Alienação Parental

Por Adriana de Barros Ribeiro Prado | 09/02/2015 | Direito

RESUMO

 

O presente trabalho possui como objetivo realizar uma a análise detalhada Lei 12.318/10, promulgada em 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre a alienação parental, fenômeno que surge quando ocorre uma ruptura na vida conjugal. Nesse diapasão torna-se primeiro necessário realizar um estudo sobre a evolução do conceito de família, poder familiar e separação conjugal. A Lei irá prevê quem são os sujeitos envolvidos nesse ato, quais condutas do alienador e suas respectivas medidas punitivas, a fim de proteger a principal vítima: a criança. O método de abordagem teórica da pesquisa é o dedutivo, verificado através do referencial teórico, que seria a Lei da Alienação Parental. É através das ferramentas trazidas por esta lei, que o processo de destruição e descrédito do ex-parceiro, bem como as condutas características desse autor, são identificadas. Importante frisar que este instituto foi descoberto pelo Professor de Psiquiatria Richard Alan Gardner, em 1985, com a denominação de Síndrome da Alienação Parental, sendo disseminada no Brasil apenas como Alienação Parental. E por haver ainda divergências doutrinárias no nosso País entre Alienação Parental e Síndrome da Alienação Parental, este trabalho seguirá a doutrina majoritária a qual trata os termos como semelhantes.

Palavras-Chave: Evolução da Família. Alienação Parental. Condutas do alienador.                Medidas punitivas.

1. ESTUDO DAS FAMÍLIAS

 

1.1  EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FAMÍLIA

 

A etimologia da palavra família deriva do latim “famulus”, que significa escravo doméstico, servidores. Sendo ela considerada a primeira e mais importante instituição organizada de todos os tempos, uma vez que é a base de todas as demais. A família é considerada a essência para o desenvolvimento da sociedade e principalmente do ser humano.

 O instituto família vem evoluindo ao longo das gerações de acordo com as mutações sociais sofridas com o passar dos séculos.

No Brasil houve uma forte influência do modelo romano, canônico e germânico no que tange a conceituação desta instituição jurídica, no decorrer dos séculos XVI ao XVIII, período em que o país era colônia de Portugal, momento em que não existia uma codificação que regulamentasse o tema.

 Na Roma, a família era representada pela figura pater famílias, que era exercida pelo ascendente vivo mais velho, do sexo masculino, onde detinha além da função de chefe da família, era revestido também da autoridade de sacerdote (potifex) e de juiz (domesticus magistratus). Ressaltasse que este poder de comando era exercido sobre todos os seus descendentes independentemente do laço consanguíneo.

O casamento romano possuía uma base nitidamente consensual, que se devia sempre renovar e permanecer, tendo um fim quando esse acordo cessasse . O divórcio decorria então, da natureza consensual do matrimônio e exigia igualmente o firme propósito de separação definitiva.

Com a evolução do Cristianismo e ainda com a influencia do direito canônico, a conceituação de família sofre mudanças, pois devido a aproximação entre o Estado e a Igreja, torna o matrimonio um elemento essencial para a formação do ente familiar, de forma a não admitir o reconhecimento de outros modelos se não aqueles constituídos através do casamento. A separação então deixa de ser aceita, sob o argumento da Igreja de que o homem não poderia dissolver uma união em que Deus teria consentido. 

Ocorre que, ao longo do tempo com as constantes mudanças sociais e a ocorrência  de um numero cada vez maior de agrupamentos familiares, passa-se a exigir uma maior proteção do Estado, fazendo com que as autoridades canônicas fossem sendo absorvidas pelas autoridades civis, que passaram então a legislar sobre o direito de família, tentando respaldar esses direitos mesmo antes do advento do Código Civil de 1916.

Algumas dessas legislações emergentes foram: o Decreto de 03.11.1827, que previa diversos assuntos sobre o casamento e a unidade familiar, tais como provas de casamento, regime de bens, outorga uxória entre outros. Ainda na metade do século XIX, instituiu-se uma legislação especial que regulava o casamento de pessoas não católicas, desde que estivessem registradas, através da Lei 1.144 de 11.09.1861.  

