Adorável Dumbo
Por janice diniz | 19/09/2008 | ContosCantando estava ele no palco e tinha aquele
jeans desbotado e a rouquidão da voz grudada no talo da garganta. Quando falava
arrastava a língua entre os dentes e os olhos azuis claríssimos brilhavam como
se explodisse na mente bolhas de idéia de entusiasmos e eu, bem, eu não me entusiasmava
com nada há muito tempo, talvez desde que comecei a engatinhar ou a catar cocô
seco de cachorro no chão e meter na boca. No bar onde ele cantava. Não saco
nada de música. Bem, tinha uma mulher que levava o filho e o guri era imenso,
obeso, redondo, barril, uma coisinha extraordinária e isso, esse guri gordo e
grudado a sua mãe, me causava tremenda depressão. O homem cantando num portunhol
deplorável, mais bêbado impossível, talvez errando letra ou vomitando poesia no
teto do bar e eu olhando o gordinho enfiando mais comida goela adentro.
Progenitora adorável, bonita, maquiada, magra e a coisinha feita de si e alguma
coisa de alguém. Era óbvio que ela alimentava a cria até a tampa, numa atitude
safada de apoderar-se de sua vida, ninguém desejaria tamanho elefantinho então,
bem, ele será meu para sempre meu filhinho gordo, meu homenzinho desprezado
pela sociedade das aparências, nenhuma mulher te amará como eu, fruto do meu
ventre liso e magérrimo.
Levantei da cadeira e levantei do
planeta e entre o banheiro-privada levantei longo corredor e eu pensava se não
era melhor escrever num rolo de papel higiênico a publicar um livro, que diabo
de pensamento imbecil mas nada adiantava porque a gosma de refletir já tava encruada
entre minhas duas orelhas e o gordinho me olhava e comia um sanduíche de dois
andares com fome sexual, fome de mãe.
O intestino do menino. O labirinto de cobras e minhocas cheio de comida e segredos e carência. O coitado preso à mãe, como o desgraçado do adjetivo dependente do substantivo, eu chorava de rir. Eu, uma idiota. Mijava de pé numa espelunca de quinta porque fodia minhas escolhas escolhendo um cara de quinta pra me dar sentido a uma existência de quinta entre a quinta avenida de um país de deprimidos famintos. E o gordinho era a ânsia e o desânimo. Mais belo que isso apenas viver olhando pro céu à procura de Deus. Nada mais. Chamam a isso de sarcasmo.