ADOÇÃO DE MENORES E ADOLESCENTES POR CASAIS HOMOAFETIVOS

Por Breno Sampaio Lima Rodrigues | 23/02/2015 | Direito

ADOÇÃO DE MENORES E ADOLESCENTES POR CASAIS HOMOAFETIVOS[1]

 

Breno Sampaio Lima Rodrigues e Felipe do Vale Nunes[2]

 

Sumário: Introdução; 1 Conceitos de família; 2 Adoção; 3 Aspectos jurídicos; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

Nesse trabalho será abordada uma questão bastante polêmica que constantemente vem sendo posta em evidencia pela sociedade. O tema aqui tratado é a problemática em relação à adoção de crianças e adolescentes por parte de casais homossexuais. A idéia central aqui é tratar desse assunto tendo embasamento jurídico na Constituição Federal de 1988, no Código Civil de 2002 e no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e mostrar como esse assunto se reflete na sociedade.

 A relação entre homossexuais pode ser considerada família? Qual melhor solução para a criança? Ser inserida nesse novo modelo de família, caso preencham os requisitos do ECA ou permanecer abrigada? Necessário vencer o preconceito e conservadorismo da sociedade, religiosos, operadores do direito, técnicos do judiciário e legisladores. Ninguém escolhe ser homossexual, possuindo qualidades e defeitos como todos. O importante é que cada caso seja avaliado em concreto.

 

PALAVRAS-CHAVE

Adoção. Casais homoafetivos. Preconceitos. Família.

 

Introdução

O presente artigo versa na decisão tomada pela Quarta turma do STJ que, negando o recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul, manteve sua decisão por unanimidade, permitindo a adoção de crianças por um casal homossexual. Tal caso abre espaço para uma discussão delicada que se transformou em tema bastante debatido atualmente, afinal é decorrente de transformações pelas quais a sociedade tem passado nos últimos tempos. Sendo assim, cabe evidenciar alguns pontos importantes que ajudam na formação da opinião popular e nas mudanças pelas quais a sociedade passa e tem passado.

É importante enfatizar que, para que seja feita uma análise sobre essa questão polêmica da qual o tema propõe para com a sociedade, deve ser explanado primeiramente sobre o que vem a ser o problema, juntamente com qual foi seu percurso histórico e jurídico até chegar à sua atual situação.

1. Conceitos de família

A família vem sofrendo alterações em sua estrutura com o passar dos tempos e com a evolução da espécie humana. Até bem pouco tempo, a família era compreendida somente através do casamento. Anteriormente se obtinha uma visão de família como uma união entre homem e mulher que tinha por objetivo único a procriação, perpetuação da família, concentração e transmissão do patrimônio. Já na Constituição Federal de 1988 reconhece, no seu Artigo 226, parágrafo 4°, a comunidade monoparental como entidade familiar. A respeito disso, a desembargadora Maria Berenice Dias diz:

 A liberação sexual, sem dúvida, em muito contribuiu para a formação desse novo perfil de família. Não há mais necessidade do casamento para uma vida sexual plena. (...) O objetivo dessa união não é mais a geração de filhos, mas o amor, o afeto, o prazer sexual.[3]

 O casamento é uma das instituições mais antigas do mundo civilizado, que sofreu larga influência sócio-religiosa. Todo esse contexto de fato influenciou a edição do Código Civil de 1916, que só dava direitos ao relacionamento matrimoniado.

A família, nessa época, era uma comunidade rural, formada pelos pais, filhos, parentes e agregados, sendo considerada uma verdadeira unidade de produção. Incentivava-se, portanto, a procriação: quanto maior a família, melhor a condição de sobrevivência. A figura central da família era o homem, que tinha o papel de provedor. Já a mulher ocupava o papel de reprodutora. A finalidade da família era sua continuidade.

Com o passar dos tempos, o papel do homem na sociedade vem mudando e a mulher vem ganhando mais espaço nos campos onde até então só os homens vinham a ocupar. Não é mais só o homem o provedor da casa, onde este passou a desempenhar algumas funções para ajudar a mulher com os afazeres domésticos. Aos poucos vieram as lutas pela emancipação da mulher que foi tomando cada vez mais um papel ativo na família e na sociedade, não aceitando mais ser subjugada pelo homem, como era anteriormente.