Entretanto, o grande marco acerca da consolidação das leis civis  foi elaborado por Augusto Teixeira de Freitas, que durante o Brasil-Império no ano de 1855, foi contratado por D. Pedro II, para realizar este trabalho e que foram publicados em 1861. Sendo denominado de  “Esboço” de 4.908 artigos divididos em parte geral e especial, tornando esse jurista pioneiro quanto a sistematização do nosso direito civil, que até então era esparsa.

Com o advento do Código de 1916,  ou Código de Clóvis Beviláqua, como ficou conhecido, uma obra elaborada com reflexos de uma sociedade colonial, escravocrata, onde o homem era superior a mulher, tendo essa lei concluída no ano de 1889. Foi a primeira legislação civil brasileira, tendo seu nascedouro nos primeiros anos em que o Brasil havia se tornado um República.

Segundo ensina o ilustríssimo autor FACHIN (2001, p.8):

A família do Código Civil do começo do século era hierarquizada, patriarcal, matrimonializada e transpessoal, de forte conteúdo patrimonialista, uma vez que colocava a instituição em primeiro lugar: o indivíduo vivia para a manutenção e fortalecimento da instituição, que se caracterizava como núcleo de apropriação de bens nas classes abastardas.[1]

            Ainda sobre a codificação civil de 1916, preconizava em sua versão original a sociedade conjugal de uma forma institucionalizada e hierarquizada, comandada pelo marido, caracterizando a família como uma sociedade eminentemente patriarcal. Desta forma vale expor na íntegra o referido texto legal:           

Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251). (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

Compete-lhe:

I - a representação legal da família;(Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

II - a administração dos bens comuns e dos particulares da mulher que ao marido incumbir administrar, em virtude do regime matrimonial adotado, ou de pacto antenupcial (arts. 178, § 9º, I, c, 274, 289, I e 311);(Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

III - o direito de fixar o domicílio da família, ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao juiz, no caso de deliberação que a prejudique; (Redação dada pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962)

IV - Inciso suprimido pela Lei nº 4.121, de 27.8.1962:

Texto original: O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residencia fora do teto conjugal (arts. 231, II, 242, VII, 243 a 245, II e 247, III)

IV - prover a manutenção da família, guardada as disposições. [2]

            Diante dessa exposição, podemos perceber que neste momento, que a legislação da época não dava importância ao afeto nas relações familiares, entretanto a estabilidade da família matrimonializada era posta acima de qualquer busca da felicidade dos indivíduos que a compunham.

            A partir da Constituição de 1934, a família passou a receber proteção do Estado. Nesta Carta, houve a determinação de que o casamento seria indisolúvel, mas, previu os casos de anulação e desquite.

            No que tange a Constituição de 1937, dispôs em seu texto a igualdade entre os filhos considerados legítimos e naturais. A de 1946 não inovou no conceito de família e a de 1967 manteve a ideia de que família somente era aquela constituída pelo casamento civil. Em contrapartida, a emenda constitucional de 1969, que manteve a indissolubilidade do casamento, foi modificada com o advento da Lei do Divórcio de 1977, que regulamentou os casos de dissolução da sociedade conjugal,  modificando de forma significativa o Código Civil d 1916, na qual o casamento era indissolúvel.

         Alteração significativas no direito pátrio, surgiram com a Constituição de 1988, trazendo também as novas formas de família já reconhecidas pela sociedade, quais sejam, a união estável (§3º, art. 226, CF) e a família monoparental (§ 4 º, art. 226, CF). A nova Carta Magna brasileira, consagrou ainda o princípio da dignidade humana como cláusula pétrea (artigo 1º, III, CF/88), e ainda os princípios básicos como o da família moderna, como o da liberdade e da igualdade, estabelecendo uma nova ordem jurídica.

            Nas palavras de Pedro Belmiro Weltero (2004, p.79) “a família passou a ser estabelecida pelo casamento, união estável ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, denominada família monoparental, nuclear, pós-nuclear, unilinear ou sociológica [...]”, dessa Lei máxima de nosso ordenamento descarta o caráter econômico e da procriação da família, buscando agora o ideal da felicidade e o vinculo principal da afetividade.

