Adolescentes : Vitimizadores ou Vitimizados ?
Por Adriano Moraes | 01/07/2013 | SociedadeAdolescentes : Vitimizadores ou Vitimizados?
O aumento da violência no território nacional é ponto indiscutível nos debates sociais. A percepção de que nos últimos anos a insegurança tem se apresentado de forma continua incute no interior dos indivíduos um temor de alta magnitude que, por sua vez, é reforçado pelo sensacionalismo dos meios de comunicação.
O poder das mídias faz crescer no meio social o temor pela livre movimentação, atores de diferentes classes sociais, cerceiam sua movimentação, tendo como preocupação primeira o medo de se verem atacados em sua integridade física. A sensação de insegurança é difundida pela mídia e fomentada pelas ações segregadoras do Estado e suas parcerias com empresas de segurança privada.
Isto nos coloca no centro dos debates acerca das possíveis causas para tamanho crescimento da violência instituída - suas causas, causadores, cobranças e soluções. E, por mais que se julgue que uma grande parte da sociedade não tenha condições de discernir racionalmente os pontos que abrangem a temática, não será crível a criação de soluções efetivas sem a participação do conjunto mais atingido - o povo.
E justamente em meio a este povo é que encontraremos os indivíduos que receberão acusações como causadores e provocadores do aumento da violência no meio social. È da grande massa que se retirará os acusados que responderão a este delito. E assim chegamos ao centro desta missiva, entre os acusados pelo fato até aqui narrado,encontraremos a figura do adolescente, tido como o maior vilão (segundo as mídias), deste crescimento desordenado da violência instada.
Assim pergunto - serão nossos jovens (em sua maioria periféricos) vitimizadores em potencial ou vitimizados sociais ? Serão de fato a causa e efeito da violência urbana ? E para responder a estes questionamentos, se faz necessário um aprofundamento sobre diferentes estudos para se afirmar isto ou aquilo, contudo estudos nada mais são que dados estatísticos que atendem perfeitamente as demandas acadêmicas, e na vida real, para que servirão ? Talvez para levar a grande massa informações concretas que os auxilie a compreender o verdadeiro pano de fundo de um debate inexistente frente as argumentações impostas.
Não se pretendente neste a defesa ou a não culpabilidade do adolescente frente aos atos infracionais praticados por este, antes a ideia é apresenta-los como vitimas potenciais de uma “caça as bruxas” instada por poderes obscuros mas de forte poder político, com todo aval da maquina estatal. O mesmo Estado que persegue e pune, não oferece a seus tutelados condições concretas para a transformação social deste individuo a qual todos chamam “menor infrator”. Responsabilização,sim, sem responsabilidade,não.
Os diferentes atores sociais deveriam ser chamados a conhecer a realidade dos centros de recolhimento para adolescentes – conhecidos por Fundação CASA – no estado de São Paulo e por diferentes nomenclaturas nos demais Estados e no Distrito Federal. A transparência no trato destes adolescentes deveria ser ponto crucial para que o debate pretendido - redução da idade penal – recebesse da sociedade o devido cuidado, antes de sua imposição arbitrária. Posto que é antes uma jogada política do que uma demonstração verdadeira de combate a violência. Entre as distintas formas de violência a ausência de direitos para estes adolescentes ilustra muito bem a invisibilidade ( ou quase invisibilidade, pois que nos índices de automento da violência eles se tornam visíveis) a qual o Estado submete estes adolescentes.
“Vivemos um momento em que diversas pesquisas apontam para o crescimento da letalidade entre os adolescentes e jovens brasileiros – o mapa da violência 2011 informa que mais de 60% das mortes na população jovem (15 a 24 anos) são por causas violentas, e dessas, quase 40% são homicídios. Os dados do índice de homicídios na adolescência, por outro lado, avaliou 267 municípios do Brasil com mais de 100 mil habitantes e chegou a um prognostico alarmante de que o numero de adolescentes de 12 a 18 anos assassinados entre 2006 e 2012 ultrapassa a marca de 33 mil mortos.”[1]
Ou seja, o que se afirma acima é que nossos jovens estão morrendo a “ toque de caixa”,mas veja bem, não qualquer jovem, este jovem tem um perfil muito bem definido, são em sua maioria negros, moradores das comunidades pobres, semianalfabetos e de famílias desestruturadas – isto quando as tem - e quais medidas são adotadas para se proteger estas vidas ? As medidas protetivas citadas pelo ECA e SINASE deveriam dar conta de tais expectativas, contudo não podemos entender a internação como forma de resposta a esta questão.
O despreparo dos centros de acolhida são latentes em vários pontos, tais como, acolhida, acompanhamento e encerramento dos casos recebidos, ou antes, dos adolescentes acolhidos. A demanda é muito grande e os centros não dão conta de assegurar a estes adolescentes o cuidado devido estabelecidos pelos documentos que regem a infância e a adolescência.
