ADOÇÃO INTERNACIONAL

Por Vania Carmen de Vasconcelos Gonçalves | 25/12/2010 | Direito

VÂNIA CARMEN DE VASCONCELOS GONÇALVES













ADOÇÃO INTERNACIONAL






Disciplina: Direito Internacional Privado
Curso: Direito






Porto Alegre
2010
ADOÇÃO INTERANCIONAL


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo abordar os principais aspectos da adoção internacional, trazendo a sua contextualização, previsão legislativa e entendimento jurisprudencial. Será abordado, outrossim, a priorização da lei brasileira pela adoção nacional e, excepcionalmente, não havendo essa possibilidade, opta-se pela colocação internacional que está condicionada a estudo prévio e análise de uma comissão estadual judiciária de adoção.

1 DA ADOÇÃO

A adoção é a exceção familiar. É o estreitamento de vínculos afetivos entre pessoas estranhas, sem laços de sangue. Todavia, para a efetivação destes laços há a presença do Estado como protetor do menor a ser adotado. Os laços firmados entre adotante e adotado sob o olhar estatal tem caráter definitivo e irrevogável. Assim, forma-se a família por laços afetivos.

Sob esse prisma, destaca-se o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. PEDIDO DA MÃE BIOLÓGICA. CRIANÇA ADOTADA. 1. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, desligando-o de todo e qualquer vínculo com a família de origem. Inteligência do art. 41 do ECA, art. 1.626 DO CCB e art. 1.635, inc. IV, do CCB. 2. A mãe biológica não tem direito de exigir a regulamentação de visitas em relação à sua filha biológica, não se mostrando conveniente o restabelecimento do vínculo afetivo que possa ter existido algum dia, pois outro é o grupamento familiar no qual a criança está inserida e com o qual mantém relacionamento saudável e harmonioso, sendo atendida em todas as suas necessidades, inclusive afetivas. Embargos infringentes acolhidos, por maioria. (Embargos Infringentes Nº 70037449139, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 13/08/2010) (grifo nosso)

Importa frisar haverem inúmeras conceituações de adoção. Destaca-se a lição de CHAVES ao referir que:

Podemos então defini-la como ato sinalagmático e solene, pelo qual, obedecidos os requisitos da lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um vinculo fictício de paternidade e filiação legítimas, de efeito limitado e sem total desligamento do adotando da sua família de sangue. (CHAVES, 1995, p. 23).

Com relação à afinidade dos laços da adoção, destaca-se o entendimento de MARMITT ao lecionar que "pelo relevante conteúdo humano e social que encerra, a adoção muitas vezes é um verdadeiro ato de amor, tal como o casamento, não simples contrato." (MARMITT, 1993, p. 7).

Quanto à natureza jurídica do instituto da adoção, há divergências. Há quem a preconize como uma ação do Estado (MARMITT, 1993, p. 9-10) , bem como quem entenda ser um negócio jurídico (LIBERATI, 1995, p. 17-18) . Importante frisar a lição de LIBERATI (1995, p. 18), pois

Com a vigência da Lei 8.069/90, a adoção passa a ser considerada de maneira diferente. É erigida à categoria de instituição, tendo como natureza jurídica a constituição de um vínculo irrevogável de paternidade e filiação, através de sentença judicial (art. 47). É através da decisão judicial que o vínculo parental com a família de origem desaparece, surgindo nova filiação (ou novo vínculo), agora de caráter adotivo, acompanhada de todos os direitos pertinentes à filiação de sangue.

A Constituição Federal brasileira estabelece diretrizes para a adoção. Segundo LASSALLE (1998, p. 53) a Carta Magna deve ter por base fatores reais e efetivos do poder, cuidando para que impere a realidade social como fator promotor dos direitos fundamentais. Em seu artigo 227 a Constituição Federal estabelecia critérios para tal, antes do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990.

O Estatuto da Criança e do Adolescente ? ECA, Lei 8.069/90, disciplina em seus artigo 39 ao 52 acerca da adoção. De igual forma, em 2002 o Código Civil passou a disciplinar a cerca deste instituto em seu artigo 1.618 e seguintes.

