ADPF 132: a atividade criativa do Judiciário na implementação de direitos fundamentais.

Por Vitoria Helena Mont'Alverne Frota | 19/11/2020 | Direito

ADPF 132: a atividade criativa do Judiciário na implementação de direitos fundamentais.

 

Fuad Alexandre Silva

Vitoria Helena Mont’Alverne Frota Lima

 

                                                              RESUMO           

 

Esta pesquisa visa analisar o julgamento da ADPF 132 e ADI 4227, que através do método analógico, estabelece a possibilidade da união estável para casais homoafetivos, de modo a compreender o papel do Poder Judiciário. Levando-se em consideração o processo de mutação constitucional, que corresponde a mudança semântica do texto, realizado pelo Poder Judiciário a partir de atuação mais extensiva que visa a concretização de valores e direitos fundamentais. Sendo o método de pesquisa utilizado nesse artigo de caráter exploratório e documental, para aprofundar os conhecimentos acerca do tema abordado utilizou-se pesquisa bibliográfica através de livros, artigos científicos, entrevistas, documentos de caráter constitucional e matérias da internet. De modo que, essa atuação embora necessária deva estar sempre em observância de determinados limites, para não configurarem um meio de atuação desmedido, sem uma fundamentação jurídica lógica.

 

Palavras-chave: Ativismo. Mutação Constitucional. Hermenêutica Jurídica.

 

                                                         SUMÁRIO

 

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................02

2 O PROCESSO DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E O ATIVISMO JUDICIAL...............................................................................................................................03

3 A FUNÇÃO DA HERMENÊUTICA NO ENTENDIMENTO DO ATIVISMO JUDUCIAL..............................................................................................................................06

4 A ADPF 132 COMO FORMA DE DEMOSNTRAÇÃO DOS MEIOS DE INTERPRETAÇÃO DE NORMAS PELO JUDICIÁRIO E DA GARANTIA DE DIREITOS...............................................................................................................................08

4.1 Da interpretação da norma pelo julgador: a análise da presença do ativismo....................................................................................................................................082 Adequação da norma pelo judiciário e os direitos fundamnetais pela análise da adpf 123.............................................................................................................................................10

5 CONCLUSÃO......................................................................................................................12

 

 

1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que o texto Constitucional é dotado de certa resistência aos processos de alteração, contudo esses são possíveis. Isso decorre do fato de serem necessários mecanismos que tenham o condão de tornar o texto compatível com a sociedade a qual ele deve ser aplicado. Caso isso não aconteça ele se torna obsoleto, perdendo seu significado e força normativa, que resultaria num grande efeito cascata já que ele corresponde ao ápice do nosso ordenamento.

Portanto, a própria Constituição traz as hipóteses e formas de alteração, contudo, além dessas, existem as que não estão formalmente expressas no texto, que constituem os processos de mutação constitucional, em que há modificação apenas do sentido, não havendo alteração da norma em si. Essa transformação ocorre no intuito de assegurar a concretização de valores, princípios e direitos fundamentais.

A ação criativa do Judiciário se torna necessária uma vez os demais poderes constituídos apresentarem comportamento omisso em relação a determinadas questões de interesse público. O órgão jurisdicional age com fim de suprir as lacunas deixadas pelo Executivo e Legislativo, portanto, adquirindo postura digna e notável.

Por conseguinte, essa forma de operação mais expansiva do Judiciário é necessária e de extrema importância para assegurar a concretização dos preceitos e direitos fundamentais. Contudo, é necessário estar sempre em observância de determinados limites, de modo que não venham a configurar um meio de atuação desmedido, sem uma fundamentação jurídica lógica.

O trabalho possui como objetivo geral analisar o papel da hermenêutica jurídica no (des)controle do ativismo judicial. Ademais, busca ao longo da discussão tratar de pontos específicos tais como: explicar a relação entre o processo de mutação constitucional e ativismo judicial; entender a partir da hermenêutica, junto as facetas diversas de entendimento do direito, o papel e a lógica do ativismo judicial no Brasil; e, por fim, constatar o ativismo judicial e o novo parâmetro de interpretação da norma pelo julgador, através de avaliação de caso concreto.

