?

- Claro, meu bem, agradeça a ela pela gentileza, mas, estou dando um curso de férias e preciso corrigir provas, daqui a pouco se me animar, eu porei a mão na massa!

Assim que desligaram Aurélia foi comer com prazer e quando terminou sentiu ainda um vazio no estômago e para disfarçar escolheu tomar sorvete, mas só uma bola com um pouco de licor para dar gosto.

Animada com a brisa, abriu as cortinas e as portas da varanda e começou a corrigir as provas dos alunos e se distraiu tanto que quando se deu conta tinham se passado duas horas e só faltava contar os pontos e finalizar, mas, faria isso no dia seguinte, porque ainda teria tempo de ver um filme.

Após o divórcio, há sete anos ela tivera apenas um namorado que lhe causara tantos aborrecimentos que parecera estar na adolescência, foi ridículo e após o rompimento, Aurélia decidiu que precisava amadurecer e esforçar-se para concluir os anos que ainda lhe restavam para trabalhar de forma triunfal, sem se deixar levar por namoricos inconsequentes.

O casamento lhe dera todos os aborrecimentos que procurara evitar na vida de solteira, mas lhe deixara um tesouro, a filha Anaïs, com quem podia contar para tudo.

Quando amanheceu estava adormecida no sofá e como ainda era muito cedo, apesar de o sol já estar brilhando, ela foi deitar-se na cama e lá permaneceu até não ter mais sono.

Acordou com a sensação de ter dormido demais e ao olhar o despertador sobre a cômoda viu que eram apenas 9 horas e em horário de verão parecia ser a hora perfeita para nadar e tomar sol na piscina do prédio, uma vez que uma grande parte dos condôminos estava de férias.

Quando subiu para almoçar passava de meio dia, porque tinha se distraído lendo e conversando com um casal do segundo andar, que apreciava os primeiros ensaios de sua filhinha de um ano na piscina com bóias e todo o aparato que ela conhecia muito bem.

Após o almoço Aurélia se sentou à mesa da sala para concluir a soma das provas e quando terminou constatou que seus esforços não tinham sido em vão, os alunos tiraram boas notas e ficariam satisfeitos.

Gessy recém-chegada do sitio telefonou a Aurélia para lhe contar do churrasco de aniversário do irmão no sitio e sem perceber conversaram longamente no telefone, mencionando inclusive a inevitável festa de aniversário de Paula na semana seguinte e para amenizar o trajeto combinaram de ir com um só carro.

A semana estava correndo como previsto e após comprar o presente de aniversário da amiga, Aurélia não quis voltar para casa porque ainda era cedo e aproveitou para checar as ofertas de verão nas lojas e comprou um gracioso vestido e um par de sandálias da moda para ir à festa.

Desde que começara seu regime já conseguira baixar um manequim e estava muito satisfeita, embora soubesse que ainda lhe faltava muito a fazer, mas não se importou, fazia parte do processo, faria uma etapa por vez sem tomar remédios malucos que a deixavam ainda mais ansiosa e nervosa.

THEODORO

No sábado seguinte Gessy passou para apanhar Aurélia e quando estavam chegando ao condomínio ela se lembrou que Paula havia comentado no telefone que convidaria seus amigos da escola de dança e do clube de pôquer para que as amigas, a maioria de avulsas, pudessem se divertir e comentou:

- Caramba, Aurélia, estou enferrujada, porque há anos não danço!

- Você? Imagine eu então, que há décadas não danço não se lembra de que meu ex-marido era uma árvore com raízes profundas e não saia do lugar, apenas se balançava? Pelo menos teu marido gostava de dançar.

- Com outras mulheres e bem longe de mim, está certo, queridinha? Porque comigo ele só dançou antes e durante o casamento e logo procurava se safar, para ficar farejando encrenca em festas, não se lembra?

E como a amiga se lembrava, o marido de Gessy era um paquerador inveterado, porque ela engravidou pouco antes de se casar e logo nasceu o primeiro filho, um ano depois o segundo e dez meses depois a terceira e ela ficou mais de dez anos em casa até que todos pudessem estar bem crescidinhos para que ela e o marido pudessem frequentar festas sem eles, mas ela chegou muitos anos atrasada, porque com a desculpa do jogo de pelada com os amigos e das cervejas depois das partidas, o marido chegara até a ficar noivo de uma moça de dezoito anos.

Foi um escândalo na época quando Gessy descobriu a aliança no bolso do calção no cesto de roupas sujas, ela sempre se lembraria do nome Claudete, sem data, gravado na grossa aliança de ouro, que jogara no vaso sanitário diante do olhar esbugalhado do marido.

Foram anos de angústia para criar três filhos adolescentes com atrasos de pensão do ex-marido e por fim descobrir que ele tinha se mudado para o interior, pra trabalhar nos supermercados do pai da Claudete sem deixar endereço.

A partir daí começou uma briga judicial pela pensão que culminou na prisão dele, dez dias na cadeia, porque o juiz se compadeceu da situação dela e não o deixou sair enquanto não pagasse o que devia aos filhos, nessa época ele teve de pagar mais de 14 meses de pensão para três filhos menores, uma vergonha!

Mas isso era passado, porque Gessy superou e nunca mais quis saber de maridos, só saia com rapazes mais novos, essa era sua paixão, apenas Aurélia sabia disso e tinha certeza que a amiga mantinha os pés no chão, só se divertia, nunca se comprometia.

Na casa de Paula a festa já tinha começado e os jardins estavam iluminados e havia muitos desconhecidos, casais, mulheres sozinhas e homens disponíveis, muitos já passados da idade limite que Aurélia havia estabelecido para si mesma, digamos sessenta anos, se muito.

Gessy conversava com o garçom e lhe lançava olhares compridos que não passaram despercebidos a Aurélia, que se divertia em conversar com dois senhores na casa de setenta anos para mais, discutindo jogadas de pôquer.

O DJ contratado era eclético e colocava músicas do Techno aos boleros dos anos 50, até marchinhas de carnaval, Adoniran Barbosa e Dalva de Oliveira foram lembrados nas alegres canções como Trem das Onze e Máscara Negra.

A festa estava divertida e acontecia dentro e fora da casa naquela quente noite de verão.

[...]

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