Adoção Internacional

Por Carolina Becker Lamounier | 10/06/2010 | Direito

Carolina Becker Lamounier

Aluna da 7ª. Etapa de Direito

UNAERP

I – INTRODUÇÃO

A modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural é denominada de adoção. Também é conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica, mas de uma manifestação de vontade, conforme o sistema do Código Civil de 1916, ou de sentença judicial conforme no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. 8.069/90) bem como no corrente Código. As conceituações de adoção são inúmeras, entre elas destacamos a de Antônio Chaves:

"Podemos então defini-la como ato sinalagmático e solene, pelo qual, obedecidos os requisitos da lei, alguém estabelece, geralmente com um estranho, um vinculo fictício de paternidade e filiação legítimas, de efeito limitado e sem total desligamento do adotando da sua família de sangue".

Na visão de Arnaldo Marmitt "pelo relevante conteúdo humano e social que encerra, a adoção muitas vezes é um verdadeiro ato de amor, tal como o casamento, não simples contrato".

Enquanto a filiação natural ou biológica repousa sobre o vínculo de sangue, genético ou biológico, a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação não biológica, mas afetiva. Logo, a adoção moderna é um ato ou negócio jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas. Para Silvio Venosa "o ato da adoção faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo biológico".

Salienta-se que a utilidade da adoção com relação ao adotando é inafastável, sendo do interesse do Estado que ele se insira em ambiente familiar homogêneo e afetivo. O enfoque da adoção moderna tem em vista a pessoa e o bem-estar do adotando, antes do interesse dos adotantes.

Atualmente, a adoção preenche uma finalidade fundamental: dar pais aos menores desamparados. O enfoque da legislação atual visa proteger o interesse do menor desamparado, colocando-o em família substituta, condicionando o deferimento da adoção à comprovação de reais vantagens para o adotando. Portanto, ao decretar uma adoção, o ponto central de exame do juiz será o adotando e os benefícios que a adoção poderá lhe trazer.

A Constituição Federal, em seu artigo 227, parágrafos 5º e 6º, preconiza:

 

"Art.227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

 

(...)

 

§ 5º. A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

 

§ 6º. Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

Pois bem, em 13 de Julho de 1990 foi promulgada a Lei nº. 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que entrou em vigor no dia 12 de Outubro do mesmo ano.

Em suma, o ECA, através da adoção, insere o adotando em tudo e por tudo na família do adotante, conferindo-lhe a mesma posição de relação biológica. Ou seja, a adoção é um ato jurídico que estabelece laços de filiação legal entre duas pessoas, independentemente de laços de sangue.

II – ADOÇÃO INTERNACIONAL

A adoção é também objeto de regras internacionais. O Brasil é signatário da Convenção sobre Cooperação Internacional e Proteção de Crianças e Adolescentes em Matéria de Adoção Internacional, concluída em Haia, em 29 de Maio de 1993. Essa convenção foi ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº. 3.087/99.

A adoção por estrangeiros, antes da Constituição de 1988, embora não prevista no Código Civil, era usualmente praticada. Já o atual Código determina que a adoção internacional se submeta à lei especial. Essas adoções eram feitas geralmente sem a participação dos adotantes, que se faziam representar por procuração, hoje vedada expressamente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a adoção formulada por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País. É a noção básica, conforme previsto no artigo 31 do ECA:

"Art. 31. A colocação em família substituta estrangeira constitui medida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção".

 

Portanto, a adoção deve ser deferida preferencialmente a brasileiros, enquanto a adoção por estrangeiros deve ser feita em caráter excepcional.

Para que seja efetuada a adoção internacional é necessário primeiro que a criança já tenha sua situação jurídica definida, ou seja, que já possua sentença transitada em julgado, com a decretação da perda do poder familiar, ou que seus pais tenham falecido e o menor esteja sobre a proteção do Estado. O artigo 169 da Lei 8.069/90 diz:

"Nas hipóteses em que a destituição da tutela, a perda ou a suspensão do poder familiar constituir pressuposto lógico da medida principal de colocação em família substituta, será observado o procedimento contraditório previsto nas Seções II e III deste Capítulo."