Sendo a discussão de extrema relevância, no âmbito social ocorre o mesmo. Se discute a legitimidade e a análise do judiciário com o ativismo judicial; assim o que está em pauta é o judiciário perante a sociedade. As decisões que são proferidas levantam incertezas e a assim instaura-se o alerta para a sociedade se essa atuação do judiciário é de fato em conformidade com o que o ordenamento jurídico pressupõe ou se os indivíduos estão sendo prejudicados com a supervalorização de interesses políticos. Essa incerteza levada aos indivíduos fundamenta a importância do trabalho.

No ramo acadêmico a discussão obtém sua relevância ao passo que está em questão um assunto sem qualquer tipo de resposta. O ativismo judicial e o seu descontrole no ordenamento são situações as quais não se identificou ao certo as suas causas, nem mesmo as consequências. Discutir, identificar e entender os poderes e a amplitude do julgador é extremante importante para que se contribua na reflexão a respeito do ativismo judicial no Brasil.

Na área de relevância individual o tema em questão ao ser discutido contribui para um entendimento maior a respeito máquina estatal. É essencial entender e ter as próprias convicções a respeito do ativismo judicial no país, já que a atuação do bacharel em direito é sempre condicionada a Constituição e assim a discussão da problemática em questão eleva a capacidade do profissional perante a sociedade e desta forma se faz a importância pessoal.

O método de pesquisa utilizado nesse artigo é de caráter exploratório e documental, visando aprofundar os conhecimentos acerca do tema abordado e retirar da análise as devidas conclusões e respostas da problemática criada pelo trabalho. Utilizando-se de pesquisa bibliográfica através de livros, artigos científicos, entrevistas, documentos de caráter constitucional e matérias da internet.

 

2 O PROCESSO DE MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E O ATIVISMO JUDICIAL

  • tocante a dureza do texto constitucional em relação ao processo de alteração, ou seja, a capacidade que este tem de resistir a modificações, a Constituição Federal de 1988 pode ser classificada como rígida, pois para sua mutação é necessário um processo próprio específico (BRANCO; MENDES, 2014)

O Poder Constituinte Originário (PCO) além de elaborar o Texto Maior, admite a falibilidade de seu trabalho, pois sabe-se que este tende a perecer no tempo, sendo necessário a criação de um mecanismo que possam adequar o texto ao contexto, fazendo jus ao preceito Lassaleano. Dessa forma o Poder Constituinte Derivado (PCD), devido a atribuição dada pelo PCO, fica encarregado do processo de alteração constitucional.

A atuação do PCD é, contudo, limitada pelas cláusulas pétreas presentes no artigo 60, § 4º, que correspondem a matérias blindadas a revisão constitucional, ou seja, nenhuma emenda pode abolir ou tender a abolir tais questões. Dentre elas temos a separação dos Poderes, trata-se de um princípio constitucional presente quase que em totalidade nos textos constitucionais contemporâneos (BRASIL, 1988).

Portanto, apesar de sua rigidez, o texto Constitucional não está livre de alterações, podendo estas ser tanto de caráter formal quanto de caráter informal. As primeiras correspondem a alterações realizadas na própria letra da lei, por procedimento próprio determinados na própria Constituição, denominado Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Conforme, art 60, § 2º, a proposta de Emenda será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

Já as alterações informais correspondem a alterações do significado do texto, que é adaptado conforme a nova realidade na qual a Constituição está inserida. São assim consideradas por não haver previsão constitucional expressa em relação a elas. Trata-se do mecanismo de mutação constitucional, em que não há alteração do texto em si, e sim apenas uma mutação ou transformação de seu sentido. Essa nova significação decorre de processo interpretativo a partir dos paradigmas e ideias que compõem a realidade fática contemporânea.

