ADVOCACIA POPULAR: A assistência jurídica popular assegurada pela SMDH...

Por Thiago Pinheiro da Silva | 08/04/2013 | Direito

ADVOCACIA POPULAR

A assistência jurídica popular assegurada pela SMDH (Sociedade Maranhense de Direitos Humanos) aos trabalhadores rurais e sua relação com o pluralismo jurídico. 

Tatiana Amélia Soares Pinheiro Mendes

Thiago Pinheiro da Silva

RESUMO 

Realiza-se um breve estudo sobre a forma como a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos presta assistência jurídica popular aos trabalhadores rurais no Estado do Maranhão. Aborda-se a teoria do pluralismo jurídico e os aspectos que baseiam o acesso à Justiça. Mostra-se um breve histórico da SMDH, seus projetos e o público-alvo que deseja conquistar. Disserta-se sobre o papel da Advocacia Popular no extenso campo dos Direitos Humanos com o objetivo de criação de uma cultura jurídica popular horizontalizada. 

PALAVRAS-CHAVE

Assistência Jurídica Popular. SMDH. Pluralismo Jurídico. Acesso à Justiça.     

“A luz que me abriu os olhos para a dor dos deserdados
e os feridos de injustiça
não me permite fechá-los nunca mais
enquanto viva”

Amadeu Thiago de Mello

1 INTRODUÇÃO

            Quando foi proposto o tema a ser problematizado, surgiu o interesse nos relatores deste trabalho de demonstrar como a assistência jurídica popular era asseguradaem uma Unidade Federativa tão assolada pela miséria como o Maranhão. Entendia-se desta maneira que não seria tarefa fácil encontrar sociedades organizadas que dispusessem desta assistência tão vital para a concretização do acesso à justiça por classes desfavorecidas, no caso, trabalhadores rurais.

            No decorrer do trabalho partiu-se a procurar sociedades organizadas que trabalhassem na perspectiva do pluralismo jurídico, teoria basilar nos estudos para a confecção deste trabalho, pautada nos fundamentos do Mestre Luiz Otávio Ribas e do Doutor Antônio Carlos Wolkmer.

            Encontrou-se a SMDH, uma sociedade organizada que dispõe de vários projetos voltados à conscientização e defesa dos Direitos Humanos de classes desfavorecidas, aonde o Direito Estatal não chega de forma satisfatória e quando passa não produz efeitos benéficos para a construção da cidadania de forma a cumprir o artigo 5° da Constituição Federal que está no ápice do Ordenamento Jurídico Brasileiro, que mesmo sendo de cunho Estatal prerroga vários princípios que não são garantidos pelo próprio.

            Faz-se um breve apanhado histórico da SMDH, bem como seus projetos gerais, dando ênfase ao específico deste trabalho, o voltado aos trabalhadores rurais, que estão à margem do acesso à Justiça Estatal e não encontram amparo em seus anseios crescentes na medida proporcional em que crescem suas dificuldades e a desigualdade social.

            Dentro dessa perspectiva, tentou-se aliar a proposta da Advocacia Popular no campo dos DH à construção de uma cultura jurídica popular que seja igualitária, que não sobrevenha de cima para baixo, assim como seja clara linguisticamente e democrática ao conseguir chegar aos anseios mais longínquos do campo Estatal monista positivista da Lei.

2. O ACESSO À JUSTIÇA A PARTIR DO PLURALISMO JURÍDICO.

            Falar sobre o acesso à justiça dentro do campo teórico do pluralismo jurídico significa aliar dois importantes conceitos de modo a que se abranja uma melhor definição do que venha a ser esse acesso tão importante a solucionar conflitos e, fazer entender a proposta de tornar o Direito a ter direitos, acessível no seu aspecto formal quanto no material a partir de uma descentralização de uma concepção monista e de forma horizontal da realidade jurídica para uma pluralista.

            O pluralismo para Wolkmer, “designa a existência de mais de uma realidade, de múltiplas formas de ação prática e da diversidade de campos sociais com particularidade própria, ou seja, envolve o conjunto de fenômenos autônomos e elementos heterogêneos que não se reduzem entre si”. [1]

            O pluralismo jurídico dá a prerrogativa à sociedade de obter diversas visões de mundo, vários tipos de pensamento, outras fontes de direitos que não nascem em lugares mais altos em detrimento dos mais baixos, ou seja, verticalizadas.