O procedimento contraditório para a perda do poder familiar está previsto nos artigos 155 ao 163 do ECA, que terá início por provocação do Ministério Público, observado todas as garantias, tais como, direito ao contraditório, ampla defesa, defesa técnica, entre outros, pois o poder familiar é um direito personalíssimo.

Valdir Sznick comenta que:

"A adoção internacional, ou seja à procura de crianças brasileiras por estrangeiros vem crescendo muito nos últimos anos. Daí surgirem. Ao lado dos interessados diretos, várias intermediações, quer individuais quer até de pessoas jurídicas, através de agências de intermediação; como, especialmente por parte dos adotantes, há os bens intencionados nos que fazem a intermediação; em regra, muitos não só são mal intencionados (visando lucro e vantagens pessoais com a adoção), mas até formando verdadeiras quadrilhas para o cometimento de crimes – já que os lucros são grandes e em moeda estrangeira – como seqüestro de recém-nascidos na maioria das vezes, nas próprias maternidades, ou, então, em locais públicos; outros crimes ainda não são praticados como estelionatos enganando as mães com possíveis internações ou, ainda, quando adoções escondendo que as crianças são destinadas ao exterior; falsificação de documentos, especialmente do menor."

Tendo em vista as denúncias freqüentes de tráfico internacional de crianças, o Estatuto elencou alguns requisitos básicos, tais como, a situação jurídica da criança, habilitação dos requerentes à adoção, para, só então, ser deferida a adoção internacional.

Essa é a orientação que deverá sempre nortear o magistrado. Porém, abusos ocorrem, pois nem sempre as adoções internacionais obedecem a um critério afetivo e protetivo do menor, dando margem à atuação de organismos privados não governamentais de discutível transparência. Logo, em se tratando de adoção internacional, o envio de crianças brasileiras para o exterior somente é permitido quando houver autorização judicial.

Antecedente de muita importância na adoção é o estágio de convivência. O artigo 46 e seus parágrafos do ECA traz como deverá ser o estágio:

"Art. 46 - A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.

 

§ 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando não tiver mais de um ano de idade ou se, qualquer que seja a sua idade, já estiver na companhia do adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a conveniência da constituição do vínculo.

 

§ 2º Em caso de adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de no mínimo quinze dias para crianças de até dois anos de idade, e de no mínimo trinta dias quando se tratar de adotando acima de dois anos de idade".

Esse estágio tem por finalidade adaptar a convivência do adotando ao novo lar. O estágio é um período em que se consolida a vontade de adotar e ser adotado, durante esse tempo, o juiz e seus auxiliares terão condições de avaliar a convivência da adoção.

Insta mencionar que o estágio de convivência nunca será dispensado na adoção por estrangeiro residente ou domiciliado fora do país. Este deverá ser cumprido no território nacional, com duração mínima de 30 dias, conforme disposto no artigo 46, parágrafo 3º, do ECA:

"Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.

 

(...)

 

§ 3º Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias".

Todavia, a adoção internacional, por ser mais suscetível a fraudes e ilicitudes, é um tema delicado, e, portanto, está sujeita a tratados e acordos internacionais e a reciprocidade de autoridades estrangeiras. A finalidade destes tratados é procurar minimizar a problemática do tráfico de crianças.

O Código Civil determina que a adoção por estrangeiro obedecerá aos casos e condições que forem estabelecidas em lei. A colocação de menor por família estrangeira residente e domiciliada no exterior é medida excepcional, somente admissível na modalidade de adoção. Assim, o estrangeiro domiciliado no Brasil submete-se às regras nacionais de adoção e pode adotar, em princípio, como qualquer brasileiro.

O pretendente estrangeiro, residente ou domiciliado no exterior, deverá comprovar a habilitação para adotar segundo as leis de seu país, devendo também apresentar estudo psicossocial elaborado por agência especializada e credenciada no país de origem, de acordo com o artigo 51, parágrafo 1º, do ECA:

"Art. 51 - Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no Artigo 2 da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto nº 3.087, de 21 de junho de 1999.