Temos, a partir daí uma relação direta com o sentido sociológico de Constituição, elaborado por Ferdinand Lassale, que a Constituição sendo feita para reger nossas relações sociais deve expressar nossas vontades, ou seja, aquilo que esperamos que o Estado possa nos proporcionar. Nossa realidade deve estar refletida no texto Constitucional, já que o texto sem o contexto não possui valor. Dessa forma a Constituição não passa de um compromisso com os fatores reais de poder, isto é, compromisso com forças que demandam um texto constitucional que atenda às suas necessidades distintas (FERNANDES, 2017).

A Carta Maior é o produto das expectativas sociais e aquele que não reflete seu local de aplicação não possui efetividade. O texto deve sempre refletir o contexto, caso contrário se torna inócuo. Por essa razão são criados mecanismos para garantir essa aproximação, como o processo de mutação constitucional, em que se busca dar um sentido ao dispositivo que esteja em concordância com o contexto social.

Além disso pode-se estabelecer também uma relação com o sentido elaborado por Peter Haberle, que caracteriza a Constituição como um conjunto de dispositivos desprovidos de significado próprio, para que esse texto passe a ter sentido é necessário que alguém o interprete. O interprete possui papel fundamental já que é ele que vai construir/criar seu significado. Não importa o sentido que o texto possuía no momento de criação, pois a partir do momento que é criado, se torna aberto a uma pluralidade de interpretes (FERNANDES, 2017).

O válido é o significado presente, porque ele é o produto da adequação do texto ao contexto, que torna a Constituição viva. A interpretação é aberta a todos, porém a interpretação formal é exclusiva de alguns órgãos. Considerando o Supremo Tribunal Federal como guarda da Constituição e sendo ele a instância judicial máxima, diz-se que é ele o intérprete máximo, tendo palavra decisiva a respeito de questões incertas.

 Quando se fala em mutação constitucional, temos o STF funcionando como interprete responsável por intermediar a relação da constituição com a sociedade, adequando o texto ao contexto, de modo que represente a coletividade a que deve ser aplicada. Esse processo de alteração de significado da norma é algo intrínseco ao próprio texto constitucional, visto que este funciona como organismo vivo, estando constantemente passando por mudanças, acompanhando as transformações das circunstâncias sociais.

Seguindo ainda esta linha de raciocínio sabe-se que a Constituição é sempre produto cultural de um povo, resultado doe seus anseios políticos, sociais, econômicos e filosóficos. Portanto, a mutação ocorre num sentido exatamente de conseguir atender essas demandas com maior grau de efetividade, quando os poderes Legislativos e Judiciários se mostram insuficientes para fazê-lo (FERNANDES, 2017).

Nota-se que nos últimos tempos existe uma forma de atuação diferenciada do Poder Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, sobretudo em relação a mudanças de interpretação jurisprudencial de normas, conceitos e dispositivos presentes na Constituição. Explicitando-se aí a relação tênue entre o processo de mutação constitucional e o ativismo judicial.

Podemos entender ativismo judicial como escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo seu alcance. Isto é, o interprete busca, através da hermenêutica jurídica, uma nova forma de interpretação com intuito de atender as necessidades sociais, quando os dispositivos existentes não forem suficientes para atender às suas demandas (BARROSO, 2017).

O comportamento ativista do Judiciário não se resume a mudanças de interpretação jurisprudencial, mas correspondem a três tipos de condutas são elas: aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente da manifestação do legislador originário; a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os da patente e ostensiva violação da Constituição; a imposição de condutas ou abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas (BARROSO, 2017).