            Isso faz com que o direito estatal que oficialmente regula as relações sociais[2] dê lugar ao seu lado a um direito insurgente que advém da própria pratica jurídica popular que advoga uma causa pluralista, contraposta ao monismo, formalismo, positivismo jurídico e ao capitalismo, como assinala Ribas.[3]

            Entretanto, sabe-se que a prática do pluralismo jurídico enseja uma postura de engajamento e luta em favor de movimentos sociais, pois estes fazem uso além do direito Estatal, de suas próprias regras e normas criadoras de Direito, e mesmo que não o conheçam cientificamente, acabam criando uma nova perspectiva de fontes do direito com vistas a criar uma cultura jurídica popular de cunho democrático, que tenta buscar igualdade, precisão e celeridade aos processos jurídicos, ou seja, o Estado hoje precisa considerar a função social que o processo judicial tem na sociedade, pois como diz Cappelletti, “os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais”.[4]   

            O acesso à justiça é aliado ao pluralismo jurídico pois essa forma de se assinalar o direito dá a possibilidade com que a justiça seja acessível a todos, independentemente de sua classe social, racial e econômica. Viabiliza não só a admissão do processo, e paralelo a isso, a inserção por um maior número possível de pessoas a buscar uma solução a uma demanda interposta, como lembra Grinover.[5]

3. SMDH E OS MOVIMENTOS POPULARES RURAIS DO MARANHÃO.

 

3.1 O Trabalho da SMDH.

 

            A Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH, entidade da sociedade civil de direito público, foi criada em 12 de fevereiro de 1979 como um “espaço político de denúncias contra o arbítrio e a violência” [6] conforme pregaem seu Estatuto Social (anexo 1). Para tanto, adotou como uma das linhas de ação a assessoria jurídica e a formulação de denúncias e reivindicações oriundas das comunidades, atuando com ênfase na defesa dos Direitos Civis à vida, à integridade, à liberdade, à igualdade, à segurança, à dignidade e ao acesso à justiça, conforme rege em seu estatuto que, dentre outras finalidades visa:

Art. 2º. A SMDH tem como finalidades:

I – contribuir para a promoção e defesa dos direitos humanos individuais e coletivos, nas dimensões de gênero, etnia e geração;

...

V – promover a formação e capacitação em políticas públicas, propondo e reivindicando sua implementação;

VI – possibilitar o acesso à Justiça em casos de violações de direitos humanos, privilegiando as ações coletivas;[7]

            Possui quatro áreas de atuação, assim definidas:

a)   Terra, Alimentação e Água: Políticas Públicas e Capacitação: desenvolve-se por meio da assessoria sócio-jurídica a trabalhadores(as) rurais. Na linha de capacitação destaca-se o Curso Agentes Populares de Direito.

b)       Meio Ambiente: Educação Ambiental e Experiência Agroecológica.

c)       Segurança Pública e Integridade Física da Pessoa Humana

d)       Sistema de Proteção aos Direitos Humanos: ampliação dos DH nas políticas públicas.[8]

Desde o ano de 1986, através da execução do Projeto de Assessoria Jurídica às Comunidades Rurais, a SMDH vem intervindo com ações junto aos conflitos fundiários, tendo em vista que o estado do Maranhão ocupa o 2º lugar em conflitos agrários de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra – CPT.

3.2    Em defesa das terras

 

O Maranhão é um estado conhecidamente pobre e com muitos problemas, a questão agrária é um dos graves e que trás consigo problemas de toda ordem e, mesmo com sua ampla extensão territorial (2º maior estado do Nordeste), com cerca de 331.983,293 Km² de terras, sofre com o problema da concentração fundiária e, segundos dados do IBGE levantados entre 2007 e 2008, cerca de 31% das famílias se encontram na zona rural, onde os conflitos ocorrem, merecendo destaque a região do Baixo Parnaíba.

