Água Viva

Por Carlos Moreira | 10/06/2007 | Literatura

 

Clarice pertence à chamada Terceira Fase do Modernismo brasileiro (ou Pós-Modernismo) e trouxe muitas inovações para a literatura no que diz respeito à temática, à estrutura da narrativa e á linguagem. Leia abaixo fragmento de um ensaio sobre seu livro Água Viva: “Em 1971, Clarice Lispector (1925-1977) conclui as quase duzentas páginas de um manuscrito intitulado "Objeto gritante". Composto na maioria de crônicas publicadas anteriormente em jornal, "Objeto gritante" é a radicalização de uma tendência em Clarice já flagrada no seu romance anterior, Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres (1969): a de enxertar fragmentos por assim dizer jornalísticos no tecido de suas narrativas literárias, instaurando "um novo estatuto do texto literário". Como sabemos "Objeto gritante" nunca foi publicado. Revisado e reduzido à metade, este manuscrito (se é que dele ainda podemos falar) seria publicado três anos mais tarde com novo título: Água viva (1973). Ao longo da revisão, elementos fundamentais ao projeto original foram suprimidos: o hibridismo de gêneros narrativos de diferentes estilos literários, a heterogeneidade no nível da linguagem de estilos e de temas, e, acima de tudo, o caráter autobiográfico de "Objeto gritante"”.  Características: O objetivo de Clarice, em suas obras, é o de atingir as regiões mais profundas da mente das personagens para aí sondar complexos mecanismos psicológicos. É essa procura que determina as características especificas de seu estilo. O enredo tem importância secundária. As ações - quando ocorrem - destinam-se a ilustrar características psicológicas das personagens. São comuns em Clarice histórias sem começo, meio ou fim. Por isso ela se dizia mais que uma escritora, uma "sentidora", porque registrava em palavras aquilo que sentia. Mais que histórias, seus livros apresentam impressões. Predomina em suas obras o tempo psicológico, visto que o narrador segue o fluxo do pensamento das personagens. Logo, o enredo pode fragmentar-se. O espaço exterior também tem importância secundária, uma vez que a narrativa concentra-se no espaço mental das personagens. Características físicas das personagens ficam em segundo plano. Muitas personagens não apresentam sequer nome. As personagens criadas por Clarice Lispector descobrem-se num mundo absurdo; esta descoberta dá-se normalmente diante de um fato inusitado - pelo menos inusitado para a personagem. Esse fato provoca um desequilíbrio interior que mudará a vida da personagem para sempre. Para Clarice, "Não é fácil escrever. É duro quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados". "Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas". "Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo." Podemos assim sintetizar seu estilo: 1) Sondagem Psicológica: em sua obra (como na de Machado e Drummond) o que interessa é a compreensão do indivíduo, a análise de suas angústias e dramas existenciais. O fato em si pouco importa, o que de fato importa é a repercussão do fato no indivíduo. 2) Ruptura com a linearidade narrativa: misturam prosa e poesia, Clarice constrói uma narrativa sem enredo, ou seja, sem começo, meio e fim. Baseada na memória e na emoção, a personagem de Água Viva dispara sua linguagem num fluxo de consciência que faz lembrar a “escrita automática” dos surrealistas. 3) Monólogo Interior: a introspecção da personagem deixa a voz falar sem arreios nem ordem cronológica. A narradora assume o papel de eu-lírico, somando lirismo e ficção. 4) Pouco ou nenhum espaço exterior: a narrativa concentra-se no espaço mental das personagens. 5) Não-descrição: características físicas não são importantes. O que interessa é o conjunto de características psicológicas. A personagem de Água Viva não diz sequer seu nome. 6) Mundo Absurdo: geralmente as protagonistas são mulheres que de repente se descobrem num mundo absurdo. Essa descoberta costuma ser detonada por um fato inusitado, que provoca um desequilíbrio interior que mudará a personagem para sempre, pois ele descobriu a Sua Verdade. O Instante-já: A captação do instante é na obra de Clarice uma verdadeira obsessão. O É do segundo que passa tenta ser captado em toda sua potência. O tempo real praticamente inexiste, predominando o tempo psicológico. A personagem de Água Viva quer fixar o incorpóreo, deter o fluxo do tempo, tentando congelar o que foi feito pra correr, prolongando infinitamente o presente. Daí sua angústia. As palavras funcionam então como uma teia que retém a realidade das coisas, deixando que a aparência escorra e desapareça. A linguagem é simples, já que o tema é tão profundo, e frases como “viver não é coragem, saber que se vive é a coragem” surgem aos montes em suas páginas líricas. Pós-Modernismo: Convencionou-se chamar Pós-modernismo ao conjunto de tendências da arte nos últimos cinqüenta anos, motivado pelos conflitos mundiais e pelo avanço do mundo globalizado. Uma das tendências filosóficas dominantes desse período é o Existencialismo, principalmente na sua versão francesa (Sartre, Simone de Beauvoir, Camus), e que irá influenciar a literatura na criação do romance chamado Intimista, Introspectivo ou Psicológico. É o caso de Água Viva. O Existencialismo vê na vida uma ausência de sentido que só pode ser enfrentado e suportado no instante mesmo da vida. Como diz Clarice: “Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento.