Altos executivos

Por Romano Dazzi | 18/05/2009 | Contos

 ALTOS EXECUTIVOS

 de Romano Dazzi

 

A crise, sabe-se, está fazendo muitas vítimas.

Não só entre os desfavorecidos - operários, ajudantes, balconistas, mensageiros;  a maioria deles teve altos e baixos ao longo da vida, ontem com emprego, hoje na rua,  tendo que recomeçar. Sob um certo aspecto, estão bem mais preparados para o inevitável, do que os executivos; são em geral comunicativos e expertos, têm ligações, contatos, antenas ligadas para todo o lado.  Pobre ajuda pobre sempre que puder; o rico, nunca.

 

A crise, entre os altos executivos,  é muito pior. 

Porque são pessoas mal acostumadas, com status, que sempre gastaram muito, tiveram um fluxo de entradas permanente, regular e nunca tiveram que se preocupar com o vil metal e seus múltiplos usos.

A cabeça deles estava virada para a tarefa de enriquecer a companhia, o patrão, e – porque não? – eles próprios.

Mas agora a coisa chegou para quebrar, e chegou feia. 

Meses atrás, quando a crise começou, quatro deles se reuniram, como sempre, no bar do Frederico, no final de uma tarde de sexta feira. 

A conversa foi péssima; diante de tantos números negativos, indicadores em queda,  dados desanimadores, cada um tratou de traçar um plano de defesa, ou uma rota de fuga.

Planejadores calejados, não deveriam ter dificuldade para sobreviver. 

Resolveram encontrar-se três meses depois, para conferir  o tamanho da crise  e o resultado do esforço de cada um .

O tempo passou - depressa demais, na verdade – e já estavam de novo sentados à mesa no botequim do Frederico.

Adão foi o primeiro a falar: - “Amigos, bati a cabeça durante umas boas semanas, mas no fim, encontrei a solução de meus problemas!...” 

Os outros levantaram um coro de admiração e de alívio. Afinal, em situações parecidas, a lógica é aplicar soluções paralelas.  E isto dá sempre uma esperança

- “ Qual foi ? Fala! Fala! “  

-“ Minha mãe! Ela tem uma casa grande, um bom rendimento que meu pai deixou; a casa está perto da nova escola dos meus garotos. Tudo combinou, menos dois pequenos problemas: ela não se dá muito bem com a  minha mulher ; e meus dois irmãos tiveram a mesma idéia que eu tive. Ficou tudo um pouco apertado, mas deu para ajeitar..”

Levantou-se um comentário de desapontamento e de protestos. Não era uma solução. Era um paliativo, incômodo, provisório e destinado ao fracasso. Mas Adão parecia não ter percebido a fragilidade de sua situação.

Pediram uma nova rodada de cerveja, para festejar:  pelo menos, Adão não tinha acabado no meio da rua, ou pior, na sarjeta, com mulher e filhos.

Era a vez do Batista; ele foi menos eloqüente, mais contido;

- “encontrei a minha paz!” – disse ele, num suspiro. Os outros entreolharam-se,    desconfiados. – Deus é o meu pastor, e a minha igreja é o meu porto seguro. Nela estou  a salvo das tempestades e do frio....” e continuou nessa toada, até que alguém tomou a dianteira e gritou : - “Frederico! Outra rodada, bem gelada!”.

Era a vez do Carlinhos. Miudinho e ágil, o Carlinhos atacou logo o seu lado do problema. – “ Gente, durante anos ajudamos, contribuímos, participamos nas despesas de nosso Sindicato. Além das mensalidades obrigatórias, eram quermesses, festas, reuniões, bingos e ações entre amigos... Nem sei quanto  dinheiro foi parar no Sindicato; mas agora chegou a ocasião de receber tudo de volta. Fui à Sede, conversei com as pessoa, que me deram razão e partimos para o ataque...”

-“ Que ataque, Carlinhos? Está todo o mundo de tanga, no fim da picada, e você vem com  conversa de ataque?...”

- “ Esperem e verão. Vamos mover uma ação contra as autoridades, que devem ser responsabilizadas por esta crise.  Vamos exigir indenização. Vamos reivindicar o que é nosso!....Basta reunir as forças para contratar um bom estúdio de advocacia!....”        

- “ Mas, em miúdos, do que você está vivendo? “

- “ Do salário-desemprego. Mas este é o último mês. Gente, se puderem me ajudar, as crianças agradecem. Minha mulher já me deu o fora e o momento é difícil....”

Os outros sentiram que aquela bola toda do Carlinhos estava murchando, achatando. Ele mesmo parecia estar ficando  menor, mais humilde; e estava de repente dez anos mais velho.  Deu pena. 

- “ Frederico! Outra rodada, geladinha!...” gritou o Domingos

Carlinhos calou-se, sentou no seu cantinho e só aceitou a cerveja depois de muita insistência.

Todos viraram para o Domingos.

Ele deixou que a curiosidade crescesse, transformando-se em coceira, em impaciência.

Por fim, soltou a bomba: -“ Sou dono de um carrinho de hot-dog!.”

Incrédulos, pasmos, tomados completamente de surpresa, todos reagiram mal a esta novidade; ele continuou: “- Estou ganhando bem,  tenho uma clientela fiel e faminta, estou ampliando o negócio...”

-“ Mas já? Em três meses apenas?

Em dois. Perdi um fazendo contas na C10. Nada dava certo. Até que resolvi jogar fora a máquina e usar o joelho “.

-“ Joelho e lápis, no sistema português ? Não acredito, Domingos!...”

 ‘ Pois é. Nem eu acreditava. Mas feitas as contas, é uma grande negócio”.

-“ Mas e a faculdade? O Mba?  A especialização em inglês, o curso de chinês,  o ciclo de técnicas financeiras avançadas ...você sempre foi o crânio, o mais capaz,  o mais  inteligente....”

- “ Meus amigos, eu nunca disse que era tudo isso. Eram você que falavam.

Mas pensando bem, talvez tivessem razão.

Agora, quero convida-los a viver uma experiência única, excepcional.

Estou vendendo três franquias de carrinhos de hot-dog. – apenas três.  

Este é o verdadeiro negócio da China.

O resto, é crise, boataria, conversa mole.

Se aceitarem, podem começar segunda feira.”

 

E diante dos três amigos estupefatos, sem palavras, sem respostas, mas já inclinados a aceitar a proposta, virou-se para o balcão e gritou :

“Frederico! Outra rodada, urgente! E bem gelada, desta vez, por favor!  Vamos festejar o fim da crise! “