Os laços familiares também sofreram mudanças em relação aos costumes. A família passa a ser formada não mais pelo simples fato de haver procriação para uma maior produção e sim através de laços afetivos, através da busca pela felicidade. Bem resumiu Jane Justina Maschio as diversas formas que o ser humano consegue se reunir hoje em dia em torno do afeto:

A liberação sexual, sem dúvida, em muito contribuiu para a formação desse novo perfil de família. Não há mais necessidade do casamento para uma vida sexual plena. (...) O objetivo dessa união não é mais a geração de filhos, mas o amor, o afeto, o prazer sexual. Ora, se a base da constituição da família deixou de ser a procriação, a geração de filhos, para se concentrar na troca de afeto, de amor, é natural que mudanças ocorressem na composição dessas famílias. Se biologicamente é impossível duas pessoas do mesmo sexo gerarem filhos, agora, como o novo paradigma para a formação da família – o amor, em vez da prole – os “casais” não necessariamente precisam ser formados por pessoas de sexo diferentes.[4]

 Portanto, desde que haja amor, afeto, essas formações humanas merecem ser chamadas de família, pois cumprem a função desta no seu dia a dia. Diante de tanta diversidade, fica difícil conceituar família na atualidade. Atualmente as pessoas sabem o que fazer com o seu afeto e não mais são obrigadas a reprimi-lo para se subjugar ao desejo dos pais ou da sociedade. Para Fernandinho Martins:

O que é uma família hoje? Formas de relacionamento novas resultam em arranjos inéditos, o que significa que a partir de agora o afeto vale muito mais do que laços burocráticos. A possibilidade de escolher as pessoas com quem se quer viver – a chamada “nova família” – abre um leque variado de combinações possíveis em que o amor parece ser a chave do relacionamento.[5]

 

 

2.Adoção

 

A adoção surgiu, num primeiro momento, somente para suprir a necessidade de um casal infértil. Não se pensava em dar uma família a uma criança abandonada. Entretanto, com as transformações pelas quais o ser humano passa, o propósito desta foi se alterando, tendo assim a proteção do menor como prioridade.

Não se pode deixar de mencionar que o preconceito ainda é bastante evidente na sociedade atual, principalmente em si tratando de pais de mesmo sexo, pois conforme os costumes e aos dogmas impostos pela igreja a adoção seria vista em alguns casos pela sociedade como algo errôneo, como se o fato de ser homossexual fosse algo anormal, que poderia influenciar na educação da criança.

É relevante discorrer sobre instituições de abrigo para crianças e adolescentes no Brasil. O que teria como função ser um lugar onde as crianças deveriam permanecer provisoriamente (Artigo 101/ECA) até encontrarem um novo lar, acaba se transformando em lar quase definitivo, onde as crianças acabam ficando por toda a infância chegando até o final da adolescência, onde a incidência de adoção é consideravelmente menor. Muitas ficam traumatizadas por passarem anos em ambientes como estes devido à falta de estrutura físico-psicológico dos mesmos. Esse sentimento de abandono que a criança sente pode ser percebido claramente no relato da psicóloga Sônia Altoé em seu livro Infâncias Perdidas – O Cotidiano nos internatos-prisão:

 Há um menino no castigo que chora e outro, no fundo da sala, que chora muito. Pergunto a este o que se passa e ele diz: “Um menino me bateu, me deu um chutão aqui. Eles me batem e o tio nem esquenta.” Fala isso várias vezes. “Meu pai não vem mais me ver. Não saí nas férias. Minha mãe não gosta de vir aqui. Não gosto daqui, é muito ruim. Eles (os colegas) me batem.[6]

O deputado federal do PT Marcos Rolim expressou-se muito bem a respeito:

Temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianças institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até completarem 18 anos porque estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é o direito de terem uma família no interior das quais sejam amadas e respeitadas. Graças ao preconceito e a tudo aquilo que ele oferece de violência e intolerância, entretanto, essas crianças não poderão, em regra, ser adotadas por casais homossexuais. Alguém poderia me dizer por quê? Será possível que a estupidez histórica construída escrupulosamente por séculos de moral lusitana seja forte o suficiente para dizer: - "Sim, é preferível que essas crianças não tenham qualquer família a serem adotadas por casais homossexuais?” Ora, tenham a santa paciência. O que todas as crianças precisam é cuidado, carinho e amor. Aquelas que foram abandonadas foram espancadas, negligenciadas e/ou abusadas sexualmente por suas famílias biológicas. Por óbvio, aqueles que as maltrataram por surras e suplícios que ultrapassam a imaginação dos torturadores; que as deixaram sem terem o que comer ou o que beber, amarradas tantas vezes ao pé da cama; que as obrigaram a manter relações sexuais ou atos libidinosos eram heterossexuais, não é mesmo? Dois neurônios seriam, então, suficientes para concluir que a orientação sexual dos pais não informa nada de relevante quando o assunto é cuidado e amor para com as crianças. Poderíamos acrescentar que aquela circunstância também não agrega nada de relevante, inclusive, quanto à futura orientação sexual das próprias crianças, mas isso já seria outro tema. Por hora, me parece o bastante apontar para o preconceito vigente contra as adoções por casais homossexuais com base numa pergunta: - "que valor moral é esse que se faz cúmplice do abandono e do sofrimento de milhares de crianças?"[7]

