Alzheimer - Escalando fortalezas

Por Elizabeth Piovezan | 08/01/2011 | Crônicas

A experiência de escalar o Everest, a montanha mais alta do planeta, traz algumas reflexões interessantes ao se comparar aos desafios que enfrentam os cuidadores de doentes com Alzheimer.
A prevalência dessa causa de demência vem aumentando consideravelmente nos últimos anos, assim como o alpinismo vem ganhando cada vez mais popularidade.
Em se tratando de escalar montanhas, seja por esporte ou hobby, esta é uma atividade radical e que oferece muitos perigos. Por isto existem hoje, empresas especializadas para organizar, orientar e acompanhar os interessados em alguma dessas viagens. No caso do Everest, os Sherpas, nativos da região, têm grande vivência nesta prática e por isso são contratados para acompanhar os alpinistas e dar-lhes apoio. Contudo, o custo de uma expedição como esta é tão alto quanto o Everest, podendo chegar a U$ 200 mil dólares.
O Monte Everest está situado na Cordilheira do Himalaia, entre o Nepal (via sudeste) e a China (via nordeste). A via sudeste é a mais fácil de escalar. Mesmo assim, chegar ao topo do mundo não é tarefa fácil, pois é uma longa viagem. Além do que, os alpinistas têm de enfrentar condições extremas e nada compatíveis com a vida humana, como:
? Grandes altitudes ? são 8.848 m até o cume;
? Temperaturas que variam de 36˚C a -60˚C;
? Rajadas de vento;
? Tempestades fortíssimas;
? Avalanches, por deslocamento de geleiras;
? Pouco oxigênio rarefeito;
? Trechos íngremes.
No percurso, especialmente nos trechos íngremes, podem ocorrer longas esperas, em que apenas um alpinista consegue subir de cada vez, aumentando o risco da escalada, principalmente pela falta de ar. Muitos acabam tendo que desistir e voltar o mais rápido possível por dificuldades próprias ou de algum companheiro.
Estas situações causam severo desgaste físico e mental, podendo provocar, além de lesões, fraturas, congelamentos, amputações de dedos, orelhas, nariz, queimaduras de sol, enjôos, vômitos, tontura, perda de consciência, alucinações, insônia, rompimento de vasos sangüíneos no cérebro e até mesmo morte súbita.
Para enfrentar tantos desafios, é necessário levar equipamentos especializados, a fim de ter mais chances de sobrevivência e sucesso, porém gerando uma carga que se tem de carregar. Além de saber utilizar esses equipamentos, o alpinista, para enfrentar o Everest, precisa de preparo físico e psicológico prévios, além de desenvolver habilidades de equilíbrio para não rolar, pois é grande o risco de cair numa vala ou ficar preso entre as pedras; necessita desenvolver habilidades para levantar-se quando cair, sem se machucar ou machucar os parceiros e ser eficaz em resolver problemas...
Embora seja regra básica do alpinismo o socorro a alguém que esteja fragilizado ou cansado, nem todos aceitam correr riscos para ajudar ou desistir da conquista em favor do outro. Felizmente existem casos de pessoas que estão a poucos metros de atingir o tão esperado TOPO e acabam desistindo de continuar em solidariedade a um companheiro que não consegue mais prosseguir subindo.
Na descida de um Everest, nem todo Santo ajuda, pois as condições orgânicas dos alpinistas já estão muito debilitadas na volta e alguns não resistem passar por tudo novamente. A maioria consegue voltar, muitas vezes, com seqüelas. Porém é difícil imaginar o que leva essas pessoas a enfrentar inúmeras dificuldades e a arriscar suas vidas para poucos minutos no pico de um monte.
Quinze minutos de fama?
Adrenalina?
Testando limites?
Não vem ao caso fazer julgamentos nem críticas a ninguém, porque as razões estão profundamente internalizadas em cada um.
Entretanto, é certo de que a experiência os ensina a lutar, a transformar-se, a cuidar de si e do outro, a valorizar mais o tempo, a ser mais profundos e fortes, a ouvir o silêncio, a vencer o medo do fracasso a manter-se na "vertical" diante da fortaleza da pedra.
Quando alguém que se ama tem Alzheimer, a escalada de seu cuidador é muito semelhante a do alpinista: terá de enfrentar os altos custos com os cuidados, o difícil manejo dos comportamentos, uma rotina repleta de extremos e muitas vezes sua caminhada será solitária mas também PLENA DE ENSINAMENTOS...
É comum o cuidador desistir de seus sonhos, abdicar de suas atividades, deixar sua vida de lado por seu ente querido, enquanto que outros prosseguem.

E a mulher é quem carrega o maior fardo, tanto por ser mais vulnerável para desenvolver a doença, quanto pela responsabilidade de cuidar de alguém assim. Não há salário no fim do mês, nem folga semanal, feriado e muito menos férias. Um trabalho pouco valorizado ainda e que pode resultar-lhe em marcas profundas.

Como este cuidador consegue abastecer-se de amor no Alzheimer, o mundo ao seu redor também não compreende muito bem. Quem encara fortalezas com tanta garra e coragem só pode ser porque este seja, realmente, um verdadeiro HERÓI, anônimo e possuidor de algo a mais que uma simples imagem.

Ele entende muito bem que não consegue evitar as perdas de seu ente querido, mas que pode fazê-lo sentir-se amado e amparado até o final.

É nos altos e baixos do Alzheimer, que se consegue treinar a subir e a descer a maior montanha do mundo e a amar incondicionalmente o ser humano.

Mantenha-se vertical, amigo cuidador...

VOCÊ MERECE TODO O NOSSO RESPEITO!