No tocante à competência para proceder à adoção, tem-se o lecionado pelo artigo 146 do ECA: "a autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o Juiz que exerce essa função, na forma da Lei de Organização Judiciária local."

Neste sentido manifesta-se SANTOS (1985, p. 201) ao referir que "um juiz é competente quando, no âmbito de suas atribuições, tem poderes jurisdicionais sobre determinada causa." O ECA estabelece a Justiça da Infância e da Juventude como competente para proceder ao julgamento de ações que envolvam a adoção (artigo 148, ECA).

2 A ADOÇÃO INTERNACIONAL

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, nos artigos 51 e 52, a adoção formulada por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País. Importante frisar, neste sentido, o comentário de SZNICK (1993, p. 443-444) ao referir que

a adoção internacional, ou seja à procura de crianças brasileiras por estrangeiros vem crescendo muito nos últimos anos. Daí surgirem. Ao lado dos interessados diretos, várias intermediações, quer individuais quer até de pessoas jurídicas, através de agências de intermediação; como, especialmente por parte dos adotantes, há os bens intencionados nos que fazem a intermediação; em regra, muitos não só são mal intencionados (visando lucro e vantagens pessoais com a adoção), mas até formando verdadeiras quadrilhas para o cometimento de crimes ? já que os lucros são grandes e em moeda estrangeira ? como seqüestro de recém-nascidos na maioria das vezes, nas próprias maternidades, ou, então, em locais públicos; outros crimes ainda não são praticados como estelionatos enganando as mães com possíveis internações ou, ainda, quando adoções escondendo que as crianças são destinadas ao exterior; falsificação de documentos, especialmente do menor. (SZNICK, 1993, p. 443-444).

Assim, pode-se ter a preocupação com a integridade física e mental das crianças adotadas por estrangeiros. O instituto da adoção sempre preconiza o bem-estar da criança e do adolescente. O processo de adoção internacional, portanto, deve ter cuidado redobrado, uma vez que pode estar eivado de ma-fé. No mesmo sentido tem-se o entendimento de FONSECA (1995, p. 137) ao afirmar que

Tampouco podemos negar que, em certos casos, as mães ?venderam? seus filhos. Até o Código de Menores, promulgado em 1979, qualquer advogado podia organizar uma adoção por escritura para um casal estrangeiro: trocava o ?consentimento? da mãe biológica por alguma ajuda material, e passava a escritura adiante para o casal. Este, com a certidão de nascimento de seu filho adotivo estabelecida legalmente no seu nome, tirava um passaporte e levava a criança embora sem cometer qualquer crime.a ?comercialização? de crianças é um crime em praticamente todos os países, mas, para evitar tal acusação, o advogado pode insistir que os oito a dez mil dólares que recebeu são meramente ?honorários?. Inúmeros abusos, documentados no país todo, motivaram o provimento nº. 06 de 24/04/1982, baixado pelo Juizado do Rio de Janeiro, que veio a reiterar a intenção do Código de Menores. (FONSECA, 1995, p. 137).

Apesar de, por vezes, a adoção internacional ser objeto de notícias de desrespeito ao menor e ao adolescente, muitos estrangeiros estão dispostos a constituir suas famílias com a adoção de crianças brasileiras. Assim, concede à criança ou adolescente em estado de abandono a possibilidade de integrar uma família, ainda que em país distinto do que nasceu, desde que adimplidas certas condições dispostas em pactos entre os Estados envolvidos e na legislação interna do país do adotando.

É o estabelecimento destes parâmetros um dos objetivos da Convenção de Haia de 29 de maio de 1993, atinente à matéria em destaque, reconhece que a prática da adoção internacional "pode apresentar a vantagem de dar uma família permanente à criança para quem não se possa encontrar uma família adequada em seu país de origem".

A Constituição Federal recepcionou a matéria em seu artigo 227, §5º, havendo, ainda, remissão à mesma no artigo 1.629 do Código Civil. Cumpre frisar, nesta seara, que a adoção internacional é a exceção no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, respeitados os requisitos a ela inerentes não há de negá-la, uma vez que é o bem-estar da criança a importância maior ao Direito familiar.

