Agremiativismo - uma alternativa ao Capitalismo e ao Comunismo

Por Mário Guazzelli | 18/09/2017 | Sociedade

                             As sociedades são possíveis porque temos elementos constitutivos físicos, psicológicos e intelectuais em comum. Se não fosse assim, não seríamos capazes de compreender quando o nosso semelhante nos diz que está triste, com dor de cabeça, cansado, nervoso ou que tal fruta é doce, determinado som agudo, certo cheiro desagradável, o céu de cor azul, a água líquida, etc. Na verdade - com as raras exceções, referentes àqueles que não dispõem de todos os elementos constitutivos presentes em nossa espécie - o que varia de um indivíduo em relação ao outro é a intensidade sentida e no caso específico do homem e da mulher há que se considerar, também, certa diferença em relação ao prazer obtido por ambos devido à conformação dos seus órgãos genitais.

                          O exemplo mais simples de sociedade existente é aquela constituída por dois indivíduos. Mas, partindo desta sociedade podemos compreender sociedades mais numerosas com dezenas, centenas ou milhares de pessoas.

                          Basicamente os motivos que levam um indivíduo a se associar a outro são a necessidade e o interesse o que, de forma mais suscinta, significa que o indivíduo age em prol de si. Então, toda e qualquer sociedade é constituída por indivíduos agindo em prol deles mesmos.

                                  Mas afinal no que consiste uma ação em prol de si?

                             Agir em prol de si significa buscar o próprio bem quer seja de um modo egoísta quer seja de um modo altruísta em dado momento, lugar e, sob determinadas condições. Estas variantes estimulam a nossa capacidade ponderativa o que, muitas vezes, faz com que nos arrependamos no presente por ter agido em prol de nós mesmos, no passado, de um determinado modo - em razão daquelas condições apresentadas - e, estando ou não no mesmo espaço geográfico, passamos a agir no presente de modo diverso, mas sempre em prol de nós mesmos.

                               Alguns poderão objetar que existem atos altruístas que não são em prol do sujeito. O mítico Jesus Cristo, por exemplo, teria dado a sua vida em prol da Humanidade. Contudo, um exame mais acurado irá nos convencer que o ato de sacrifício, apesar de ser um ato contrário à existência do corpo, é um ato favorável àquilo que o sujeito crê ( eu psicológico ) e quando se age em prol daquilo que se crê, age-se em prol de si.  Assim, quando Jesus é sacrificado, as suas ideias, às quais ele atribuía maior importância do que ao seu corpo, acabam sendo propagadas. Em resumo, Jesus se sacrificou em prol do Cristianismo que na verdade era ele mesmo.

                                Outra objeção que poderia ser feita é a de que as pessoas, muitas vezes, agem contra si mesmas em dadas circunstâncias como numa situação em que se é mantido numa condição de escravidão. Entretanto, há que se considerar que se uma pessoa se submete à escravidão, que é contrária à sua vontade, ela o faz visando a sobrevivência o que é um ato em prol de si. E se ela, pelo contrário, prefere morrer do que se submeter, isso também é um ato em prol de si já que a humilhação decorrente da escravidão seria insuportável para ela, mesmo que continuasse a viver.

                               Tendo estabelecido que o sujeito em toda e qualquer circunstância age em prol de si, isso significa que quando ele decide viver em sociedade, tal atitude também é uma ação em prol de si através da sociedade.

                                A próxima questão que se apresenta é saber por que o sujeito, inevitavelmente, é levado a agir em prol de si? Para tanto, precisamos voltar nossa atenção para o próprio sujeito e sobre como, neste, se forma a noção de si. Se a exemplo do que digo observarmos um bebê, veremos que ao aproximarmos determinado objeto diante dos seus olhos, ele imediatamente, estende os braços numa tentativa de pegá-lo. Em outras palavras o bebê sabe que aqueles braços são seus e este saber inato lhe é conferido através da sensação o que quer dizer que ele já apresenta uma noção de si. Com o passar do tempo há um maior desenvolvimento da consciência e o bebê que agora se tornou uma criança passa a ter a noção de extensão e limite do seu próprio corpo o que pode ser caracterizado como uma noção de propriedade e de autopertencimento ou autopossessão. Desta forma podemos concluir que o sujeito é ele mesmo até onde se sente e até onde pode identificar o seu organismo como coisa ininterrupta sendo que a ação básica em prol de si é uma ação em prol da propriedade que é o organismo.