            À luz do novo texto constitucional onde assegurou a dignidade da pessoa humana a todos sem distinção, permite uma nova caracterização ao termo família, na medida em que passa a reconhecer sem nenhum tipo de preconceito, todas as entidades adivindas de laços de afeto.       Pois vale ressaltar que, antes da Constituição de 1988 o casamento era a única entidade familiar prevista expressamente.

            E sobremodo importante assinalar que com o surgimento dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da afetividade que convergiram para as normas infraconstitucionais, em particular para o direito de família, e ainda com as transformações sociais, a conquista da afetividade como um papel central no reconhecimento das diversas formas de entidades familiares que se percebe na contemporaneidade.

            Houve também o reconhecimento jurídico da união estável, onde no passado era atribuída como uma relação de concubinato, atualmente em análise aos artigos 226 ao 230 da Constituição Federal de 1988, podemos verificar que o casamento deixa de ser imprescindível para a construção de uma entidade familiar,  a partir do momento em que o legislador reconhece essa união.

            Em suma a Constituição, adotou uma nova ordem de valores, gerando uma grande revolução no direito de famílias, pois quando ela privilegia a dignidade da pessoa humana, geram três mudanças muito importantes. A primeira seria no texto de seu artigo 226, onde afirma que a entidade familiar deixa de ser singular e passa a ser plural, podendo ser criada de diversas formas e não só com o casamento. A segunda transformação encontra-se no § 6º do artigo 227, aceitando como membro da família os filhos havidos fora do casamento e a terceira grande revolução situa-se nos artigos 5º, inciso I, e 226, §5º, ao consagrar o principio da igualdade entre homens e mulheres, com essa grande inovação extinguindo centenas de artigos do Código Civil de 1916.

            A família monoparental se tornou também uma entidade familiar explicita no texto constitucional, que pode ser conceituada como aquela família formada por um homem ou uma mulher, que não possui cônjuge ou companheiro e que prove a criação de seus filhos sozinha ou sozinho.

            O fenômeno da monoparentalidade está cada vez mais presente em nossa sociedade, ele foi uma consequência trazida pelas mudanças em nosso contexto social, tais como o divórcio; a liberdade sexual, que permite o aparecimento das mães solteiras; as permissões de adoções a partir dos 18 anos de idade, independente de sexo, entre outros.

            Convém ressaltar, que essas diversas mudanças sociais havidas na segunda metade do século passado, com o advento da Constituição Federal de 1988 e ainda com todas as inovações citadas, levaram à aprovação do novo Código Civil de 2002.

 

1.2  CONCEITO ATUAL DE FAMÍLIA

Como bem leciona Maria Helena Novaes (2006, p.227), “a família continua a ser ainda sonhada e desejada por homens de todas as idades, de todas as orientações sexuais e de todas as condições, por ser capaz de estabelecer uma nova ordem simbólica”. [3]  

Pode-se dizer que a família dos nossos dias, contudo, difere das formas antigas no que concerne a suas finalidades, composição e papel de pai e de mãe. O Código Civil de 2002 instituiu a igualdade jurídica entre os homens e as mulheres, não só na forma de cônjuges, enlaçados pelo casamento, mas também na condição de companheiros. 

Em sintonia com esse novo contexto, o que identifica a família não é nem a celebração do casamento, nem a diferença de sexo. O elemento diferenciador da família, que a coloca sob o aspecto jurídico, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo.

Preleciona o ilustríssimo doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2010, p.34) sobre o Código Civil de 2002: 

O novo diploma amplia, ainda, o conceito de família, com a regulamentação da união estável como entidade familiar; revê os preceitos pertinentes a contestação, pelo marido, da legitimidade do filho nascido de sua mulher, ajustando-se à jurisprudência dominante; reafirma a igualdade entre filhos em direitos e qualificações, como consignado na Constituição Federal; atenua o princípio da imutabilidade do regime de bens no casamento; limita o parentesco, na linha colateral, até o quarto grau, por ser este o limite estabelecido para o direito sucessório; introduz novo regime de bens, em substituição ao regime dotal, denominado regime de participação final nos aquestos; confere nova disciplina à matéria de invalidade do casamento, que corresponde melhor à natureza das coisas; introduz nova disciplina do instituto da adoção, compreendendo tanto a de crianças e adolescentes como a de maiores, exigindo procedimento judicial em ambos os casos;regula a dissolução da sociedade conjugal, revogando tacitamente as normas de caráter material da Lei do Divórcio, mantidas, porém, as procedimentais; disciplina a prestação de alimentos segundo nova visão, abandonando o rígido critério da mera garantia dos meios de subsistência; mantém a instituição do bem de família e procede a uma revisão das normas concernentes à tutela e à curatela, acrescentando a hipótese de curatela do enfermo ou portador de deficiência física, dentre outras alterações.[4]

