Amanharecer

Por Beatrice Cavalcante | 30/05/2019 | Contos

 Acordei e percebi que minhas mãos estavam cheias de sangue, tento me levantar e sinto o quarto girar. Me sento na cama esforçando para identificar onde estou. Avisto meu all star jogado no canto do quarto, um pouco mais adiante uma garrava de whisky e ao lado um copo quebrado. Provavelmente eu quebrei o copo porque havia acabado a bebida, penso nisso porque nesse momento o que eu mais quero é jogar o copo na parede justamente por não ter uma última dose na garrafa.

 Bom, aparentemente estou no meu quarto, identifico também os livros na estante e a grossa camada de poeira que cobre o chão. Não tenho ideia de que dia é hoje, será que eu devia me arrumar e ir para o trabalho? Também não sei se estou sozinha em casa. Além de todas essas dúvidas, preciso descobrir de onde vem o sangue que está em minhas mãos. Estranho eu estar suja de sangue e a cama não ter sequer uma gota no lençol.

 Ótimo, estou em casa, não sujei os lençóis, agora preciso me lembrar o que aconteceu na noite anterior. Eu estou acostumada com os apagões, tenho até uma certa simpatia por eles, afinal as vezes é melhor não lembrar mesmo, mas admito que dessa vez, não lembrar está me fazendo entrar em pânico, eu nunca acordei com sangue nas mãos.

 Levantei cambaleando e me olhei no espelho, como eu estava horrível, totalmente descabelada, com olheiras enormes, apenas de calcinha e agora consigo ver que há sangue em outras partes do meu corpo, espero não ter manchado minhas roupas, só eu sei o quanto é difícil tirar manchas de sangue das roupas.

 Segui pelo corredor procurando alguma explicação e ainda me esforçando para lembrar o que fiz ontem. As chaves do carro estão onde eu costumo deixar quando chego do trabalho. Na pia tem apenas alguns copos e várias latinhas de cerveja amassadas, o gato dorme no sofá, chamo por ele, mas parece que ele não me ouve.

 Paro novamente encarando meu reflexo seminu na janela da sala, minha cabeça dói e eu não consigo me lembrar de absolutamente nada. A última memória que tenho é de chegar em casa e abrir a primeira cerveja, a questão é que esse era meu ritual diário, não tenho certeza se essa memória era de fato da noite anterior.

 Tento encontrar meu celular, talvez eu encontre as respostas, alguma foto, ligação, redes sociais. Normalmente as respostas para aquilo que não queremos saber, estão nas redes sociais. A grande questão agora é: onde está o maldito celular.

 A essa altura o gato já tinha levantado para comer e arranhar o sofá, e continuava a me ignorar por completo.

 Desisto de achar o celular e de fazer o gato me dar um pouco de atenção, penso que eu só preciso de um banho quente, uma aspirina e uma boa e enorme xicara de café.

 Conforme eu me aproximada do banheiro, era tomada por um mal-estar, fico toda arrepiada e por um segundo penso que não quero entrar naquele cômodo, mas por outro lado, precisava muito tirar todo aquele sangue das mãos.

 A porta do banheiro estava fechada, estranho, eu nunca deixo ela fechada, sei o quanto gato gosta de beber a água que fica empoçada depois do banho.

 Abro a porta e sinto tudo rodar, encontro na pia frascos de remédios vazios, o vidro do espelho completamente quebrado, aparentemente alguém deu um soco no espelho e em seguida na parede, conclui isso pelo rastro de sangue.

 Quando abro a porta do box, mais uma vez perco os sentidos e me sento na privada para não cair, vejo a mim mesma, estou jogada no chão com cortes nos pulsos, alguns comprimidos espelhados pelo chão e estou completamente sem vida.

 Aos poucos fui me lembrando e com a lembrança fui desaparecendo, esse foi o ponto final que eu planejei por tanto tampo e foi para isso que guardei aquela maldita garrada de whisky, pelo menos eu morri como passei boa parte da minha vida, bêbada e sozinha.