Ambiental

Por Eduardo Mariano Quadros Ericeira | 10/02/2017 | Direito

CRIANÇA NO ESTABELECIMENTO PRISIONAL NA CAPITAL DO MARANHÃO VERSUS APLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XLV DA CF/88.1

RESUMO

O presente trabalho apresenta uma análise da condição em que se encontram na capital maranhense, em especial no Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão - CRISMA, os filhos de presidiárias, os quais desde os seus primeiros anos de vida são submetidos ao “encarceramento”. Busca-se verificar a efetiva aplicabilidade das garantias constitucionais em relação ás mães presidiárias, e qual o tempo necessário de permanência dos filhos destas no CRISMA, sem que tal tempo ocasione a extensão da pena da mãe á criança, indo assim de encontro ao melhor interesse desta.

Introdução

O sistema penitenciário brasileiro é tema constante de severas críticas tanto a nível nacional como internacional. Tais críticas recaem sobre a falta de estrutura dos presídios brasileiros e a situação de precariedade a qual são submetidos os milhares de detentos.

Essa falta de estrutura e precariedade vai de encontro ao estabelecido pela Constituição Federal de 1988, em especial quando se trata de penitenciárias femininas as quais devem ter uma estrutura diferenciada, pois recebem presidiárias grávidas, que ao darem á luz, na maioria das vezes, não tendo com quem deixar seu filho, ficam com este em uma sela sem a mínima condição estrutural para receber uma criança nos primeiros anos de vida.

A CF/88 em seu artigo 5º, inciso L garante as presidiárias mães o direito de permanecer com seus filhos durante o período de amamentação.

Nesse sentido, é dever do Estado através de políticas públicas possibilitar a concretização desse direito das mães fazendo valer o texto constitucional e demais leis infraconstitucionais que tratam sobre o tema a exemplo da Lei nº. 9.046, de 18 de maio de 1995 e do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Este determina que o poder público, as instituições e os empregadores devem propiciar condições adequadas ao aleitamento materno, inclusive aos filhos de mães submetidas à medida privativa de liberdade, e aquela alterou a Lei de Execução Penal ao determinar que os estabelecimentos penais destinados a mulheres deverão ser dotados de berçário, local no qual as condenadas terão a possibilidade de amamentar seus filhos com dignidade.

No entanto, apesar da letra das leis infraconstitucionais e em especial do texto constitucional estabelecer tais direitos, atribuindo ao Estado á responsabilidade de concretizá-los, o que se observa no sistema penitenciário brasileiro é a inexistência de correspondência entre o que é determinado nas leis que tratam do encarceramento feminino e a realidade presente nas instituições prisionais geralmente marcadas pelo improviso na adaptação de sua estrutura com o intuito de oferecer condições de comportar mães e crianças em um mesmo espaço.

A ausência de correspondência entre as leis e a realidade pode ser encarada como conseqüência da falta de políticas públicas voltadas para a realidade prisional brasileira marcada pelo esquecimento, descaso e desrespeito as mães condenadas e conseqüentemente desrespeito também aqueles que “por tabela” vão ser aprisionados.

Lembrando ainda que tal ausência tem favorecido o surgimento da gestão discricionária nas prisões, uma vez que os diretores prisionais exercem suas funções de acordo com o que a estrutura física dos presídios disponibiliza a exemplo de berçários e demais elementos indispensáveis para a presença de uma criança em um ambiente carcerário.

Sendo assim, dependendo da condição estrutural oferecida pelo presídio, como por exemplo, a existência de berçários e creches, a presa pode ficar mais dias ou menos dias com o seu filho. No caso do CRISMA, o tempo mínimo que uma mãe fica com seu filho é de seis meses, tempo este considerado o necessário para a amamentação.

 

1 Crianças no Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão – CRISMA: efetivação das garantias constitucionais.

 

            A Constituição Federal de 1988 apresenta em seu artigo 5º incisos os quais estão relacionados com a situação daqueles que se encontram em estabelecimento prisional, no que se refere ao tema em questão, merecem destaque os incisos XLV e o L.

            No que diz respeito ao inciso XLV, este estabelece como garantia constitucional que nenhuma pena passará da pessoa do condenado. Tal preceito é posto em dúvida quando se analisa o cotidiano das presidiárias mães que se encontram no cárcere juntamente com seus filhos, e sujeitas a submetê-los a viverem seus primeiros dias de vida nas mesmas condições indignas as quais são submetidas no dia a dia das prisões.

