Acredita em disco voador?
Por Ivani de Araujo Medina | 14/09/2009 | HistóriaPor Ivani de Araujo Medina
Esta pergunta revela mais do que
aparenta. Hoje são discos, na Antiguidade eram escudos.
Não importam as formas, sim a essência dos
comentários. A possibilidade da existência de vida
inteligente no universo, além da humana, é para
muitos um grande absurdo. Contraria a idéia de que a vida
só existe aqui por um ato divino e os astros têm a
finalidade de enfeitar as nossas noites terrenas. É como se
existisse um único cardume de sardinhas no oceano.
Egocentrismo maior é impossível.
Nesta
pergunta o verbo já define a origem do pezinho
atrás. O verbo “acreditar”, cuja
conotação é bem conhecida, se refere
à crença e à fé. Por uma
questão de fidelidade à própria
cultura, pois a constatação da
existência de inteligência extraterrestre causaria
danos irreparáveis a ela, melhor ficar em guarda.
“Crer” tem “duvidar” como
resposta automática no caso de legítima defesa.
Pensar, pra quê? Santo Agostinho e Martinho Lutero eram
contra.
De fato, tudo se encaixa com uma facilidade
ameaçadora para se deixar à vontade o pensamento.
A divindade está no céu; a divindade veio do
céu; os anjos desceram do céu; os anjos voltaram
ao céu; fulano foi levado para o céu; sicrano
subiu ao céu; os deuses vieram do céu; quando
morre vai para o céu; uma luz intensa brilhou no
céu etc., mas céu não existe.
É uma ilusão de ótica provocada pela
atmosfera que nos dá um azul encantador, enfeitado com
nuvens brancas ou cinzentas. O que existe é o lá
fora, o desconhecido e nós fazemos parte dele com nossas
crenças e dúvidas. Queiramos ou não.
Nessa
majestosa insignificância azul dentro da noite eterna, por
imaginada concessão divina, nos sentimos como o sujeito do
esférico objeto. O delírio é tamanho
que não conseguimos nos perceber como objeto quando o
Universo é o sujeito. Sujeito surdo e mudo às
nossas súplicas e indiferente ao nosso destino. O Homem
criou uma história bonita para suportar uma realidade
adversa e dar prosseguimento a um modelo conhecido. Segundo a
crença mesopotâmica o Homem foi criado pelos
deuses para servir-lhes de escravos e adorá-los para sempre.
Por isso o Homem deve ser governado segundo as leis daqueles que o
criou as suas imagens e semelhanças. A bíblia
hebraica ─ a Lei ─ tem sua origem aí, na
Mesopotâmia.
A religião mesopotâmica
era de origem científica, voltada para este mundo e
diferente da egípcia, voltada para depois da morte. Na
Mesopotâmia, religião e ciência vinham
do mesmo lugar ─ do templo. A rixa entre religião e
ciência é uma falsa questão surgida na
Idade Média por afirmação de poder. A
pesar da cultura dominante, sabemos que em fase tardia da filogenia
houve um crescimento explosivo do cérebro humano, provocando
alterações que levaram ao limite o
equilíbrio do esqueleto das fêmeas humanas ─ a
abertura do osso da bacia para dar passagem ao novo e volumoso
crânio do bebê intempestivo ─ queimando etapas no
processo de evolução e fundando a dor do parto.
Uma sugestão de manipulação
genética refutada por alguns intelectuais como
“tolice pura” e ponto final. O Homo sapiens surgiu
assim, repentinamente na história da
evolução da vida no planeta. Vale lembrar que
este artigo se refere à criação da
espécie humana, e não ao surgimento da vida.
Todavia,
não é exigida a crença nessa
possibilidade e tampouco lhe é atribuído um
caráter científico acompanhado do desbotado
“está cientificamente provado”. A
palavra “possibilidade” se refere a algo que pode
ter acontecido, algo que não contradiz necessariamente os
conhecimentos recentemente adquiridos, mas deixa uma incomoda
dúvida onde ela não existia, ou dela se procurava
escapar. Somente por isso a consideração de uma
possibilidade é produtiva à reflexão.