 

Portanto, privar um casal homossexual de adotar é contribuir com um maior número de crianças sofrendo por não ter um lar e, assim, contribuindo para que cresçam desenvolvendo problemas psicológicos pela falta de maturidade para entender o processo, podendo transformar-se em adultos marginalizados.

O ato de adotar é importante, pois toda criança precisa conviver em um ambiente familiar para que haja construção de sua personalidade e valores, que são fundamentados na relação entre pais e filhos.

3. Aspectos jurídicos

A idéia central aqui é tratar do assunto tendo embasamento jurídico na Constituição Federal de 1988, no Código Civil de 2002 e no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e buscar o entendimento jurisprudencial. O problema surge quando se percebe que existe uma lacuna na lei onde não há proibição expressa em relação à adoção de crianças e adolescentes por casais homossexuais. Hoje já existem casos de casais homossexuais que conseguiram na justiça a guarda dos adotados, mas estas são apenas exceções, pois todos sabem que em sua maioria os adotandos são impedidos de terminar o processo de adoção.

Mas segundo o artigo 43 da ECA, “a adoção poderá ser deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”, acredita-se que a adoção é possível. Se a união entre duas pessoas do mesmo sexo for estável e se estes tiverem um lar duradouro e que convivam em um ambiente tranqüilo, não se pode negar que estes possam dar um lar digno e seguro para a criança adotada.

 Entre os principais argumentos que sustentam a tese contraria ao ato de adoção por casais homossexuais está aquele que utiliza o artigo 226/CF, parágrafo 3° e o artigo 42/ECA que não reconhecem a relação homoafetiva como união estável, não tendo assim direitos à adoção. Entretanto, tal situação pode ser interpretada como uma lacuna da lei e nesse caso o juiz deve seguir o artigo 4º da Lei de Introdução do Código Civil (LICC), “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito

O código civil afirma em seu artigo. 1622 que ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo marido e mulher, ou se viverem em união estável. Concluindo que um casal de homossexuais pode obter uma união estável, eles podem sim adotar uma criança preenchendo o requisito de união estável.

O desembargador Rui Portanova diz que o sistema jurídico permite a adoção por homossexuais, certo que não exista norma alguma que proíba tal ato. Importante citar aqui também sobre a adoção por pessoas solteiras, pois estas não têm nenhuma dificuldade quanto à adoção independentemente de sua opção sexual, necessitando apenas da idade mínima exigida pelo (CC/02). Na visão de Rui Portanova o mesmo deveria acontecer no processo da adoção por casais homossexuais.

Sobre isso a jurisprudência entende que:

 “ADOÇÃO - Pedido efetuado por pessoa solteira com a concordância da mãe natural - Possibilidade - Hipótese onde os relatórios social e psicológico comprovam condições morais e materiais da requerente para assumir o mister, a despeito de ser homossexual - Circunstância que, por si só, não impede a adoção que, no caso presente, constitui medida que atende aos superiores interesses da criança (...)”

Vale ressaltar também que a discriminação que esses casais vêm sofrendo por grande parte da sociedade é crime. Estes por sua vez têm seu direito assegurado pela Constituição Federal (CF) no seu artigo 5º:

 Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)

Em contra partida um argumento de grande força contra a adoção por parte dos casais de mesmo sexo é a Lei Maior, que afirma que família, a sociedade e o estado têm, diante da criança e do adolescente o dever de salvá-los de possíveis atos discriminatórios, que consta no artigo 227 da CF. O que seria impossível aos pais adotivos, já que estes também são discriminados pela sociedade.