            Essas condições indignas caracterizadas pela lotação, insalubridade e falta de assistência médica nos presídios e principalmente a ausência de uma estrutura especifica para comportar crianças, favorecem o entendimento de que ao se estabelecer uma pena a mãe, a qual deveria ser tratada com dignidade, se estende tal pena à criança.

            Em relação ao inciso L, tal dispositivo constitucional estabelece como dever do Estado assegurar condições para que as apenadas possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação. Tal período configura de extrema importância não somente para a saúde do recém-nascido como também para a saúde da mãe, segundo relata Tânia da Silva Pereira em seu livro Direito da criança e do adolescente.

 

Apesar de contar hoje com variados tipos de leite artificial, mamadeira etc., o desmame precoce não é saudável para a mãe, e muito menos para o bebê, pois ambos têm na amamentação o conforto para suprir o baque de terem sido separados abruptamente por ocasião do parto. Do ponto de vista físico, a amamentação ajuda a volta do útero, no pós-parto, às suas condições anteriores à gravidez, desprezar os aspectos psicológicos.2 

 

            O Estado, como se percebe, de regra, não tem oferecido nem as condições mínimas para os presos em geral, muito menos aos presos em condições especiais como é o caso de milhões de presas mães ou das presas que futuramente serão.

            No caso do Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão – CRISMA, constitui-se uma exceção no que se refere à estrutura prisional feminina, e ao tratamento dos filhos das apenadas, apesar de ainda ter muito o que melhorar para conseguir efetivar as garantias constitucionais das mães presidiárias em sua totalidade. 

            Esse centro foi inaugurado no ano de 2006, apresentando capacidade para comportar inicialmente 80 (oitenta) internas, sendo a primeira unidade prisional inteiramente dedicada à custódia de mulheres apenadas no Maranhão.

 

2 Tempo mínimo de permanência ao encontro do melhor interesse  da criança. 

 

            No ordenamento jurídico brasileiro a lei que estabelece o tempo de convivência da mãe apenada com seu filho na prisão, correspondente ao tempo de amamentação, é a Lei n°. 7. 210 de 11 de 1984. A referida lei determina no seu artigo 83, § 2º, alterado pela Lei n°. 11.242/09, que os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade.

            No entanto, essa lei não faz uma referência objetiva de quanto tempo uma criança passará “encarcerada” juntamente com a mãe.

             A definição desse prazo requer uma análise ampla dos fatores psicológicos dos principais interessados nessa definição, ou seja, a mãe apenada e sua criança, pois ambos sofreram conseqüências durante o transcorrer desse prazo e, principalmente, após seu término.

Com o seu término, a conseqüente separação da mãe apenada de seu filho, pode ser vista como uma “dupla” penalidade para a mãe, uma vez que esta ficará impossibilitada de continuar sendo mãe, correndo o risco de seu filho perder a referência materna. 

No entanto, apesar de terem dois interesses envolvidos, ou seja, mãe e filho, deve-se levar em consideração o melhor interesse da criança na definição do prazo de permanência desta em estabelecimento prisional. Não se pode esquecer, que o sistema penitenciário brasileiro, infelizmente, proporciona um ambiente prisional hostil e desrespeitoso do princípio da individualização da pena, o qual configura como mais uma garantia das mães apenadas de terem presídios estruturados para comportá-las juntamente com seus filhos durante o tempo necessário.

Nesse sentido qual seria o melhor interesse da criança? Seria conviver com a mãe além do tempo necessário para a amamentação? Ou seria somente esse período de 6 meses, ou um tempo inferior?

A ausência de resposta objetiva a essas perguntas reflete a superficialidade com que o tema em questão é tratado pelas autoridades responsáveis pelo sistema penitenciário, proporcionando assim que as unidades da federação decidam de acordo com a sua vontade, praticando ações institucionais diferenciadas, as quais, na maioria das vezes, vão de encontro ao melhor interesse da criança.

 

3 Criança em ambiente prisional: benefícios x malefícios 

 

            No intuito de se fazer prevalecer o melhor interesse da criança, faz-se necessário analisar os benefícios e os malefícios para esta ao ter seus primeiros dias de vida em um ambiente hostil como é o caso de todos os estabelecimentos prisionais, ainda que estes tenham uma estrutura específica para atendê-la.