Muitas famílias de sem terra ocupam ou tentam ocupar terras com o objetivo de ali fixarem-se tirando da terra seu sustento e de suas numerosas famílias. No entanto, os latifundiários, que se dizem “donos”, alegam que a demasiada quantidade de terras em seu poder é para grandes plantações (monoculturas) e a criação de gado, importantes financeiramente para o estado. Quando a ocupação acontece os grandes proprietários buscam a Justiça para retirada daquela gente que ocupa a terra que alegam ser deles. As famílias rurais, apesar de maior em número, são vítimas de despejo, via mandado judicial ou expulsos, por ação privada, de forma violenta. Qualquer uma das formas é humilhante e degradante, já que não bastasse a vida dura que levam, ainda encontram o braço forte do judiciário para colocá-los nos bancos dos réus, acusando-os de invasores e, no entanto, esse mesmo judiciário não obriga o poder público a  garantir os seus direitos mais fundamentais como uma moradia.

 O renomado advogado popular Dr. Jacques Távora Alfonsin, protesta:

“Sempre que o povo pobre se insurge contra a injustiça social decorrente da insatisfação dessas necessidades vitais, algumas vezes com violência, às penas cruéis da condição social que os leva a tais atos, somam-se as da repressão que lhe aplica o poder público, aí não excluindo o Judiciário.”[9]

É nesse quadro de violência, abandono e injustiça que a SMDH, por meio de sua assessoria jurídica popular procura intervir juntamente com as lideranças comunitárias junto à Justiça reivincando aquilo que é legalizado, mas não é assegurado. Ainda, segundo Alfonsin:

“Numa hora como essa, o poder público esquece o que mais rigorosamente exige da população pobre, o “respeito à lei” e ao “devido processo legal”. Como um e outro, ao ver desse poder, exigem averiguação, processo, prova, julgamento, burocracia, os pobres que esperem. Nessa hora, a “emergência das urgências” justifica a precipitação e o atropelo de qualquer devido processo legal”. [10]

            Nesse momento é oportuno e vital a presença dos advogados populares para o acesso dessas famílias à justiça. São eles que os representarão e os nortearão de como proceder diante de um juízo. Segundo o Dr. Celso Sampaio, advogado popular da SMDH, muitos trabalhadores rurais temem os juízes, uma vez que quando vão ao fórum, são taxados de invasores, trabalhadores esses que não possuem, ainda segundo o advogado, sequer um documento de identidade. Enquanto isso, os latifundiários se cercam de todas as estruturas que o poder judiciário e sua condição social favorável podem oferecer.

Para minimizar o tempo e facilitar os trâmites burocráticos do judiciário, a SMDH possui o curso de Agentes Populares do Direito, que visa capacitar os líderes comunitários nas noções mínimas de direito. Segundo o Dr. Celso Sampaio, essa ação é de grande valia já que eles tomam conhecimento do que é legal que possuem direitos e, que às vezes podem custar a dar frutos.  Tentam, nesses cursos, mostrar que existe o acesso à justiça e, que ele possui dois lados: o formal, que consiste na possibilidade legal de acionar o judiciário em caso de conflito e o efetivo, que consiste na possibilidade real de proteção judiciária. Segundo a professora Ana Lúcia Sabadell, “Essa distinção é crucial. Mesmo se os juízes fossem imparciais e a administração da justiça perfeita, o sistema judiciário continuaria a aplicar o direito de forma parcial e seletiva, devido às barreiras de acesso efetivo à justiça”[11].  E, segundo a professora, estas barreiras dividem-se em quatro categorias, a saber:

a)       Barreiras econômicas. Os altos custos do processo intimidam as partes (...)

b)       Barreiras sociais. Por desconfiarem do sistema de Justiça (...)

c)       Barreiras pessoais. A falta de informações sobre os direitos de proteção judiciária e, principalmente, sobre possibilidades de assistência gratuita impedem pessoas oriunda de classes desfavorecidas de exercerem seus direitos (...)

d)       Barreiras jurídicas. Trata-se de obstáculos relacionados com as regras de organização do processo e de funcionamento dos tribunais

Portanto, muitos se valem dessa assessoria, que vai a campo e que se vê como um meio na tentativa de dar àquelas famílias um pouco de dignidade e, mais que juristas são pessoas com ideais que se colocam a disposição de outros, temendo, às vezes, pela perda de sua própria vida e, tentando por meio do “devido processo legal” fazer com o direito inicialmente pleiteado seja garantido de fato.

