Alfabetização e Variação Linguística

Por Diego Fernandes Albuquerque | 06/04/2017 | Educação


ALBUQUERQUE, Diego Fernandes[1]

 

Resumo

Este ensaio tratará dos métodos de alfabetização e da influência da variação lingüística para a aquisição da escrita. Tal influencia quando negligenciada pode prejudicar o processo de ensino-aprendizagem. Queremos ressaltar seu valor durante este processo. O estudo apoia-se nos pensamentos de autores como Lemle (2005) e Capovilla (2010).

Palavras- chave: Alfabetização, Métodos, Variações linguísticas. 

  1. INTRODUÇÃO 

Este ensaio tratará da influenciada variação lingüística sobre o processo ensino-aprendizagem da escrita e leitura para crianças. Temos por objetivo discutir alguns conceitos de alfabetização e sobre a importância que as variantes linguísticas possuem no processo de aquisição da leitura e da escrita. Muito mais do que codificar e decodificar, a alfabetização é um processo lento e que exige do professor alfabetizador uma bagagem de conhecimento sobre o sistema lingüístico.

 A alfabetização passou por muitas fases ao longo da história. Muitos são os métodos de ensino propostos pelos teóricos. Existem métodos mais tradicionais e métodos mais inovadores, percebemos até mesmo certa disputa entre os métodos por uma hegemonia. Trataremos aqui dos métodos sintéticos e analíticos, e também sobre o construtivismo de Piaget.

Daremos foco nas variações linguísticas, que se fazem importante na execução do processo, tendo em vista, que a escrita é neutra em relação à pronúncia o professor deve ter como objetivo escolher qual método servirá para uma eficaz aprendizagem de seus alunos.

Por isso se torna importante que os mesmos conheçam mais sobre esses métodos alfabetizadores e saibam que a relação entre unidade sonora e letras nem sempre é regular; existem relações arbitrárias que o alfabetizando, sejam eles crianças ou adultos, devem tomar conhecimento na aquisição da escrita.

O alfabetizador deve ser um profundo conhecedor do sistema gráfico e para tanto é necessário que esteja atento as particularidades da fala de cada aluno para que possa trabalhar em cima dessas particularidades. Alfabetização não é um processo fácil, por isso, o professor, não só o de primeiro ano, mais também os seguintes devem sempre dá continuidade a esse processo, tendo em vista, a dificuldade muitas vezes permanente na aprendizagem da leitura e da escrita. E claro, ter uma atenção especial as variantes linguísticas de seus alunos para melhor sistematizar suas aulas. 

  1. CONHECENDO OS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO 

 Para alfabetizar uma criança é preciso em primeiro lugar que o professor saiba como lidar com o processo de alfabetização. Com isso surge a necessidade de conhecer os diversos métodos de ensino e refletir sobre práticas que mais contribuem no processo de aprendizagem.

De acordo com Lemle (2005) nos parâmetros educacionais existem dois grupos de métodos oficiais de alfabetização para orientar os professores, são eles: o sintético e o analítico. O método sintético estabelece uma correspondência entre o som e a grafia, entre o oral e a escrita, através do aprendizado letra por letra, sílaba por sílaba e palavra por palavra. Baseando no ponto de vista mental, o indivíduo é capaz de perceber os símbolos gráficos de uma forma geral, como um todo, dando-lhes significados, para posteriormente ser capaz de analisar suas partes. O método sintético se divide em: alfabético, fônico o e silábico.

Já o segundo grupo de métodos, o analítico, são métodos que levam o aluno a analisar o todo, ou seja, “a palavra” para chegar às partes que a compõem. O método analítico tem por objetivo, fazer com que as crianças compreendam o sentido de um texto, não ensina a leitura através da silabação, incentiva os alunos a produção de textos prestando atenção ao uso da pontuação, estimula a leitura e deixa o aluno à vontade para expor suas ideias. O método analítico apresenta-se como palavração e sentenciação.

No entanto, mesmo havendo esses dois métodos de alfabetização já consolidado pelos parâmetros educacionais, com os estudos de Ferreiro e Teberosky (1986) surge um novo modelo de ensino, o construtivismo baseado nas teorias de Piaget, que apresenta outra forma de alfabetizar se opondo totalmente aos métodos anteriores.

Essa nova concepção de ensino defende uma alfabetização contextualizada e, portanto, significativa que deve dar-se por meio da transposição didática das práticas sociais de leitura e escrita para o contexto da sala de aula. Com isso pouco a pouco ela elabora hipóteses sobre o que a escrita representa. Neste processo, por meio da ação reflexiva da criança, a consciência fonológica desenvolve naturalmente, não sendo necessárias práticas sistemáticas para sua estimulação. Na concepção construtivista, o aluno deve ser levado a pensar sobre a escrita e, assim, construirá e reelaborará seu próprio conhecimento.

Porém mesmo havendo essa discussão sobre qual método é mais eficaz, e a desconsideração dos demais métodos pela teoria construtivista, ao estudarmos fonética compreendemos no método sintético a importância do método fônico no processo de alfabetização.