            Pode-se frisar então, que as alterações ocorridas ao direito de família advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, só vieram ratificar a função social da família para o direito brasileiro.t001007MTMwOU8xMjEzUjQ0MjAw58 t001007MTMwOU8xMjEzUjQ0MjAw58 A partir dessa constatação, pode-se afirmar que a palavra família não tem um único sentido, ao contrário, esta expressão varia conforme o tempo e espaço, na medida em que a sociedade vai se modificando.

Hoje em dia, o conceito de família que melhor se adapta às novas regras jurídicas é ensinado por Arnaldo Rizzardo (2008, p.12) como “conjunto de pessoas com o mesmo domicílio ou residência, e identidade de interesses materiais e morais, integrado pelos pais casados ou em união estável, ou por um deles e pelos descendentes legítimos, naturais ou adotados” [5].  

Neste mesmo diapasão, elucida (2002, p.14) Caio Mário da Silva Pereira que “A família é responsável pela criação e educação de seus filhos, pela orientação para uma vida profissional e pelos ensinamentos de solidariedade doméstica e cooperação recíproca. E, ainda, de extrema importância, é o local onde se adquire os bons ou maus hábitos que promovem influência na projeção social do indivíduo”. [6]

Por tudo isso, o que se espera de uma família é que ela transmita o cuidado, a proteção e principalmente os vínculos de afeto, que são os aspectos que realmente constroem uma identidade familiar e a sua devida inclusão social na comunidade em que vivem, enfim, que promova uma boa qualidade de vida a seus membros.

1.3 A EMANCIPAÇÃO DA MULHER E O DECLINIO DA SOCIEDADE  CONJUGAL PATRIARCAL

     

A figura feminina veio se desenvolvendo no mundo jurídico e na sociedade, ganhando seu espaço de forma lenta. Antigamente ela não possuia importância no mundo jurídico, econômico, político, nem social, para a família ela era apenas importante nos afazeres do lar, e como procriadora.

     A mulher tinha um papel tão banalizado na sociedade que a própria legislação a considerava relativamente incapaz através da Lei 4.121/1962 Estatuto da Mulher Casada.

            Dentro da sociedade patriarcal a mulher não possuía nenhum poder de decisão diante dos conflitos surgidos dentro da esfera familiar. Esse cenário se rompeu, primeiramente com o fim do princípio da indissolubilidade do casamento, através da Lei do Divórcio em 1977, pondo um fim na resignação feminina.

Outro marco importante, surge quando é consagrada pela Carta Maior a igualdade entre os cônjuges em relação ao poder familiar, não cabendo mais exclusividade ao homem para dirimir os conflitos e decidir sobre qualquer assunto na entidade familiar, fazendo com que a mulher exerça agora sua participação no seio familiar.

Assim dispõe o Art. 226, § 5° da Constituição Federal de 1988 o seguinte: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Atualmente sabemos que a história da família está intrinsecamente ligada as longas lutas travadas pelas mulheres para alcançar sua cidadania, e pelo menos no plano legal, alcançar a tão desejada igualdade. E que essa mulher obteve sua emancipação principalmente graças a sua independência pessoal e profissional.



[1] FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da família do novo milênio..., p.8.

[2] BRASIL. Código civil. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, artigo 233. Revogado pela Lei 10.406 de 2002.

[3] NOVAES, Maria Helena. A convivência entre as gerações e o contexto sociocultural. In: PEREIRA, Tânia da Silva; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coords.). A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 227.

[4] GONÇALVES, Carlos Roberto, Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. P.34

[5] RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 12.

[6] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: Direito de Família. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, v. 5, p. 14.

 

 

 

 

 

 

 

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