A atuação ineficiente do Legislativo e Executivo ao apresentarem comportamento omissivo e inerte torna necessário uma atuação positiva do Judiciário para tratar de questões relativas a concretização de valores e princípios fundamentais, proferindo decisões de caráter normativo. Trata-se de uma forma de superação das lacunas deixadas pelos demais direitos instituídos

Sabe-se que tudo isso só é possível em razão do caráter principiológico das normas de direitos fundamentais que são dotadas de grande carga de abstração e por essa razão forte imprecisão semântica (FERNANDES, 2017). Logo, busca-se extrair o máximo possível do texto Constitucional, de modo que atinja maior grau extensão, sem adentrar no campo de livre criação de Direito, ou seja, existe um caráter inventivo, mas não no sentido de criar norma ou alterar uma existente e sim de transformar seu significado.

 

3 A FUNÇÃO DA HERMENÊUTICA NO ENTENDIMENTO DO ATIVISMO JUDUCIAL

O estudo da hermenêutica se faz necessário para se entender, ou ao menos tentar os fundamentos pelo qual o Judiciário acaba por ter uma atuação mais atuante em nome da preservação da norma jurídica. Com a contribuição do artigo, tem-se que a situação de margem interpretativa da norma nem sempre foi o que se entendia pela definição do direito. A Escola da Exegese entendia o direito como um complexo de normas; a lei representava a vontade de todos e o julgador somente tinha opção de aplicar a o direito sem qualquer modificação ou interpretação própria sobre a norma. Realidade esta superada; o direito pressupõe margem de interpretação sob pena de um ordenamento utópico em caso contrário. (SOUZA, 2004)

Diferente da escola anteriormente abordada a realidade se faz de forma oposta, assim o artigo faz uma análise crítica a respeito da atuação do judiciário atualmente e suscita a discussão a respeito se há uma adequação com a realidade brasileira. Fala-se de um protagonismo judicial, além da previsão da lei há a presença da moral do julgador. Assim se estabelece um controle do judiciário em relação ao funcionamento dos outros dois poderes, pois a ele é dado o controle da Constituição e a mesma serve apenas para um parâmetro de controle de constitucionalidade. (MAUS, 2017)

A realidade brasileira se aproxima mais com uma atuação forte do Judiciário do que com a ligação somente gramatical da lei. Entendido isso cabe entender se esse mesmo judiciário usa essa suposta autonomia para cumprir as exigências constitucionais ou porque se tornou um poder politizado.

Ampliando o campo teórico de análise, Lênio Streck em Hermenêutica Jurídica e(m) crise retira uma concepção da hermenêutica a partir das concepções de Gadamer. E assim é constatado que é impossível a interpretação da norma preso a concepção originária de quem a criou. O direito e a sua aplicação dependem, então, de um processo criativo daquele que o aplica e este que vai concretizar a lei. É estabelecida uma crítica ao direito somente preso a letra da lei, pois não há de qualquer forma a segurança que a compreensão foi feita de maneira correta. (STRECK, 2013)

Trazendo esta temática ao direito brasileiro atual tira-se um ponto positivo do ativismo judicial. Pois, mesmo que de maneira descontrolada, não haveria garantia, que sem ele julgador aplicaria a norma com o seu sentido originário; a realidade social implica em mudanças. Exemplo claro é Código Penal de 1940, a realidade de hoje é outra; se torna necessária a participação ativa do judiciário afim de que se tenha uma adequação da norma ao contexto.

Por Kelsen, em Teoria pura do Direito, toma-se como base a concepção de direito e moral e desta forma a interpretação da norma pelo judiciário. De início a respeito do direito e da moral é que há uma ordem jurídica dotada de validade independente de uma moral supostamente absoluta dentre outras morais da sociedade. Não quer dizer que o direito vai ser tornar algo “mau” e que não caiba nada de “bom” dentro dele, mas que pode ocorrer um embate com uma das morais de um sistema de morais, não há concepção absoluta e assim o direito é válido mesmo assim. (KELSEN, 1998)