 

§ 1º A adoção internacional de criança ou adolescente brasileiro ou domiciliado no Brasil somente terá lugar quando restar comprovado:

 

I - que a colocação em família substituta é a solução adequada ao caso concreto;

 

II - que foram esgotadas todas as possibilidades de colocação da criança ou adolescente em família substituta brasileira, após consulta aos cadastros mencionados no art. 50 desta Lei;

 

III - que, em se tratando de adoção de adolescente, este foi consultado, por meios adequados ao seu estágio de desenvolvimento, e que se encontra preparado para a medida, mediante parecer elaborado por equipe interprofissional, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 28 desta Lei".

Ademais, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá determinar a apresentação do texto pertinente à legislação estrangeira, acompanhada de prova da respectiva vigência.

Nos termos da lei processual, o documento em língua estrangeira deve ser apresentado com tradução juramentada, devidamente autenticado pela autoridade consular.

O artigo 52, parágrafo § 8º, do ECA preconiza que não será permitida a saída do adotando do país, enquanto não consumada a adoção:

"Art. 52. A adoção internacional observará o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei, com as seguintes adaptações:

 

(...)

 

§ 8º Antes de transitada em julgado a decisão que concedeu a adoção internacional, não será permitida a saída do adotando do território nacional".

Portanto, a adoção internacional poderá ser condicionada a estudo prévio e análise de uma comissão estadual judiciária de adoção, que fornecerá o respectivo laudo de habilitação para instruir o processo competente. Incumbe a essa comissão manter o registro centralizado de interessados estrangeiros em adoção. A lei estabeleceu nesse dispositivo uma faculdade, não tendo fixado a obrigatoriedade do estudo prévio. A existência dessa comissão é facultativa. De qualquer forma, o laudo dessa comissão, como qualquer perícia, é opinativo e não vincula a decisão do juiz.

III – CONCLUSÃO

A Lei 8.069/90, chamada de Estatuto da Criança e do Adolescente, prima pelo respeito à criança e ao adolescente. Dispõe tal legislação sobre a proteção integral a eles, considerando-os como pessoas em desenvolvimento.

Entre esta proteção integral está a adoção internacional, que é medida extrema, só podendo ser deferida depois de esgotados todos os meios de permanência do menor no seio familiar, ou fora dele, dentro do território nacional. A adoção internacional só deverá ser deferida depois de ter resolvido a situação jurídica do menor e com a habilitação para a adoção deferida ao casal pretendente. Este deverá ser indicado pela Entidade Conveniada, e atender os requisitos da Convenção relativa à proteção das crianças em cooperação em matéria de adoção internacional que ocorreu em Haia, em 1993.

Tal convenção é um passo importante, uma vez que vem prever medidas para garantir que as adoções internacionais sejam feitas no interesse superior da criança e com respeito a seus direitos fundamentais, assim como para prevenir o seqüestro, a venda ou o tráfico de crianças. O Brasil ratificou tal convenção e só permite a adoção internacional com a intermediação de entidades conveniadas, evitando, assim, que ocorra o tráfico ou a venda de crianças, mesmo acobertadas pela Lei.

Dentro do ordenamento jurídico brasileiro está previsto que a criança só sairá do país depois do deferimento, em sentença transitada em julgado, da adoção.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069/90. Rio de Janeiro: Auriverde, 1990.

CHAVES, Antônio. Adoção. Belo Horizonte: Del Rey, 1995, p.23.

DIREITONET. <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2918/Adocao>. Acessado em 08 jun. 2010.

JUS NAVEGANDI. <http://jus2.uol.com.br/Doutrina/texto.asp?id=4819>. Acessado em 08 jun. 2010.

LIBERATI, Wilson Donizeti. Adoção Internacional. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 17/18.

MARMITT, Arnaldo. Adoção. Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 7.

SZNICK, Valdir. Adoção. 2ª ed. São Paulo: LEUD,1993, p. 443/444.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Direito de Família. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2006.