                          Feita esta observação, se voltarmos no exemplo da sociedade constituída por dois indivíduos, veremos que quando eles se unem já apresentam a consciência inata de suas propriedades orgânicas e de que suas ações são em prol de si mesmos. A associação é vista como uma forma de cooperar para que ambos possam auferir maiores benefícios. Dito de outro modo, a associação representa uma terceira propriedade, a qual denomino de propriedade extensível. E, para que ela prospere é necessário que as ações que cada membro execute em prol de si mesmo sejam de caráter menos egoista e mais altruísta sem que cada parte abra mão de sua condição inata de autopertencimento. Se compreendermos bem esta sociedade entre duas pessoas veremos que o mesmo pode ser aplicado a sociedades com milhões de pessoas pois estas não passam de variações com maior número.

                              Mas se isto é tão simples, por que é que temos tantos conflitos, problemas e violência na sociedade?

                                       O primeiro motivo resulta da falta de regras legislativas rigorosas para garantir a inviolabilidade da condição inata de autopertencimento do sujeito. O corpo é propriedade de quem se sente sendo este corpo e qualquer dano intencional ou semi-intencional ( dano causado sem intenção mas como consequência da violação intencional da lei )  a  esta propriedade deveria ser punido de modo a causar dano proporcional ao causador. Como não existem regras absolutas ou regras sem exceção, a anuência para a interação física com outrem só poderia ocorrer através de contratos previamente firmados como é o caso, por exemplo, das intervenções cirúrgicas, dos esportes de contato e da cópula, cujo contrato  poderia ser feito de forma mais simples através de um aplicativo de telefone celular no momento do ato.

                                             Considerando-se que a inviolabilidade corporal é um direito social que deve ser concedido, já no nascimento, em razão da nossa condição natural de autopertencimento, a autonomia, pelo contrário, é um direito social que deve ser concedido paulatinamente da mesma forma que a Natureza o faz. Bebês e crianças, por exemplo, não tem condições de sobrevivência sem o auxílio de seus pais e muitos adolescentes que teriam esta condição, são financeiramente dependentes. A autonomia, na verdade, só é plenamente adquirida quando o sujeito passa a se autossustentar o que decorre do trabalho. O trabalho, portanto, não é uma invenção humana mas uma exigência natural uma vez que qualquer animal trabalha para sua sobrevivência.

                                                 Questões referentes à idade adequada para se iniciarem as atividades sexuais também são respondidas pela Natureza, através do aparecimento dos caracteres sexuais secundários e do desejo, logo deveríamos imitá-la durante a elaboração das leis que versam sobre este assunto.

                                                   O segundo motivo gerador de violência e conflito deve-se à propriedade extensível que além de resultar da associação entre os homens ( conforme  mencionado anterormente )  também resulta de tudo o que está fora de nossos corpos mas que é necessário à manutanção e preservação dos mesmos e da mente como os alimentos, o vestuário, os remédios, o abrigo e o lazer somado àquilo que adquirimos em nosso proveito como, é o caso, do dinheiro, dos semoventes e imóveis que, em excesso, se mostram acima de nossas necessidades.