E tambémfala a respeito da aplicação do direito comouma moldura, ou seja, não existiria uma única forma de aplicação da lei e sim possibilidades que estão dentro dessa moldura e a interpretação – dotada de métodos – deve identificá-la. Por Kelsen é possível se fazer uma análise crítica do ativismo judicial, pois a imposição da moral do julgador é uma das e não “a” moral; não existe somente uma. Desta forma a própria lei já daria sua margem de aplicação protegendo os indivíduos de um direito da moral. Pois ao passo que esta moral pode ser de concordância da sociedade ela pode acabar por contrariar; cria-se uma insegurança jurídica. (KELSEN, 1998)

Diferente de Kelsen é possível ter o embasamento teórico de Dworking que já segue uma linha de maior autonomia do julgador, entendendo que a concepção do direito é individual. O juiz ao decidir vai seguir uma linha de princípios, uma melhor adequação e não exatamente de suas opiniões, mas de algo superior o que abarca um juiz que possa ter concepções radicais; o mesmo não deve decidir com base nestas, mas sim a luz do melhor para a comunidade – daí a expressão “superior”. (DWORKING, 2007)

Pela relação desta linha de pensamento de Dworking com o ativismo conclui-se que na concepção o de Dworking as atuações do Judiciário que representem este ativismo representam uma coerência e respeitando interesses da comunidade, sendo um reflexo normal pelo fato do direito resultar em uma concepção diversa entre os julgadores.

Usa-se, então, de diferentes concepções do direito para debater a respeito do ativismo. Não se pode ter exatidão a respeito deste ativismo judicial como forma de representar interesses políticos ou concretizar direitos fundamentais. Assim a análise em específico de julgados pode acrescentar na discussão da coerência ou não deste fenômeno do direito.

 

4 A ADPF 132 COMO FORMA DE DEMOSNTRAÇÃO DOS MEIOS DE INTERPRETAÇÃO DE NORMAS PELO JUDICIÁRIO E DA GARANTIA DE DIREITOS. 

 

4.1 Da interpretação da norma pelo julgador: a análise da presença da atividade criativa e o embate com o ativismo judicial

Caberia seguir o entendimento que o intérprete também faz parte da criação do direito; a norma é a base para a adequação posterior – mas não de forma absoluta - e assim o ativismo é a consequência desse processo e o suposto “descontrole” nada mais seria que a aplicação de uma nova forma de interpretação constitucional, o qual, o julgador tem um papel fundamental condicionado ao meio social, o qual a norma possui vigência. Mas não esquecendo que o mesmo é sujeito a controles, evidência disso é o controle de constitucionalidade ou mesmo um diálogo com o Poder Legislativo que pode elaborar uma PEC a nível explicativo (BARROSO, 2015).

De maneira complementar pode ser retirada a análise do autor a respeito de que o legislador ao exercer sua função típica passa para o texto da lei conceitos jurídicos incertos e assim se vê mais uma justificativa para a atuação ativa do julgador, em parte criador e em outra parte o responsável pela adequação da norma ao caso.

Cabe o questionamento da existência do ativismo ao passo que o julgador faz um processo de criação do direito; se no caso a não tomada de forma absoluta da norma como base não seria um judiciário acima dos outros dois poderes. Desta forma, Lênio afirma, tomando como base a ADPF 132, não se quer houve um ativismo. O STF teria criado um direito e fez interpretação conforme como meio de vincular futuras situações jurídicas. Nota-se que a norma para este autor vai ser a base absoluta de tomada de decisões do STF, o ativismo só estaria configurado no momento que o STF decidisse sem instaurar uma situação de “arte” em relação às normas. (STRECK, 2014).