3 O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL

Após breve relato a respeito do instituto da adoção e seu cabimento internacional, é imperativo demonstrar-se qual o entendimento jurisprudencial que vem sendo exarado pelos Tribunais. Para tal, se traz a referida jurisprudência com comentário a posteriori.

Para que seja efetivada a adoção, os pais biológicos devem consentir, ou ter havido a destituição do poder familiar. Todavia, há exceção:

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA. ADOÇÃO. FALTA DE CONSENTIMENTO DO PAI BIOLÓGICO. ABANDONO. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA EM BENEFÍCIO DA ADOTANDA. HOMOLOGAÇÃO. 1. Segundo a legislação pátria, a adoção de menor que tenha pais biológicos no exercício do pátrio poder pressupõe, para sua validade, o consentimento deles, exceto se, por decisão judicial, o poder familiar for perdido. Nada obstante, o STJ decidiu, excepcionalmente, por outra hipótese de dispensa do consentimento sem prévia destituição do pátrio poder: quando constatada uma situação de fato consolidada no tempo que seja favorável ao adotando (REsp n. 100.294-SP). 2. Sentença estrangeira de adoção assentada no abandono pelo pai de filho que se encontra por anos convivendo em harmonia com o padrasto que, visando legalizar uma situação familiar já consolidada no tempo, pretende adotá-lo, prescinde de citação, mormente se a Justiça estrangeira, embora tenha envidado esforços para localizar o interessado, não logrou êxito. 3. Presentes os demais requisitos e verificado que o teor da decisão não ofende a soberania nem a ordem pública (arts. 5º e 6º da Resolução STJ nº 9/2005). 4. Sentença estrangeira homologada. (SEC 259 / HK - SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA - 2009/0130933-1 - Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - DJe 23/08/2010)

"CIVIL. ADOÇÃO. CONSENTIMENTO DA GENITORA. AUSÊNCIA. DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER. PROCEDIMENTO PRÓPRIO. INOBSERVÂNCIA. LEI N. 8.069/90 (ECA), ARTS. 24, 45, § 1.º, 155, 156, 166 E 169. SITUAÇÃO FORTEMENTE CONSOLIDADA NO TEMPO. PRESERVAÇÃO DO BEM ESTAR DO MENOR. MANUTENÇÃO, EXCEPCIONAL, DO STATUS QUO. I. A dispensa do consentimento paterno e materno para a adoção de menor somente tem lugar quando os genitores sejam desconhecidos ou quando destituídos do pátrio poder. II. Não se configurando expressa anuência da mãe, esta, para perfazer-se, depende, então, da destituição da genitora, o que se opera mediante ação própria, obedecido o devido processo legal previsto na Lei n. 8.069/90, inservível, para tanto, o aproveitamento de mero requerimento de jurisdição voluntária. III. Caso, todavia, em que a adoção perdura por longo tempo ? mais de dez anos ? achando-se o menor em excelentes condições, recebendo de seus pais adotivos criação e educação adequadas, como reconhecido expressamente pelo Tribunal estadual e parquet federal, a recomendar, excepcionalmente, a manutenção da situação até aqui favorável à criança, cujo bem estar constitui o interesse maior de todos e da Justiça. IV. Recurso especial não conhecido. (REsp n. 100.294-SP, relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 19.11.2001) (Grifo nosso).

Desta feita, havendo a anuência do adotando e o regular encaminhamento da documentação pelos adotantes (homologação de sentença estrangeira de adoção, por exemplo), tem-se a afirmação do interesse do status familiar à família estrangeira. Havendo o abandono de ente familiar e sendo a adoção benéfica para a criança ou adolescente, não há de negá-la.

Caso a adoção tenha sido efetivada no exterior, em atendimento à legislação extra nacional, deve-se ter presente os artigos 5º e 6º da Resolução 9 do STJ ? Superior Tribunal de Justiça sobre a homologação de sentença estrangeira.

