Abuso Legalizado
Por Leonardo Castro | 22/08/2008 | DireitoO Projeto de Lei n.º 213/2007, proposto pelo senador Adelmir Santana (DEM-DF), promete tornar legal a fixação de preço diferenciado na venda efetuada em dinheiro de produtos ou serviços em relação aos preços pagos com cartão de crédito. O abuso será concretizado através da inclusão do seguinte texto ao artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor:
§ 2º Não se considera abusiva a fixação de preço diferenciado na venda de bens ou na prestação de serviços pagos com cartão de crédito em relação ao preço à vista.
De acordo com o senador, “Cumpre destacar, entretanto, que a proibição da fixação diferenciada dos preços se dá em detrimento do próprio consumidor, em especial do consumidor mais pobre, que nunca utiliza o pagamento por meio do cartão de crédito”.
A interpretação do nobre político é absurda. Na nova redação, a compra em dinheiro é tratada como “preço à vista”, caracterizando o cartão como compra a prazo. Ora, pouco importa ao consumidor o lapso temporal que decorrerá entre a compra e o pagamento ao comerciante. No momento da aquisição do produto ou serviço, quando autorizado o débito pela administradora, extingue-se a obrigação daquele que efetua a compra, restando ao comerciante a busca pelo ressarcimento junto àquela que assumiu a dívida. Logo, na relação comerciante-consumidor, não há como diferenciar as formas de pagamento. Têm-se ambas, em qualquer caso, como modalidade de venda “à vista”. Portanto, qualquer diferenciação é abusiva.
Outro ponto levantado trata da questão do “consumidor mais pobre”. A consideração, além de desrespeitosa à isonomia a todos assegurada, demonstra a busca desesperada do político, através de um projeto pífio, pela aprovação das grandes massas - o anseio pelo carisma em detrimento das prerrogativas legais da população.
Por fim, para fechar com chave de ouro, o senador frisa em seu projeto que “A aceitação do cartão de crédito por parte do vendedor possui um custo, e este é repassado aos consumidores na forma de preços mais altos. Esse custo deveria ser pago pelo consumidor que utiliza o cartão para quitar suas compras”.
O ponto de vista de Santana causa perplexidade. No seu entender, o comerciante que aufere lucros ao ofertar um diferencial no mercado – a aceitação do cartão de crédito – e abocanha, conseqüentemente, uma parcela maior de clientes, não deve pagar por isso. Já aquele que foi atraído pela vantagem, ou seja, o consumidor, deve custeá-la. Em suma, lucros maiores sem ônus ao empresário. Destarte, o autor da proposta dá a entender que a venda com cartão é mera camaradagem do empresário, sem qualquer contra partida.
Ainda que tendencioso e pobre doutrinariamente, o projeto teve relatório favorável. O relator do PLS n. º 213/2007, Renato Casagrande (PSB-ES), dando asas ao devaneio, argumenta que o consumidor que não utiliza o cartão de crédito tem direito a pagar um preço menor do que aqueles que o utilizam. Tudo em benefício, supostamente, dos mais pobres.
Se aprovado, o consumidor que faz uso do serviço de cartão de crédito deverá pagar mais caro em suas compras. Perde o consumidor, que passa a ser obrigado a custear o diferencial de mercado oferecido por alguns empresários, bem como o comerciante que não disponibiliza a opção de pagamento em seu estabelecimento. No final das contas, o dispositivo legal será vantajoso somente aos empresários possuidores de empreendimentos bem estruturados, com capacidade para a oferta do meio de pagamento, como é o caso, coincidentemente, do ilustre senador.