                                              No modelo de sociedade vigente, toda propriedade extensível é gerada pela remuneração monetária decorrente do trabalho individual ou de herança de nossos antepassados e é do valor atribuído  ao trabalho que surgem os problemas e injustiças. Enquanto alguns recebem fortunas por hora de trabalho desempenhado, outros recebem valores irrisórios, que são quase insuficientes para a manutenção e preservação dos seus corpos. Isso não faz qualquer sentido visto que a capacidade produtiva comparativa de qualquer indivíduo do planeta ou capacidade laboral dificilmente é superior ao triplo da capacidade do seu semelhante quando no exercício da mesma atividade seja ela manual ou intelectual. Tal fato se deve a existência de um parâmetro natural em nossa espécie o qual delimita a capacidade funcional e a potência de nosso organismo. Por isso a pessoa só é plenamente funcional até determinado peso e determinada altura e ninguém apresenta uma força ou habilidade que não possa ser comparada à de outro. Quanto à capacidade intelectual esta, na maioria das vezes, depende do sistema educativo vigente pois indivíduos que estão num mesmo nível de educação apresentam pequenas variações em suas capacidades o que não justifica a maior valorização do trabalho de uns em relação aos outros quando se tornam profissionais. Já a depreciação do trabalho manual em relação ao trabalho intelectual também não se justifica perante as leis naturais, que governam a nossa espécie, porque tudo o que vai em nossas mentes e que é possivel de concretude, só se concretiza através dos nossos braços ou dos braços dos outros. Portanto, fica claro que a hipervalorização do trabalho individual seja manual ou intelectual, não tem qualquer fundamento sólido. É um mero produto da astúcia decorrente do modo egoista de agir em prol de si.

                                        O indivíduo na sociedade guarda semelhanças com a célula e a sociedade, por ser constituída por indivíduos,  guarda semelhanças com o corpo. A célula coopera com a manutenção do corpo, porque sua sobrevivência depende deste mas nem por isso esta cooperação resulta na perda de identidade celular. Por outro lado, as células que começam a se desenvolver de forma irregular em relação às demais, são denomindas células cancerígenas e acabam prejudicando a saúde e existência do próprio organismo do qual depende a sua existência. Semelhantemente a concentração de poder e riquezas nas mãos dos indivíduos que são as células da sociedade leva a uma cancerização desta sociedade.

                                                    Uma outra ideia que podemos tirar dos nossos corpos para o estabelecimento de uma nova sociedade resulta da própria conformação destes. Como é sabido células se agrupam e dão origem aos diferentes órgãos e o organismo é resultante da interdependência destes órgãos sendo que cada um deles desempenha um tipo de função. Não há dúvidas que o nosso sistema de sociedade atual também guarda grande semelhança com o organismo. O país por representar a coletividade social é como um grande corpo e os estados que compõem o país são como os órgãos deste corpo. Em contrapartida há  uma diferença crucial que reside no fato de que nossos órgãos desempenham funções específicas dentro do organismo as quais se assemelham às atividades profissionais enquanto que os estados realizam múltiplas funções. Com o intuito de aumentar a semelhança da constituição da Nação com a nossa constituição corporal os estados deixariam de exercer a posição de "órgãos da Nação" a qual passaria a ser ocupada pelas agremiações de profissionais. Assim teríamos agremiações de médicos, engenheiros, dentistas, contadores, administradores, físicos, mecânicos, químicos, artistas, ambientalistas, etc, que atuariam por todo o país. As agremiações, relacionadas às nossas necessidades mais urgentes como a alimentação, a saúde, a moradia, o lazer e a profissão, teriam que ser de filiação obrigatória. O vestuário apesar de ser uma necessidade não tem a mesma urgência e depende muito da predileção.

                                                   Quanto à distribuição de recursos financeiros para as agremiações  estes seriam proporcionais às suas necessidades decorrentes dos projetos apresentados à agremiação de economia que passaria a ser a responsável pela administração destes recursos no lugar do conselho monetário nacional e do Banco Central. Novamente podemos vislumbrar uma correspondência entre a Nação e o nosso corpo. Os nutrientes que são distribuídos pelo organismo podem ser comparados com os recursos financeiros que o governo federal distribui aos diversos ministérios. De certo modo o governo federal age como um tipo de cérebro da Nação, mas não age como o cérebro de nossos corpos pois não é função direta deste fazer a distribuição dos nutrientes do sangue porque esta é feita pelo coração que no modelo aqui proposto se compararia à referida agremiação dos economistas.