Segundo Lemle (2005) para a criança ser alfabetizada precisa compreender a relação simbólica entre dois objetos, entender o símbolo como som de fala, captar e distinguir os diferentes sons. Diante disso surge o grande desafio dos professores alfabetizadores de levarem os alunos a entenderem, ao longo do processo de alfabetização, as noções de fonema e grafema. Entender, por exemplo, que fonema, som da fala, faz parte do chamado módulo fonológico, uma herança genética do ser humano.

Com isso surge a necessidade de alfabetizar usando o método fônico, pois ele consiste no aprendizado através da associação entre fonemas e grafemas, ou seja, sons e letras. De acordo com Capovilla&Seabra (2010, p.80) “a instrução fônica sistemática produz benefícios significativos para as crianças desde o ensino infantil até a sexta série e para aqueles que têm dificuldade em aprender a ler”. Esse método de ensino permite primeiro descobrir o princípio alfabético e, progressivamente, dominar o conhecimento ortográfico próprio de sua língua, através de textos produzidos especificamente para este fim.

Através do método fônico, percebemos também a presença da variação linguística no processo de alfabetização, pois graças ao estudo do fonema, podemos distinguir morfemas ou palavras com significados diferentes como, por exemplo, as palavras faca e vaca distinguem-se apenas pelos primeiros fonemas /f/ e /v/.

Contudo levando em consideração os estudos de Lemle (2005) percebemos que para haver eficácia no processo de alfabetização tanto através do método fônico como nos demais métodos é necessário que o professor compreenda as fases distintas de alfabetização para assim aplicar atividades corretas para o desenvolvimento da consciência fonológica, tendo em vista que essa é a primeira etapa do desenvolvimento da aprendizagem da criança. 

  1. VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO 

Entendemos como variação lingüística as diferenças estabelecidas na língua por ação dos seus falantes ao empregá-la nas mais diversas situações discursivas. Variações estas que ocorrem em vários níveis da língua; no nível fonológico, no nível lexical e mesmo no nível sintático. São vários os países que se utilizam da Língua Portuguesa, mas as línguas mudam e não é falada do mesmo modo por todas as pessoas que dela se utilizam.

E por que será que não falamos todos de um mesmo modo? Segundo Lemle (2005), Todas as línguas mudam numa sucessão de passos, pois cadaova geração de uma comunidade lingüística introduz alguma mudança na língua. Portanto, de acordo com o tempo as línguas vão mudando, pois, como Lemle afirma a cada nova geração que vem, junto a ela vem também certa mudança na língua, que essa pode se classificar como Variação Histórica. Se lêssemos um texto escrito há um tempo anterior iríamos perceber a mudança visível na língua escrita.

A Variação Linguística é considerada um componente da identidade de cada indivíduo, pois, através dela se expressa traços sociais e culturais adquiridos em sua comunidade de fala durante toda sua vivência. A variação linguística é um fator muito importante, sobretudo no início da escolarização, outro fator é como essas variantes são consideradas pelos professores, no momento em que os alunos trazem consigo de sua comunidade, e mostram isso nos primeiros momentos na escola, ou seja, nos primeiros passos no processo de alfabetização. Se os professores estão preparados para lidar com esse assunto e se sabem diferenciar “erro” de variação, pois é assim que por maioria das vezes é caracterizado. Mesmo que essa questão do estudo dos efeitos das variações linguísticas no processo de aquisição de leitura e escrita sejam aprovados, e reconhecidos teoricamente como cruciais, mesmo assim não tem sido motivo para maior atenção para o professor alfabetizador, que muitas às vezes não têm a formação adequada para tal questão em sua atividade profissional.

Uma área de estudos desse assunto é a Sociolinguística, ciência que estuda a linguagem sem separá-la do contexto social em que está sendo usada. Para Bortoni-Ricardo (2006), o que, muitas vezes, a sociedade estabelece como erro na fala das pessoas, a Sociolinguística considera apenas uma questão de inadequação da forma utilizada às expectativas do ouvinte. Então para este ouvinte ele vê essa inadequação como uma desobediência das regras gramaticais, mas para a sociolinguística não passa de uma inadequação ou adequação de certas formas a certos usos.Portanto, quando este erro ocorre na língua escrita diz-se ser uma mudança de um código convencionado e prescrito pela ortografia, que se concretiza como um sistema que não prevê variações. (BORTONI-RICARDO, 2006).

Afirma Abaurre (1984), constitui consenso entre aqueles que possuem algum conhecimento sobre questões linguísticas, o reconhecimento de que o aluno, 'por mais marginalizado que seja, possui, ao iniciar o processo de alfabetização, um repertório linguístico perfeitamente adequado e suficiente para a expressão de seu universo de experiências. Entretanto, às vezes seu repertório é desvalorizado pela escola que ainda não assimilou esse conhecimento, sendo assim o aluno e sua cultura discriminados.

