ALUCINAÇÕES...
Por Francisco Antônio Saraiva de Farias | 30/11/2012 | CrônicasALUCINAÇÕES...
Manhã, seis e meia. Uma garoa fina embaçava o vidro da janela. Lá fora o barulho dos carros tirava-lhe um pouco das recordações boas e ruins, perdoáveis e imperdoáveis, esquecíveis e inesquecíveis. O mundo, grande palco do consumo, onde todos se digladiam em busca de visibilidade, espaço... despertava para mais um dia. Numa visão vaga, por cima do capô de um carro, vislumbrou você lutando para conservar seus impasses em busca do verdadeiro amor, que, uma vez encontrando, tudo fará para não perdê-lo...
Estava numa avenida bonita, movimentada, cheia de luzes multicores, bandeiras picotadas, dando uma vaga impressão de que a cidade estava em festa. No entanto, por baixo das trêmulas bandeiras, via rostos transfigurados. Estampado nos olhos e nos gestos notava que todos estavam insatisfeitos e inconformados... Em meio a essa resignação misteriosa e multicor, uma voz se fez ouvir, nervosa, descompassada, mas com uma nitidez e autenticidade que fez calar todas as criaturas, com a mensagem retumbando forte em meio à revolta terrena e as locomoções rarefeitas do universo... Não falava de festas, tampouco de desfiles mundanos. Falava de liberdade, democracia e perguntava até quando teríamos que suportar o tolhimento de nossos ideais e quando deixaríamos de ser forçados a transportar opiniões preconcebidas, juntamente com os fatos válidos... Falava de uma sociedade sem o equilíbrio perfeito da aceitação cega da imitação e a experimentação progressiva e racional; cobrava condições de trabalho realmente humanas, falava de igualdade, justiça, direitos... Quando, de repente, uma chuva de cassetetes caiu sobre a sua cabeça... E, por cima do capô de um carro, vislumbrou novamente você, clamando por piedade, paz e compreensão para não perdê-lo...
Acordou!... Sentiu o suor escorrendo na face e pensou que fosse sangue. Procurou por você e viu que nunca poderia estar ao seu lado... Quando a voz cativa de sua velha mãe soou dizendo que estava atrasado para o trabalho...
Ofuscado pelas réstias dos primeiros raios de sol projetados no quarto pelos vidros da janela consultou o velho relógio de pulso e viu que os seus ponteiros acusavam oito e meia...
Levantou-se, num ímpeto e, de mãos postas, orou para Deus nunca mais condenar-lhe às alucinações iguais àquelas...