Ao
refletirmos sobre a constituição moral do Homem,
constatamos uma história complicada: moral significa costume
e os costumes sempre variaram de povo a povo, de tribo a tribo,
inclusive como resposta a um conflito intimo oficialmente sem
explicação. Se por
meditação considerarmos a crença
mesopotâmica como a origem da nossa natureza divina
(historicamente falando) ─ somada à natureza dos seres
primordiais da Terra, que se encontravam num estágio
diferente de evolução, mais adaptados do que os
deuses para executarem tarefas braçais ─ verificamos uma
desarmonia congênita na intimidade do novo ser.
Não eram uma coisa nem outra. Muito, para a escala evolutiva
em que se encontravam, e pouco, para o mundo dos seus criadores. Um
verdadeiro conflito ambulante, produto do erro (pecado) que lhe deu
origem ─ o pecado original.
Para encurtar a história,
digamos que um dia esses seres conflitados se viram entregues a
própria sorte quando seus criadores partiram. Espalharam-se
pela Terra, exterminaram as demais espécies do
gênero Homo e (com o que puderam assimilar do
convívio com os seus criadores) iniciaram a
própria história. Os mais espertos tomaram o
lugar dos deuses e exerceram a supremacia. Aliás, a palavra
“deus” não tem nada de sobrenatural na
sua etimologia. Significa “brilhante”, luzente como
são os discos voadores. Essa possibilidade não se
choca com as chamadas conquistas espirituais e pode até
explicá-las. É o caso típico em que
uma possibilidade não anula a outra. Já imaginou
se um disco voador foi o início de tudo e nós
somos um subproduto de uma raça biologicamente mais
evoluída? Que desconcertante, não?
Não
obstante, também percebemos delírios tanto na
negação quanto na afirmação
dessa possibilidade. Muitos fazem vigílias à
espera de uma salvação que não
virá de um disco voador, se é que o nosso caso
tem salvação. Se jeito houvesse, os criadores da
Humanidade já o teriam dado. Se não houve,
está explicado o fato dos nossos ancestrais remotos serem
descartados como foram. A crença de que o interesse deles
é trazer evolução à
Humanidade não pode fazer sentido. Teriam interferido em
diversas ocasiões se a intenção fosse
nos poupar sofrimentos. Enfim, será que existe da parte
deles alguma curiosidade para ver no que a
criação do Homem vai dar? Pode ser.
De
certo, nada se sabe a respeito, ao menos, oficialmente. Alguns
afirmaram que a revelação de tais
evidências levaria o sistema econômico ao colapso e
convulsões sociais sacudiriam o mundo. Não levo
em conta essa visão catastrófica. Todos iriam
trabalhar no dia seguinte e as crianças para as escolas. A
conversa não seria outra, evidentemente, e as
transformações chegariam a seu tempo. Claro que
muita gente não gostaria delas e o problema está
aí. A crença religiosa movimenta valores
inimagináveis e isso não é novidade.
O
fato é que as possibilidades humanas caminham lentamente sob
as luzes da ciência, que delas pouco pôde
desvendar. No entanto, a tecnologia se evidencia, cada vez mais, como a
ponta da lança da origem divina do Homem. Enquanto a
consciência ainda dorme na sombra, os quarenta
ladrões furtam às claras sem nada a temer. Na
gruta deles, fechada pela grande pedra do temor, a riqueza imensa que
equilibraria esse vertiginoso avanço tecnológico
está depositada em benefício próprio,
em continuidade à tradição daqueles
que se puseram no lugar dos deuses, administrando a dificuldade moral
congênita do Homem. E não há como
impedi-los. Portanto, sem fazer uso das metáforas
gnósticas, arrisco a protestar com clareza: ─ Abre-te,
cérebro!