Alzheimer

Por Sónia Machado | 31/01/2016 | Crônicas

Um medo presente, quieto e arrumado. Espalhado em cada canto. Ausente. Um medo consciente, conhecido e decorado no cúmulo das memórias vazias, perdidas, esquecidas...

A doença existe, cresce e multiplica-se. É uma epidemia que nos rouba a história, o berço, o útero, a origem.

É imperativo que se fale, que seja notícia, que vire destaque. É imperativo que se lhe dê nome, o dela. Alzheimer. Demência. 

É imperativo que se saiba do que se fala. Por mais que ainda existem caixas fechados e becos sem saída. É preciso saber o que ela exige, de que matéria se faz e que contornos pode assumir.

É impreterível que o despertador dispare, que a gente pare, olhe e sinta. Que traga presente a transitoriedade da vida, a velocidade a que ela se apaga, a rapidez com os outros partem.

É importante aprender que a partida não se revela só em ausência física. Que pairará sempre outra hipótese, outra conjetura mais estranha, fria e dolorosa.

Nem sempre todos que partem levam consigo o seu corpo, a sua bagagem. Nem sempre aqueles que perecem ganham asas e ficam embrulhados na magia abençoada que se traduz num anseio celestial.

Existe outra forma de morrer, com corpo e alma, com batidas fortes do coração. Existe quem se extinga devagar, quem se apague lentamente, coberta numa escuridão de não mais saber ser.

É impreterível que se treine o zelo, que se prepare para o cuidado dos nossos. Que a gente seja vista como tal até ao final da linha, além da pele enrugada, das forças escassas e das lembranças brutalmente fragmentadas.

É preciso ensinar a cuidar, a valorizar. É importante praticar o apego, a paciência, o amor.

É preciso dar a mão ao alzheimer, por mais que a mão aperte, por mais que ela nos retorça os ossos. É preciso encara de frente e olhá-la nos olhos.

É necessário olhar para os doentes de alzheimer. Ter a capacidade de ir além do olhar apagado, do silêncio atroz, das palavras que não encontram caminho ou daqueles que se distanciam brutalmente das memórias que deles temos.

Eles esquecem quem são, perdem o que viveram, deixam de reconhecer quem amam...

Eles perdem a sua vida, as suas memórias...

E nesta perda sem tamanho, sem limites... fica em nós o dever de proteger, de promover a sua dignidade... de manter até ao fim algo vivo. Inteiro. Acesso.

Porque no tudo que neles morre... permanece em nós, a cada cuidado, a cada lembrança, a cada toque... um instante suspenso do que eles foram...

E isso chama-se: Amor. Vida. Eternidade!

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