Entretanto, a norma é condicionada ao contexto. E assim da norma quando é criada apenas se retira uma expectativa, pois a norma só alcança sua real concretude no processo de aplicação, ou seja, a norma implica a relação com o caso concreto. Não é dizer que o texto normativo não é capaz de oferecer nada, mas deste não é capaz de se retirar tudo. Assim o STF fez na decisão da ADPF 132; o julgador usou do contexto social com o devido desrespeito a garantias fundamentais individuais para decidir e isto justamente pelo fato do texto normativo não ter lhe dado o que precisou, portanto, somente ter a norma não significa ter todo o direito. (MULLER, 2013)

Não somente; além do contexto de interpretação da norma pelo julgador por uma condicionante social há do que se falar de uma influência também econômica, levando em consideração que os direitos fundamentais estão condicionados a esta situação. Implica-se, então mencionar a teoria do mínimo existencial, que determina que para que se possa usufruir dos direitos individuais, é necessário a implementação e garantia de um piso mínimo de direitos, ou seja, o mínimo existencial deve ser visto como a base e o alicerce da vida humana, aqueles sem os quais não conseguiríamos viver (FERNANDES, 2011). Tais como direito a igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana, que envolvem tanto a ADPF quanto a ADI.

Ao se falar de mínimo existencial torna-se também necessário mencionar a reserva do possível, que em se tratando do ordenamento brasileiro, corresponde àquilo que é financeiramente possível. Entende-se que a prestação dos direitos depende dos recursos presentes nos cofres públicos, ou seja, configuram um limite fático à efetivação desses direitos. A reserva do possível é ainda dotada de um elemento jurídico que é referente a autorização orçamentária incorrer nos respectivos custos (SARLET, 2015).

Sabe-se que no Brasil, na qual a situação financeira não é tão favorável, principalmente na conjuntura atual de recuperação dos cofres públicos após período de recessão, acentua-se a importância da aplicação da teoria. A mutação constitucional acaba sendo uma adequação a situação econômica nacional. É impossível desvencilhar as questões jurídicas, inclusive no próprio entendimento da norma, do contexto financeiro do Estado, principalmente no que diz respeito a prestação de direitos fundamentais.

 

4.2 A adequação da norma pelo judiciário e os direitos fundamnetais pela análise da adpf 132

Desta forma, em 05 de maio de 2011 o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132. Foi reconhecida a união estável para casais do mesmo sexo. A decisão proferida foi no sentido de dar interpretação conforme a Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar (BRASIL, 2011).

Devido a inércia do Legislativo de se pronunciar sobre essa questão específica, deixando aqueles que são contemplados por essa hipótese fática juridicamente desamparados, o STF, principal órgão do Judiciário, assumindo conduta ativa, se manifesta com intuito de suprir a lacuna deixada pelo outro poder constituído e dessa forma garantir a efetivação de direitos fundamentais envolvidos no caso.

O julgamento da ADPF e da ADI representou uma quebra de paradigmas e grande avanço para o Direito Familiar. O ministro Ayres Britto argumentou que o art 3º, inciso IV, da Constituição Federal determina como objetivo da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Dessa forma, ninguém pode ser discriminado em razão de sua preferência sexual, já que esta não se presta para desigualação jurídica (BRASIL, 2011).

Na fala do relator é possível observar-se que a postura ativa adotada pelo Supremo é com fim de garantir a concretização dos direitos fundamentais das pessoas homoafetivas tais como:

 

I - Princípio da Igualdade: o legislador e o intérprete não podem conferir tratamento diferenciado a pessoas e a situações substancialmente iguais, sendo-lhes constitucionalmente vedadas quaisquer diferenciações baseadas na origem, no gênero e na cor da pele (inciso IV do art. 3º); II - Princípio da Liberdade: a autonomia privada em sua dimensão existencial manifesta-se na possibilidade de orientar-se sexualmente e em todos os desdobramentos decorrentes de tal orientação; III - Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: todos os projetos pessoais e coletivos de vida, quando razoáveis, são merecedores de respeito, consideração e reconhecimento; IV - Princípio da Segurança Jurídica: a atual incerteza quanto ao reconhecimento da união homoafetiva e suas conseqüências jurídicas acarreta insegurança jurídica tanto para os partícipes da relação homoafetiva, quanto para a própria sociedade; V - Princípio da Razoabilidade ou da Proporcionalidade: a imposição de restrições é de ser justificada pela promoção de outros bens jurídicos da mesma hierarquia. Caso contrário, estar-se-ia diante de um mero preconceito ou de um autoritarismo moral (BRASIL, 2011, p. 11 e 12).