4. A ADVOCACIA POPULAR COMO PARTE DO UNIVERSO DOS DIREITOS HUMANOS.

 

            Ao falar-se sobre o universo dos Direitos humanos depara-se com uma gama de interpretações e subjetivismos que dele pode nascer e produzir. Mas restringindo-o a Advocacia Popular entende-se que ela tem papel de destaque perante os anseios de cidadãos menos desfavorecidos que podem tornar-se litigantes em causas judiciais e até mesmo em sociedade organizadas, como a SMDH, que presta assistência de forma a disseminar a concepção dos Direitos humanos, que se contraponha à naturalização da violência, resgate a vida como um valor fundamental e incorpore as dimensões de direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, através do fomento a grupos populares com os quais realiza ações formativas e organizativas à luz da educação popular. [12]

Com isso, a Advocacia Popular exerce função social de modo a inserir essas pessoas a quem o direito Estatal não consegue frutificar e, deste modo, cumpre papel fundamental na preservação dos direitos dos negros, indígenas, pobres, etc..

Pois, sabe-se que o direito brasileiro nasceu para privilegiar a elite, brancos, políticos, é um direito eminentemente europeu que não caberia aqui no Brasil por não respeitar as muitas diversidades culturais, étnicas, raciais, que brotam da sociedade brasileira, que tem em seu escopo a miscigenação e a multiculturalismo desde a sua colonização.

            A Advocacia Popular nascida do pluralismo jurídico que baseia a sua cientificidade “cumpre papel fundamental na preservação cultural de outros povos negados historicamente no Ocidente, como os negros.” como assinala muito bem Ribas.[13]

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Baseado nas pesquisas realizadas no decorrer deste trabalho percebeu-se como é interessante a abordagem da Advocacia Popular que é fundamentada em teorias muito bem dissertadas por estudiosos da área.

            Foi possível perceber como a SMDH trabalha de forma quase solitária na busca por direitos humanos iguais a todos, sem a ajuda de meios de comunicação que deveriam trabalhar pela sociedade. Pois, como se sabe esses meios possuem concessões que são de ordem pública, ou seja, deveriam trabalhar para a sociedade, dando publicidade a esses atos de valor tão inquestionável.

            Para os relatores foi bastante proveitoso este trabalho porque pode-se conhecer uma entidade que trabalha há 30 anos com o reconhecimento dos Direitos humanos fazendo verdadeiras políticas públicas sem cunho partidário e que postula como missão a conscientização de pessoas que não tem o Judiciário a seu favor.

            O trabalho de conscientização e assessoria que a SMDH presta está em consonância com a teoria do pluralismo jurídico em que por vezes muitos de seus litígios são resolvidos com a conscientização e nem precisam de resposta do Judiciário.

                       

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 41. Ed. Atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 3. ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 2001.

RIBAS, Luiz Otavio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos popularesem Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000). Florianópolis: UFSC, 2009.

CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2005.

SMDH. Estatuto Social da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH).

SMDH. Áreas de atuação da SMDH. Disponível em: http://smdh.org.br/geral.php?id=Atuação. Acesso em: 14 de setembro de 2009.

ALFONSIN, Jacques Távora. Do respeito à lei, às leis do respeito. Causas e efeitos jurídicos da criminalização dos sem-terra. Artigo publicado.

SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. Introdução a uma leitura externa do direito. 3ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.215.

SMDH. Missão da SMDH. Disponível em: http://smdh.org.br/geral.php?id=Atuação. Acesso em: 14 de setembro de 2009.


[1]  WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 3. ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 2001, p. 171.

[2] RIBAS, Luiz Otavio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos popularesem Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000). Florianópolis: UFSC, 2009, p.19.

[3] Ibidem.

[4] CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p.12.

[5] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido R. Teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 35.

[6] SMDH. Estatuto Social da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos.

[7] Ibdem

[8] SMDH. Áreas de atuação da SMDH. Disponível em: http://smdh.org.br/geral.php?id=Atuação. Acesso em: 14 de setembro de 2009

[9] ALFONSIN, Jacques Távora. Do respeito à lei, às leis do respeito. Causas e efeitos jurídicos da criminalização dos sem-terra. Artigo publicado  P.21

[10] Ibdem.

[11] SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica. Introdução a uma leitura externa do direito. 3ªed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.215.

[12] SMDH. Missão da SMDH. Disponível em: http://smdh.org.br/geral.php?id=Atuação. Acesso em: 14 de setembro de 2009

[13] Ibid. p, 33.