            Sabe-se que independentemente do presídio ter uma estrutura física com berçários e outros itens para comportar crianças, este nunca deixa de constitui-se em um ambiente fechado, depressivo e muita das vezes agressivo e conflituoso.

            Na visita realizada ao Centro de Reeducação e Inclusão Social de Mulheres Apenadas do Maranhão – CRISMA, presenciamos uma razoável estrutura voltada ao atendimento dos filhos das detentas, no entanto somente esse fator não é capaz de eliminar a sensação de se ter a liberdade limitada, sensação esta que decorre da atmosfera do ambiente prisional com suas regras e imposições inerentes ao sistema prisional.

            Esse ambiente, como suas características inerentes, pode influenciar no bem estar psicológico da criança, trazendo graves conseqüências a essa, uma vez que estará em contato somente com a mãe em um ambiente exclusivamente feminino e impossibilita de ter contatos regulares com outras pessoas.

            Nesse sentido, o ambiente prisional configura-se como um espaço inadequado para o desenvolvimento de crianças, caracterizado-se até mesmo como perigoso, frente uma possível “rebelião”, apesar desta ser mais comum em penitenciárias masculinas.

            Contrariamente aos que acreditam somente haver malefícios para as crianças “habitadas” em casas de detenção na companhia de suas genitoras, existem os que defendem que o melhor interesse da criança é estar sempre na presença da mãe, independentemente desta se encontrar no cárcere.

            Para os que defendem esse posicionamento, a presença da criança junto á mãe traz benefícios para ambas.

            Segundo Cunha,

 

Com a presença dos filhos, as mulheres não se sentem tão sozinhas, amortecendo o choque e suavizando a vivência prisional, o que se reflete nos comentários de algumas reclusas quando dizem que sem as crianças isto é muito pesado (…), com meu filho o tempo passa melhor, não há tempo para entrar em depressão, obriga-me a reagir.3

            Nesse sentido, tens-se a considerar conjuntamente dois interesses, quais sejam o da mãe e o da criança. Interesses que podem ser concretizados, segundo os que defendem a permanência da mãe com seu filho na prisão, com fundamentação na garantia constitucional da mãe ter o direito de ficar com o filho durante o período da amamentação.

            No entanto, como diz Bobbio4 o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais de fundamentá-los, e sim o de protegê-los.(...) o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político.

            Portanto tem-se o direito fundamentado na CF/88, cabendo ao Estado protegê-lo e torná-lo efetivo através de medidas políticas que devem ir além de se preocuparem com a estrutura física do presídio, adentrando assim pela questão psicológica que envolve a mãe e a criança.     

 Conclusão

 

            Diante do exposto, conclui-se que se trata de um tema que merece uma melhor atenção por parte dos operadores do direito, em especial dos legisladores, no sentido da criação e efetiva aplicação de leis expressas e claras sobre o direito da criança e da mãe presidiária. Sem esquecer a responsabilidade do Estado na figura dos governantes, os quais têm o dever de garantir o cumprimento do direito de todos os que se encontram encarcerados, e principalmente o direito das crianças que se encontram nessa situação de encarceramento, em decorrência de uma circunstância alheia a sua vontade.

            O cumprimento de tal direito, ou seja, oferecer condições dignas, no mais amplo sentido da palavra, á mãe e a criança que se encontram em estabelecimento prisional, é o primeiro passa para não se estender a pena da mãe á criança.

            Sendo assim, precisa-se urgentemente efetivar a garantia desse direito, e conseqüentemente se evitar a injustiça de sentenciar a criança juntamente com a mãe.

           

Referências

 

BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. 10 ed. Rio de Janeiro: Campos: 1992.

 

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

 

BRASIL, Congresso Nacional. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

CUNHA, M.I Malhas que a reclusão tece: questões de identidade numa prisão feminina. Lisboa: centro de ensinos jurídicos, 1994.

 

PEREIRA,Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1996.

 

 

1             Paper apresentado à disciplina de Direito de Família e Sucessões para obtenção de nota.

2             PEREIRA,Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1996. p.369.

3             CUNHA, M.I Malhas que a reclusão tece: questões de identidade numa prisão feminina. Lisboa: centro de ensinos jurídicos, 1994. p.156

4             BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. 10 ed. Rio de Janeiro: Campos: 1992, p.25