 

Portanto, postula-se a aplicação do método analógico de integração do Direito para equiparar as uniões estáveis homoafetivas às uniões estáveis que se dão entre pessoas de sexo diferente, ou seja, heteroafetivas. Contanto que em qualquer uma delas, tome corpo uma convivência tão contínua quanto pública e nitidamente direcionada para a formação de uma autônoma unidade doméstica, conforme consta no art. 1.723 do Código Civil, que deve incidir para as duas modalidades de relacionamento (BRASIL, 2002).

Faz-se necessário aqui explicitar o que se entende por métodos de integração do Direito. O ordenamento jurídico embora tente dispor sobre todas as hipóteses fáticas que possam ser levadas em juízo não consegue fazê-lo de forma exaustiva. Isso se dá especialmente pelo fato de serem relativos a ação humana, dotada de alto teor volitivo. Portanto, não existindo uma norma que preveja a situação controvertida o juiz se depara com uma lacuna, tendo o dever de preenche-la, promovendo a integração do Direito.

Deste modo, o juiz, a fim de resolver essa supressão, deve se utilizar de outros meios para fundamentar a decisão, de modo que o caso seja resolvido, em razão do princípio da inafastabilidade da função jurisidicional, previsto no art. 5º, XXXV da Constituição Federal. Além disso o art. 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB), determina que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (BRASIL, 1942).

É importante ressaltar que se postula a interpretação conforme a Constituição dos incisos II e V do art. 19 e 33 do decreto-Lei nº 220/75, bem como o art. 1.723 do Código Civil. Essa interpretação conforme a Constituição consiste em método aplicável a legislação infraconstitucional, de modo que esteja em conformidade com a Carta Magna. Isto é, o interprete deve adotar a perspectiva mais condizente aos preceitos e valores arrolados no Texto Maior, sem afastar a finalidade da lei analisada.

Esse procedimento interpretativo possui diversas dimensões estão: supremacia da Constituição, sendo esta o ápice do ordenamento jurídico, devendo todas as normas e decisões a ela responderem já que o sistema jurídico funciona de forma coesa; a manutenção da norma, já que uma vez sendo adotada o método interpretativo garante-se a eficácia desta, evitando que seja declarada inconstitucional e venha a ser revogada; a impossibilidade da lei ser interpretada contra seu texto literal com intuito de considera-la constitucional e, por fim, a possibilidade de duplo sentido, devendo-se optar por aquele que esteja constitucionalmente de acordo (LENZA, 2009).

Dessa forma, o não reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo priva os parceiros destas de uma série de direitos fundamentais, revelando também a falta de reconhecimento estatal do igual valor e respeito devidos à entidade da pessoa homossexual. Consequentemente tem-se lesão de diversos preceitos constitucionais tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, da vedação à discriminação odiosa, da liberdade, da igualdade e proteção à segurança jurídica, todos dispostos em artigos do Texto Maior (BRASIL, 1988).

Usando da teoria, o direito fundamental a igualdade abrange o sentido não só formal, mas também material. Assim a indiferença é abarcada pelo direito fundamental em questão e deve irradiar no ordenamento. Entende-se, assim que pessoas homoafetivas não devem ter sua titularidade de direitos lesada cabendo sim a atuação progressista do Judiciário para que se garanta isso. (COIMBRA, 2008)

A interpretação dos artigos deve ser realizada à luz dos princípios fundamentais não sendo possível qualquer tipo de interpretação que gere preconceito e exclusão do homossexual. Por conseguinte, deve-se reconhecer a entidade familiar entre pessoas do mesmo sexo. Já que não há norma que trate dessa situação específica e não possuindo o Judiciário o poder de editar uma, os casos passam a ser regidos pelas regras que disciplinam a união entre heteroafetivos por meio de analogia. E assim o judiciário fez.

