Ação e reflexão- Uma leitura pedagógica da conjuntura atual.
Por Valter Marciano dos Santos Chereta | 11/05/2016 | PolíticaValter Chereta - Pedagogo e Educador Popular Freireano.
No momento em que vivemos, as opiniões e posições estão sendo cada vez mais reacionárias e extremistas: não há respeito ao pensar diferente, não esta havendo respeito nem pelo sujeito quem dirá pelo sujeito virtual que representa um perfil nas redes sociais. Democracia é saber conviver e respeitar as diferenças, não podemos nos utilizar das redes sociais de forma inconsequente, não podemos e não devemos expor imagens e opiniões que denigram, ofendam e ataquem a moral das outras pessoas como se isso fosse natural. Não nos damos conta de que do outro lado há um ser humano com sentimentos, com família, que apenas diverge das nossas ideias mas que em momento algum merece ser ofendido, agredido ou exposto.
Nossa sociedade se encaminha para um caos social, para uma polarização entre nós e eles, pobres e ricos, pão com mortadela e coxinha, esquerda e direita. Estamos dando muito mais valor para o que nos afasta do que para o que nos une. Nosso país vem de uma herança colonial e de um regime escravocrata no qual se criou uma cultura de submissão e de servidão na qual o grande objetivo do oprimido não é a libertação, mas sim se tornar um novo opressor. Nos dias de hoje é muito normal ver discurso dos trabalhadores defendendo a ideologia dominante, defendendo a meritocracia sem perceber que o que produz a riqueza é seu trabalho.
A logica da relação opressor versos oprimido, e do oprimido que serve de instrumento da opressão, fica bem desenhada na história dos capitães do mato durante a escravidão: eram pessoas do meio dos negros que em troca de migalhas a mais defendiam os coronéis e espancavam os escravos com um discurso de que ele era valorizado pelo patrão, mas jamais se sentaram a mesa com o coronel e da mesma forma igual a qualquer outro escravo era substituído sem nenhum constrangimento e ao menor sinal de fraqueza ou de adoecimento, qualquer semelhança aos chefes das fabricas não é mera coincidência.
A cultura e os valores dominantes são os disseminados e difundidos pela elite e que sempre tiveram como seus aliados as igrejas, as escolas e os meios de comunicação. Se analisarmos a estrutura de uma cidade do Rio Grande do Sul ou do estado do Para veremos que elas se assemelham em quase tudo, senão em tudo, as cidades se formaram entorno de uma igreja e ao seu redor moram e possuem seus comércios, empresas, patrimônios os mais bem sucedidos. E nas periferias, nas margens das cidades, estão as pessoas mais pobres, que trabalham e estudam com o objetivo de serem iguais aos que moram no centro sem se importar em serem explorados, pois afinal o trabalho dignifica o homem e as coisas são assim, eles são ricos “porque trabalharam muito”. Falsa ilusão, ninguém enriquece do próprio trabalho, as pessoas acumulam riquezas quando se apropriam do trabalho dos outros.
Pode parecer que estou andando em círculos e não estou indo a lugar algum, mas essa é a nossa realidade. Muitos trabalhadores chamam os militantes de esquerda de pão com mortadela, mas é isso que os mesmo comem no café da manhã antes de ir ao trabalho e a realidade deles é muito mais próxima a dos que comem pão com mortadela do que dos que comem caviar e tomam champanhe, mas o seu ideário é ser igual a eles. A ascensão da classe trabalhadora cria uma nova classe média trabalhadora que não se vê mais como trabalhadora e que passa a ver no povo mais humilde pessoas marginalizadas e inferiores esquecendo que saíram do povo e que tiveram oportunidades e politicas que possibilitaram a sua ascensão, que não se deu, portanto, apenas pelos seus méritos. Com esse movimento, o oprimido de ontem, mesmo que ainda oprimido de forma inconsciente, hoje tornas-se um instrumento a serviço do opressor e da opressão.
No Brasil pessoas que foram beneficiadas por algum programa criado pelos governos do PT hoje chamam os petistas de ladrões, comunistas e de tudo que se possa imaginar, reproduzindo o discurso de uma elite raivosa e revanchista que não aceita a derrota nas urnas e o sucesso de uma política pública que levou a outro patamar com politicas de redistribuição das riquezas. Um país que em 14 anos avançou muito mais nas questões sociais do que nos primeiros 500 anos de história. As pessoas ainda não se deram conta que estamos devolvendo o país aos mesmos que estiveram no poder por mais de 500 anos e que transformaram esse país em uma pátria de poucos, em uma sociedade em que a única coisa que crescia era a desigualdade e a exclusão.
Nessa historia somos perseguidos muito mais pelos nossos acertos do que pelos nossos erros, a mídia jamais esteve, e jamais estará, do nosso lado. Ela reproduz e dissemina a ideologia das elites dominantes e convence as camadas populares de que entre tantos apenas um sujeito é o corrupto. Uma mentira contada tantas vezes se torna uma verdade. Não quero dizer que a ideologia dominante seja uma mentira, ela é uma verdade, assim como a ideologia da esquerda que defendemos também é uma verdade, só depende de que lado você está e qual ideologia você defende. Eu escolhi a mais difícil que contraria o senso comum e que não aceita as coisas como determinadas. Precisamos ter consciência de que somos seres inacabados e que aprendemos a cada dia, não somos resultado apenas das nossas escolhas, mas do meio em que vivemos e das pessoas com quem nos relacionamos. E das nossas trocas de experiência. A cultura possui um papel importantíssimo nas nossas escolhas e nas nossas decisões.
Numa sociedade em que a conscientização não anteceda a libertação, o resultado é esse que estamos vivendo hoje. É um ciclo que se encerra, precisamos retornar aos nossos espaços de luta e deixar claro aos nossos companheiros que o que vivemos é sim uma luta de classes, somos nós contra eles, é direita contra a esquerda, é operário contra patrão, é o Brasil novamente no mapa da fome, é o retrocesso, é a retirada de direitos, é a eliminação dos rebeldes, é a devolução do país aos senhores de engenho e aos coronéis.
O país está voltando para as mãos dos mesmos que nunca se preocuparam com a miséria e a desigualdade social, ao contrário, colonizaram e levaram toda a riqueza do país para a Europa, mantiveram um regime escravistas que foi o ultimo a acabar na América Latina, que jogou sua população negra as margens sem nenhuma reparação e sem a garantia de nenhum direito, nem sequer o da dignidade. Diminuíram a importância dos índios, LGBTs e das mulheres na história, foram contra as cotas, contra a regulamentação do trabalho doméstico e da conquista dos direitos trabalhistas por parte das mulheres, na sua totalidade pobres e negras.
Nosso desafio hoje é admitir que nós perdemos a capacidade de dialogar com a nossa base social, a qual vem sendo bombardeada de informações diariamente que reproduzem a ideologia do andar de cima. Prefiro ver o copo meio cheio a ver ele meio vazio, prefiro acreditar mais no amor do que no ódio, precisamos fazer a disputa das mentes e dos corações das pessoas, precisamos voltar a ser a esperança para nossas bases. Nossa luta se faz necessária pois enquanto houver opressão, desigualdade e injustiça não podemos descansar. Nesse momento que se aproxima, na iminencia de um governo que se alinha a cartilha neoliberal, nossas ações serão indispensáveis, visto que as reformas e ajustes trarão perdas e retrocessos principalmente nas politicas que atendem e abrangem a classe trabalhadora. Boa luta!