O estado através de procedimentos legais pode vir a recusar a adoção de pais de mesmo sexo afirmando que estes não irão assegurar ou proteger o futuro e a integridade da criança. O artigo 226 da CF, § 3º dispõe que: “ para a proteção do Estado é reconhecida a  união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar...” Segundo este artigo, esta claro que nem a relação homossexual seja estável, não poderá ser considerada como tal, pois a CF diz que a união estável é composta por um homem e uma mulher.

Apesar de algumas decisões serem inéditas em nosso país, a jurisprudência moderna tem sido admirável, pois ela vem se preocupando cada vez mais com a dignidade do ser humano como um todo.

 

Conclusão

Após todo esse estudo, chega-se à conclusão que o primordial em toda essa história é o bem estar e o desenvolvimento saudável da criança, a possibilidade de ver seu direito constitucional de ter uma família e ser respeitada. É inadmissível privá-la dessa experiência por puro preconceito. Não é possível que se confunda questões jurídicas com questões religiosas ou morais. Homossexualidade não é doença e não pega. É apenas uma orientação sexual do indivíduo. Ninguém escolhe ser homossexual. Existem pessoas maravilhosas, dignas e respeitáveis que se descobriram homossexuais e merecem ser felizes.

É importante também que o juiz haja de modo coerente e deixe de lado seu preconceito e seus valores que foram impostos, estes que impedem de proferir uma sentença justa a alguém que preencha a todos os requisitos exigidos pelo ECA, e com isso ter a humildade de primeiramente conhecer quem é o candidato ou quem são os candidatos, para essa criança que tanto necessita de uma família.

O importante, é que a discriminação, o preconceito, os valores pessoais do julgador não impessam que a tutela jurisdicional seja prestada com justiça e que seja julgado caso a caso, sem generalização de classes, sem pré-julgamentos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências

ALTOÉ, Sônia. Infâncias Perdidas – O Cotidiano nos internatos-prisão. Rio de Janeiro: Xenon. 1991.

BLUM, Melissa de Matos. Adoção Homoafetiva. Disponível em <http://www.advogado.adv.br/estudantesdireito/direitodecuritiba/melissademattosblum/adocaohomoafetiva.htm>. Acesso em 1 de novembro de 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. Yussef Said Cahali (Org.). 4. ed. atual. até 04/01/2002. São Paulo: RT, 2002 (Coleção Mini Códigos da RT).

BRASIL. Lei 8.069 – Estatuto da Criança e do Adolescente: promulgado em 13 de julho de 1990. Yussef Said Cahali (Org.). 4. ed. atual. até 04/01/2002. São Paulo: RT, 2002 (Coleção Mini Códigos da RT).

BRASIL. Lei 3.071 promulgada em 1.º de janeiro de 1916 – Código Civil Brasileiro. Yussef Said Cahali (Org.). 4. ed. atual. até 04/01/2002. São Paulo: RT, 2002 (Coleção Mini Códigos da RT).

BRASIL. Novo Código Civil (Lei 10.406/2002): em vigor a partir de 11 de janeiro de 2003. Giselle de Melo Braga Tapai (coord.). São Paulo: RT, 2002 (Coleção Mini Códigos da RT).

DIAS, Maria Berenice. Amor não tem sexo. Disponível em <http://www.mariaberenicedias.com.br>. Acesso em  1 de novembro de 2010.

MASCHIO, Jane Justina. A Adoção por casais homossexuais. . Disponível em <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2764>. Acesso em 1 de novembro de 2010.

MARTINS, Fernandinho. Pais fora do comum. . Disponível em <http://www2.uol.com.br/mixbrasil/cultura/especial/pai/pai.shl>. Acesso em  2 de novembro de 2010

ROLIM, Marcos. Casais Homossexuais e Adoção. Disponível em <http://www.rolim.com.br/cronic162.htm>.  Acesso em  2 de novembro de 2010.



[1] Artigo científico apresentado à disciplina de Antropologia do 2° período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB) ministrada pelo Professora Kátia Nubia para obtenção de nota.

[2] Graduandos do 2° Período Noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[3] DIAS, Maria Berenice. Amor não tem sexo. In: Site Maria Berenice Dias. [Internet].

[4] MASCHIO, Jane Justina. A Adoção por casais homossexuais. P.1.

[5] MARTINS, Fernandinho. Pais fora do comum. P. 1.

[6] ALTOÉ, Sônia. Infâncias Perdidas – O Cotidiano nos internatos-prisão. P. 122.

[7] ROLIM, Marcos. Casais Homossexuais e Adoção. P. 1

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