“Ao tomar sob nossas lentes os adolescentes que estão em cumprimento de medidas socioeducativas (internação), são muito frequentes as denuncias de tortura e outras violações que ferem não só a dignidade, como a própria vida desses e dessas adolescentes. A mortalidade por homicídio entre estes jovens constitui, deste modo, um fator de grande preocupação para o movimento de direitos humanos de crianças e adolescentes.”[2]
Vemos no trecho acima que a violência continua, desta vez contra os adolescentes exclusivamente, pois que são eles os únicos receptores das praticas “educativas” estabelecidas por tais instituições, que a priori deveriam cuidar de sua educação com vias a apoia-los em sua reconstrução de vida.Sob a tutela do Estado, os adolescentes deveriam receber como parte do serviço, o direito a segurança, que é o que se exige nos clamores populares, que por sua vez tomam esta parcela da população como causadores primeiros da violência, vemos aqui a replicação de um circulo vicioso. O artigo 125 do ECA preconiza que o Estado é responsável pela integridade física e psicológica dos adolescentes em cumprimento de medida em regime de internação, o que se afirma no inicio deste parágrafo é um retrato da infração cometida por este Estado contra suas próprias leis.
Uma vez dentro das instituições, estes jovens são invisíveis socialmente, deixam de ter personalidade própria e se tornam apenas números, mas o cruel deste sistema é que diferentemente de seus pares adultos, os adolescentes não têm seus direitos reconhecidos, inúmeras arbitrariedades são cometidas sem que tais atos repercutam na sociedade externa ( salvo os casos de rebeliões noticiados pelas mídias, sempre como atos de responsabilidade exclusiva dos internos e nunca como resposta as agressões sofridas). E, como seres invisíveis, sua morte ou não, pouco importa para a vivência social. A crueldade refletida no descaso do poder publico para com estes tutelados é inconsequente, o Estado negligencia seu papel de tutor, uma vez que a morte destes adolescentes dentro das instituições, pouco afetara a rotina da população, visto que esta não reclamara por uma resposta sobre o por que de tais mortes, antes, aplaudira o acontecido.
“É preciso inscrever no espaço público brasileiro os casos de homicídio de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, interpelar os responsáveis diretos ou indiretos por tais acontecimentos”[3]
Um exemplo do que disse acima : “No Estado do Ceará foi documentado que um adolescente morreu, no ano de 2009, enquanto se encontrava internado em medida provisória. Este adolescente tinha 16 anos e havia interrompido o ensino fundamental. Ele residia no município da unidade de internação há nove meses com o irmão mais velho, tendo para ai se mudado em busca de trabalho melhor e com a promessa – vó, você ainda vai se orgulhar de mim.” Esta avó era a pessoa mais próxima ao adolescente, em sua família. Foi internado por estar envolvido com tráfico de drogas, ele afirmou ser inocente e permaneceu internado por seis dias, antes de sua morte. Enquanto internado, se aproximou do grupo de adolescentes do mesmo dormitório, chegando a participar da atividade educacional nesta semana.Não recebeu atendimento jurídico ou psicossoial. O irmão o visitava todos os dias, alem de manter contato com a avó por telefone, ela iria busca-lo na semana seguinte para voltar a morar com ela e a família. Sua morte se deu por “homicídio a bala”, efetuado pela policia que naquele dia entrava na unidade para conter uma briga entre dois grupos de adolescentes. O adolescente corria pela unidade fugindo da confusão e foi atingido no abdômen por tiros”[4]
Diante do ocorrido o que fez o Estado ? Nada, arquivou-se o caso e a família se quer foi indenizada, afinal que culpa teve a instituição se o adolescente estava agitado diante da confusão instalada ? O corpo policial apenas cumpriu sua obrigação, usando a força e o poder de fogo legalizado para conter o motim. Novamente perguntamos, o adolescente morto era sujeito vitimizado ou vitimizador ?
Esta é apenas uma das muitas histórias trágicas ocorridas nas unidades de internação em todo país. Dados invisíveis, para adolescentes igualmente invisíveis.
Fechando este documento fica no ar a pergunta que iniciou esta missiva : serão os adolescentes vitimizadores ( no sentido de apenas afetarem as vitimas) ou vitimizados ( no sentido de serem as vitimas, ou antes, as partes mais fáceis de serem culpabilizados pelas mazelas sociais). Respondam conforme vossas consciências.
O certo é que nossos jovens estão correndo o risco de receberem em seu destino o grande fardo de serem os maiores causadores da crise envolvendo o aumento da violência, enquanto que nos bastidores, adultos tão responsáveis quanto, ou mais, seguem seu roteiro de terror e intimidação sem se verem enquadrados por seus atos.
Diante do que se afirma, não será nenhum equivoco afirmar que se nossos adolescentes forem os únicos a serem punidos, como se pretende com a redução da maioidade penal, no futuro teremos um índice de violência muito superior ao que se apresenta nos dias atuais e esta certeza é balizada pela seguinte equação : menor idade penal + despreparo educacional x falta de preparo profissional + rancor (incutido por séculos de criminalização = atos de violência em nome da sobrevivência. Simples assim.[i]
[1] Pesquisa ANCED (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente) – Pelo Direito de Viver com Dignidade, Homicídios de Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Internação. São Paulo / 2011.
[2] IDEM
[3] Idem
[4] Idem
[i] Moraes, Adriano – Formado em Ciências Sociais – Universidade Nove de Julho – Técnico em medidas socioeducativas (trabalhando com medidas de meio aberto) e especialista em educação (Universidade Cidade de São Paulo)