                                                  Outro fato que é importante mencionar e que neste caso se relaciona à nossa condição de autopertencimento é que a grande maioria dos seres humanos, devido ao amor próprio zela pela integridade de suas propriedades corporais e o que pode comprometer esta integridade ( afora a violação promovida por outrem e o valor irrisório atribuído ao trabalho individual que já foram relatados )  provém dos tipos de interações humanas que podem ser tanto positivas quanto negativas. Um tipo de interação humana que pode ter resultados negativos é aquela decorrente do uso de transporte individual motorizado, que leva ao aumento no número de acidentes, à violência, ao desperdício de tempo e à mortalidade. Um segundo tipo é o crescimento demográfico não planejado e por fim o uso de armas de fogo tanto pelos policiais quanto pelos cidadãos o qual deveria se restringir apenas à defesa das fronteiras e da soberania do país.

                                                    Uma vez tendo estabelecido as bases da estrutura social através da comparação com a nossa condição de autopertencimento e com a estrutura organizacional do organismo, outras comparações se tornam desnecessárias para se obter novas conclusões porque estas podem ser obtidas dos próprios elementos geradores de conflito dos quais se destacam o autoritarismo, o totalitarismo, o populismo, o capitalismo selvagem, a predominância das ações em prol de si de caráter egoista, a corrupção, a leniência do sistema legislativo e o sistema educativo em vigor por ser indisciplinante e desumanizante. Pode-se concluir, por exemplo, que o Governo deve ter atuação exclusiva relacionada à defesa das fronteiras ( já citada ), à fiscalização das atividades das agremiações, à aplicação das leis vigentes e à formação de cidadãos através de uma educação legislativa, ética e moral a qual geraria um sistema de governo  autoelucidante e autojustificante. Pois é totalmente absurdo e irresponsável exigir que o cidadão saiba as leis sem que o Estado as tenha ensinado já que não temos um conhecimento inato sobre as coisas que não devemos fazer estando na sociedade e mesmo que tivéssemos - como é o caso de se evitar causar dor e dano aos outros, uma vez que temos consciência de que isso é indesejável para nós - sem as Leis para regulamentar as relações humanas, nada impediria que um indivíduo inflingisse dor ao outro por não se sentir no mesmo. Para melhorar a eficiência da educação o programa escolar teria que vir pronto em tele aulas o que minimizaria a influência subjetiva do professor.

                                                          Considerando-se que todo ser humano é suscetível à corrupção em consequência da necessidade ou ganância, as ações dos fiscais do Governo teriam que ser monitoradas através do uso de câmeras portáteis durante o período de trabalho sendo que as imagens, ao vivo, ficariam à disposição da população. Em caso de corrupção, leis rigorosas puniriam o infrator porque um crime contra a sociedade é um crime contra o corpo social o que dificulta a avaliação do prejuízo causado ao mesmo.

                                                              E qual seria o papel das agremiações de profissionais?

                                                             Teriam a finalidade de formar profissionais, gerar trabalho e melhores condições de vida para todos e cada uma em particular criaria leis voltadas aos seus interesses que precisariam do exame e da aprovação das demais, cabendo ao Estado ( que passaria a ser denominado  de agremiação mor ) aplicá-las. No mais, não poderiam ter finalidade lucrativa.

                                                                 E quanto à propriedade privada?

                                                                A existência do ser humano é muito breve para que ele deva possuir coisas de longa durabilidade. Então mais importante do que possuir é poder usufruir. Sendo assim, a propriedade privada que é uma modalidade de propriedade extensível teria que se restringir ao que é de uso pessoal do sujeito como roupas, livros, móveis, alimentos, objetos de arte e adorno ou àquilo que o prende de forma afetiva como os animais de estimação desde que fosse respeitado o direito destes de não serem maltratados. Quanto as coisas de longa duração como uma casa, um apartamento, uma fazenda, etc, estas seriam de responsabilidade da agremiação imobiliária com seu ramo urbano e rural, cabendo a todo cidadão o direito de usufruir do imóvel mediante o pagamento de mensalidade e dos custos com a manutenção que doravante ficaria sob a incumbência da agremiação dos construtores. Rebanhos de animais como vacas, cabras, ovelhas, cavalos, etc e granjas passariam a ser de responsabilidade da agremiação de zootecnistas; as plantações ficariam sob a responsabilidade da agremiação de engenheiros agrônomos; a vacinação e os cuidados com a saúde animal ficariam sob a incumbência da agremiação dos veterinários; a administração caberia à agremiação administrativa e assim sucessivamente.