ABORTO PROVOCADO, ASPÉCTOS ÉTICOS E LEGAIS: O DIREITO A VIDA

Por Laércio Fabricio Alves | 19/04/2009 | Saúde

Laércio Fabrício Alves*

Resumo

O tema aborto provocado é um assunto que envolve questões éticas e morais. E devido a aspectos religiosos existem varias formas de se compreender, devido as suas crenças e complexidade de estudos. Considerado um crime contra um feto, ou seja, um ser indefeso ou inocente, trazendo a este grandes conseqüências físicas e psicológicas. O feto é protegido pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O aborto legalizado é previsto no código penal nos casos de estupro e risco de morte para a mãe, os outros casos estão sujeitos a pena de detenção ou reclusão. Para um atendimento eficaz é indispensável uma equipe multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, assistência social e psicóloga. Ainda são poucos os estudos e dados sobre o aborto provocado, devido à sua clandestinidade e complexidade. Muito se fala sobre o aborto porem pouco se fala sobre suas conseqüências que são muitas: laceração do colo uterino, perfuração uterina, endometrite, histerectomia, septicemias, infecção pélvica, peritonite, choques sépticos e hipovolêmicos, infertilidade entre outras. Outras conseqüências importantes são seqüelas psicológicas para a mãe e para a família.

Abstract

The abortion issue is a matter that involves ethical and moral issues. And because the religious aspects are different ways to understand, because their beliefs and complexity of studies. Considered a crime against a fetus, or be a helpless or innocent, bringing the major physical and psychological consequences. This is protected by the Constitution and the Statute of the Child and Adolescent. Abortion is legalized under the Penal Code in cases of rape and risk of death for the mother. Other cases are subject to penalty of imprisonment or detention. For an effective care is essential for a multidisciplinary team comprising doctors, nurses, psychologists and social assistance. Although there are few studies and data on abortion, because of their complexity and secrecy. Much is said about abortion but little is said about its consequences are many: cervical laceration, uterine perforation, endometritis, hysterectomy, septicemia, pelvic infection, peritonitis, septic and hypovolemic shock, infertility among others. Other psychological sequelae are important consequences for the mother and the family.



Palavra Chave

Aborto Provocado, Saúde da Mulher, Ética, Epidemiologia, Mortalidade Materna.

Introdução

Considera-se abortamento a interrupção da gestação até a 20ª semana e ainda pesando menos de 500g o produto da concepção. O produto da concepção eliminado neste processo é denominado aborto (MARIANI NETO; TADINI, 2002).

O aborto provocado é um assunto debatido e abordado mundialmente, principalmente nos países onde ele é considerado crime, como é o caso do Brasil, pois é normal que se discutam razões que levam as mulheres a abortar e as conseqüências dessa decisão, tratando o abortamento como uma questão de saúde da mulher e do bem estar da família (HARDY et al., 1994).

Biondo (2002), ainda acrescenta que o aborto é uma questão que envolve problemas éticos e de saúde publica, tanto no Brasil como no mundo.

Para Soares (2003), a abordagem é influenciada por questões morais e religiosas que trazem dificuldades para a compreensão do tema devido sua complexidade. Geralmente, a assistência é norteada pela concepção de que o abortamento é um crime, sem referência aos direitos reprodutivos ou às questões sociais que derivam da problemática da clandestinidade, que vem aumentando cada vez mais. A decisão de ser ou não mãe é freqüentemente vista apenas como de ordem individual da mulher, omitindo-se o envolvimento de fatores econômicos e sociais, além de implicar as condições da relação dela com o companheiro (HARDY et al., 1994).

Para Biondo (2002), o embrião segundo a concepção atual, seria um sujeito de direito, contido e alimentado dentro de/por outro sujeito de direito; então se compreende que aparece assim a possibilidade de um conflito, pois entre um sujeito mais forte (a mãe) e um mais fraco (o feto), devem-se prevalecer os princípios básicos do direito e da ética, que afirma que é o mais fraco que dever ser defendido em primeiro lugar caso se apresente em um desenvolvimento normal.

Para Schor e Alvarenga (1994), em uma avaliação do ponto de vista social a prática do aborto está relacionada com uma série de processos particulares que vão desde as dificuldades de sobrevivência da mulher ou da família, à carência de programas educativos e de planejamento reprodutivo, à alta do custo de vida, além de outros.