 

5 CONCLUSÃO

O artigo apresentou uma análise a respeito da atuação do judiciário e buscando, assim, entender se existe ou não um comportamento ativista do mesmo levando em consideração a requisição frequente do poder como uma forma de concretização de direitos fundamentais e realizando para isso uma atividade inventiva por meio de mudanças no significado de normas já existentes. Assim, levantou-se que há de fato há uma atuação ativista de judiciário e isso se daria em reflexo da omissão do Poder Legislativo e do Poder Executivo em não desempenhar suas funções como deveriam; levantando a restrição ao Judiciário como não legítimo em atuar sem uma fundamentação jurídico-lógica.

Como parâmetro de observação usou-se a ADPF 132, caso pelo qual ficou evidente a atividade inventiva do judiciário. Pois o sentido da norma foi transformado sem mesmo que a norma escrita fosse alterada, por meio da aplicação do método analógico da integração do direito, que existindo uma lacuna esta pode ser suprimida por analogia – que é uma das fontes do direito. Então direitos fundamentais como igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana e segurança jurídica foram garantidos a pessoas homoafetivas que buscavam a união estável nos meios das que o Estado garantia a pessoas de sexo diferentes fazendo que o artigo 1723 do Código Civil incida em ambos os tipos de relação.

A situação que o Judiciário tem ao interpretar de forma inventiva é reflexo do texto normativo não ser suficiente para a satisfação das demandas que os titulares de direitos fundamentais vão ter. A lei numa perspectiva meramente gramatical e formal não é dotada de poder fático e assim o judiciário vai extrair o máximo de sentidos possíveis como meio de efetivação da demanda; no caso em questão da população homoafetiva que se via desprotegida juridicamente ao passo que não tinham direito ao gozo dos direitos e deveres provenientes de uma união estável.

Restou evidente que o Judiciário é extremamente demandando a realizar uma atividade interpretativa expansiva da norma ensejando a posição ativista. Dessa forma o descontrole relativo a atuação do Judiciário ocorre não em razão dele próprio e sim e dos outros dois poderes que tendo igualmente o dever de suprir as lacunas não o fazem, não tendo o poder Judiciário o escopo de posição de superioridade e sim visando unicamente a concretização de direitos fundamentais levando em consideração a realidade fática.

Dado os argumentos levantados e com a limitação do texto normativo conclui-se que a atividade inventiva do judiciário não configura uma insegurança jurídica ou uma sobreposição entre poderes. A afirmação se sustenta através da constatação que somente a norma numa perspectiva gramatical é insuficiente para a regulamentação de casos em concreto.

A afirmação construída se mostra clara no caso recortado, a ADPF 132, pois fica evidente que foi necessário extrair da norma uma máxima atividade inventiva sem mesmo mudar o texto normativo como forma de adequação da demanda da sociedade. Não convém alegar uma insegurança jurídica pela atividade criativa do Judiciário e sim uma mera consequência lógica da insuficiência do texto normativo. E que a demanda alta do judiciário para a concretização de direitos fundamentais vem como consequência da omissão dos outros dois poderes.

A dedução lógica feita pelo trabalho se limita pelo fato da hermenêutica não ter um consenso em relação a ideal forma de interpretação da norma; não é absoluto que somente o texto gramatical não se faz suficiente. Assim a premissa lógica varia.

Tento posto essas dificuldades de entendimento da interpretação da norma pela hermenêutica devem ser colocadas às projeções de discussões que são geradas. O impacto no ordenamento jurídico com o caso da alta demanda do judiciário para o cumprimento de direitos fundamentais e assim os reflexos sociais; estudo interessante para o entendimento da realidade atual brasileira.

 

 

 

REFERÊNCIAS

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista Atualidades Jurídicas – Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Ed. 4. Janeiro/fevereiro 2009. Acesso em 28 de agosto de 2017. Disponível em: http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf

_______, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 5 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.

BRASILCódigo Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1a edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

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