O professor deve ser flexível, a ponto de perceber e aceitar o conhecimento prévio que o aluno tem ao chegar à escola, deve lidar com essas questões, sabendo diferenciar as variações linguísticas dos erros gramaticais entre outros. E ainda saber levar o aluno a conhecer as outras variantes lingüísticas de sua língua, com o cuidado de não considerar a variante lingüística do alfabetizando como fator de discriminação. E não caracterizando sua variedade como “erro”, pois é através da linguagem que o indivíduo define seu perfil, sua identidade cultural, seu status social.

Para Bagno (1999) o “erro de português” que amedronta, intimida, e humilha tanta gente, simplesmente não existe. O que existe na verdade, seriam somente diferentes gramáticas para diferentes variedades do português São apenas variações linguísticas, ou seja, formas de falar que vão se constituindo aos poucos, ao longo do tempo. E todas elas corretamente perfeitas e válidas em seu contexto e todas merecedoras de respeito e valorização.

O professor alfabetizador que convive com a variação linguística, que a cada dia chega a sua sala de aula, precisa se dedicar a um estudo mais sério, que seja mais detalhado na questão da variação linguística, ou seja, uma boa formação na área da sociolinguística, pois a partir desse estudo, no conhecimento dessa área vão poder saber lidar com essa questão, traçando ideias para melhor desempenho em sua atividade profissional e sabendo também valorizar o conhecimento prévio do aluno ao chegar à escola. 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As causas e consequências das diferenças existentes entre a linguagem utilizada pelas classes populares e a linguagem formal utilizada pela escola são interpretadas de forma bastante diferente segundo a orientação teórica e ideológica dos educadores. Assim, os adeptos da teoria da deficiência/carência linguística pressupõem que a falta de experiências linguísticas adequadas seja uma das principais causas das dificuldades de escolarização dos alunos provenientes das camadas populares, baseando-se numa suposta privação e/ou inadequação das situações de interação e comunicação vivenciadas por essas crianças. Já os adeptos da teoria da diferença linguística defendem a ideia de que a escola é a principal responsável pelo problema escolar enfrentado por essas crianças, uma vez que não sabe lidar com a linguagem desses alunos, estigmatizando-a e transformando diferenças em deficiências.

Sendo assim, é importante que os professores do ensino fundamental tenham maior acesso aos conhecimentos fornecidos pela abordagem sociolinguística do ensino da língua materna, de modo a possibilitar aos seus alunos uma aprendizagem mais efetiva da língua padrão falada e escrita, sem desvalorizar ou negar sua linguagem espontânea. Tal objetivo se justifica, uma vez que a linguagem constitui um dos mais poderosos instrumentos de ação e transformação social, sendo a aquisição da norma-padrão fundamental para o exercício da cidadania.

Dentre as contribuições da linguística e sociolinguística que consideramos fundamentais e que precisam ser assimiladas e utilizadas na prática pedagógica pelos professores alfabetizadores, encontram-se a compreensão de que diferença linguística não significa deficiência, o que obriga a não estigmatizar formas de linguagem não-padrão, consideradas muitas vezes como "erradas", e/ou "feias". Tal perspectiva supõe que a língua padrão seja ensinada pela escola como uma outra forma de linguagem (bidialetismo), que o aluno deve dominar para ter acesso aos bens culturais de uma sociedade letrada. A compreensão de que a classificação das falas humanas em "certas" e "erradas" não tem base em critérios científicos, sendo antes expressão de avaliações e preconceitos de origem social. A compreensão de que, em sociedades letradas e complexas, a relação entre língua oral e língua escrita não é de identidade. Cada uma dessas modalidades tem a sua especificidade, sendo que a língua escrita não é superior ou mais correta do que a língua oral. E por fim, a necessidade de que o professoralfabetizador conheça a realidade linguística dos alunos, para que possa trabalhar de modo mais consciente com as especificidades fonológicas, morfossintáticas e semânticas das variantes linguísticas utilizadas por eles. 

REFERÊNCIAS

ABAURRE, M. B. (1984). Regionalismo linguístico e a contradição da alfabetização no intervalo. Seminário Multidisciplinar de Alfabetização.(p. 13-18) .Brasília: Inep.     

BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. (Ed. Loyola, 1999)     

BORTONI-RICARDO, S. M. O estatuto do erro na língua oral e na língua escrita. In:GORSKI, E.M.; COELHO, I.L. Sociolinguística e Ensino: Contribuições para a formação do professor de língua. Santa Catarina, Editora da UFSC, 2006

CAPOVILLA, Fernando; SEABRA, Alessandra G. Alfabetização: Método Fônico. 5. ed. São Paulo: Memmon, 2010.

FERREIRO, E. e TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre, Ed. Artes Médicas Sul. 1986.

LEMLE, Mirian. Guia teórico do alfabetizador. 16ª ed. São Paulo. Ática. 2005. 

[1] Graduando do Curso de Letras – Português pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA, E-mail: diegodeouro@yahoo.com.br