No tocante à necessidade de haverem esgotadas todas as alternativas para adoção no território nacional antes de promover-se a adoção a estrangeiro, ressalta-se o entendimento do STJ:

CIVIL. ADOÇÃO POR CASAL ESTRANGEIRO. O Juiz da Vara da Infância e da Juventude deve consultar o cadastro centralizado de pretendentes, antes de deferi-la a casal estrangeiro. Hipótese em que, a despeito de omissão a esse respeito, a situação de fato já não pode ser alterada pelo decurso do tempo. Recurso especial não conhecido. (REsp 159075 / SP - RECURSO ESPECIAL - 1997/0091140-3 - Ministro ARI PARGENDLER - T3 - TERCEIRA TURMA - DJ 04/06/2001 p. 168 - JBCC vol. 192 p. 150 - LEXSTJ vol. 145 p. 188 - RJADCOAS vol. 22 p. 24) (grifo nosso)

ADOÇÃO INTERNACIONAL. Cadastro geral. Antes de deferida a adoção para estrangeiros, devem ser esgotadas as consultas a possíveis interessados nacionais. Organizado no Estado um cadastro geral de adotantes nacionais, o juiz deve consultá-lo, não sendo suficiente a inexistência de inscritos no cadastro da comarca. Situação já consolidada há anos, contra a qual nada se alegou nos autos, a recomendar que não seja alterada. Recurso não conhecido. (REsp 180341 / SP - RECURSO ESPECIAL - 1998/0048186-9 - Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR - T4 - QUARTA TURMA - DJ 17/12/1999 p. 375 - LEXSTJ vol. 129 p. 115) (grifo nosso)

De igual forma, é importante trazer-se o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

ECA. AÇÃO ORDINÁRIA. TRANSPORTE SOCIAL GRATUITO. EFEITO DO RECURSO. 1. O art. 198 do ECA estabelece que a apelação deve ser recebida no efeito meramente devolutivo, podendo ser excepcionada essa regra (a) quando se tratar de adoção por estrangeiro e (b) quando houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. 2. Se a sentença julgou a ação procedente, o recurso deverá ser recebido no efeito meramente devolutivo, pois não restou configurada nenhuma das hipóteses excepcionais previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70029781283, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 08/07/2009) (grifo nosso)

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL. ROUBO EM CONCURSO DE AGENTES. RECEBIMENTO DA INCONFORMIDADE APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO. O art. 198, inciso VI, do ECA é claro ao consignar: (...) VI - a apelação será recebida em seu efeito devolutivo. Será também conferido efeito suspensivo quando interposta contra sentença que deferir a adoção por estrangeiro e, a juízo da autoridade judiciária, sempre que houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Assim, correto o recebimento da inconformidade apenas no efeito devolutivo. PRELIMINAR DE NULIDADE PELA NÃO REALIZAÇÃO DE ENTREVISTA RESERVADA DO REPRESENTADO COM SUA DEFENSORA. Não consignado na ata de audiência qualquer insurgência quanto ao ponto; não vindo aos autos nenhuma comprovação da irregularidade e não se verificando nenhum prejuízo à parte, é de ser rejeitada a preliminar. MATERIALIDADE E AUTORIA. Comprovadas materialidade e autoria do ato infracional pelos elementos dos autos, a procedência da representação é medida que se impõe. MEDIDA SÓCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO SEM POSSIBILIDADE DE ATIVIDADES EXTERNAS. Considerando a gravidade do ato e o perfil delitivo do adolescente, a medida aplicada mostra-se adequada ao efeito de sua reeducação e reintegração social. PRELIMINAR REJEITADA, RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70014075204, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 17/05/2006) (grifo nosso)

O que se pode ter além da preocupação com o adolescente é a processualidade no tocante à ação de adoção. Deve-se ter que o seu efeito é devolutivo, ainda que sua origem seja relativa à apuração de ato infracional.

CONCLUSÃO

Com referido estudo pode-se ver a importância da adoção de garantias às adoções internacionais para que haja respeito à criança e ao adolescente. Sob este vértice está a Convenção de Haia, ratificada pelo Brasil que procura evitar a ocorrência de tráfico ou a venda de crianças.

Outrossim, destaca-se a necessidade de sentença transitada em julgado para que se configure a adoção e a criança possa sair do país. O que se tem é o respeito à relação familiar, bem como à criança e ao adolescente, tanto em casos de adoção por brasileiros ou por estrangeiros, buscando sempre a realização de adoção por meios lícitos, como se evidencia na jurisprudência brasileira.