Objetivo

Mostrar como os aspectos legais e morais ainda influenciam na decisão das mulheres no momento de decidir pelo aborto, e as diferentes opiniões de profissionais da área.

Metodologia

A presente pesquisa é do tipo qualitativa, exploratório-descritiva. Para obtenção dos dados, utilizou-se o levantamento bibliográfico realizado nas bases de dados MEDLINE, LILACS, SCIELO, BIBLIOTECA VIRTUAL DE ENFERMAGEM.

A História Construída Acerca do Aborto

Num país em que crimes de pequeno, médio ou grande porte deixam de ser julgados e conseqüentemente punidos pela concorrência dos mais diversos fatores, tais como, falta de provas, ineficiência dos sistemas policiais e/ou jurídicos, não haverá de ser diferente em relação à prática do aborto, considerada ilegal pelo atual Código Penal, em vigor desde 1940. Segundo Decreto da Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (artigos 124 a 127), somente duas modalidades de aborto não são puníveis, tais como aquele que é feito com a tentativa de salvar a vida da gestante e o decorrente de gravidez por estupro (Schor; Alvarenga, 1994).

Entretanto é de extrema importância salientar que segundo Soares (2003), apenas na década de 80, foram realizados, oficialmente, os primeiros atendimentos no serviço público de saúde brasileiro.

O primeiro serviço de atendimento ao abortamento previsto em lei foi implantado no Hospital Municipal Dr. Arthur Saboya, de São Paulo, em 1989. Na etapa inicial de implantação, os serviços se centraram na interrupção da gravidez, no entanto, com o cotidiano da assistência, o foco do atendimento foi deslocado para a atenção à violência sexual, ampliando e diversificando, dessa forma, a abrangência das ações de saúde (SOARES, 2003).

Ainda que no Brasil, o aborto, essa prática clandestina por excelência, carregue a marca da reprovação, certamente não terá sido assim no decorrer da história da humanidade, pois, sabe-se que desde os povos da antiguidade este era difundido entre a maioria das culturas pesquisadas. O imperador chinês Shen Nung cita em texto médico escrito entre 2737 e 2696 a.C. a receita de um abortífero oral, provavelmente contendo mercúrio (Schor; Alvarenga, 1994).

Naquela época, o número de filhos era importante para a sobrevivência dos grupos e se uma mulher desejasse evitar a gravidez, supunha-se que os métodos utilizados eram baseados em práticas de magias, superstições, de apego a amuletos e encantamentos (SALATA, 2005).

Segundo Leão et al., 2005, na antiga Grécia o aborto era preconizado por Aristóteles como método eficaz para limitar os nascimentos e manter estáveis as populações das cidades gregas.

Biondo (2002) acrescenta que Aristóteles diz que o corpo da mulher, nada mais é que um pequeno forno aonde o esperma paterno, depositário da forma, chega á maturação, onde a mulher provê somente a matéria, o alimento, e seu útero não passa de um recipiente.

Já Salata (2005), salienta que na historia da grega, a mulher não tinha autonomia sobre si, nos casos de abortos, sem consentimento do marido, a lei previa a pena de morte, no entanto, é importante destacar que essas leis não eram aplicadas em mulheres com grande poder econômico e alfabetizadas.

Entretanto com o atual desenvolvimento das ciências da vida, a manipulação de óvulos e a experimentação de todo tipo de fecundação artificial podem tornar difícil à definição de que é a "mãe" de um feto, como no caso das barrigas de aluguel, onde temos um embrião, uma mulher que fornece o óvulo e uma outra que disponibilizou o útero, percebemos assim que a teoria de Aristóteles, como seu pequeno forno, não é tão distante da nossa experiência hodierna (BIONDO, 2002).

O Argumento de que na época de Aristóteles, não havia os conhecimentos científicos de hoje, não é suficiente para resolver o problema atual, pois se prestarmos atenção, o progresso da ciência não modificou quase em nada o sistema simbólico subentendido à gestação e à maternidade (BIONDO, 2002).

Por sua vez, Platão considerava que o aborto deveria ser obrigatório, por motivos eugênicos, para as mulheres com mais de 40 anos. Sócrates aconselhava às parteiras, que facilitassem o aborto às mulheres que assim o desejassem. Já Hipócrates, em seu juramento, assumiu o compromisso de não aplicar pressário em mulheres para provocar aborto (LEÃO et al., 2005).

Entre os Gauleses, o aborto era considerado um direito natural do pai, que era o chefe incontestável da família, que tinha livre arbítrio sobre a vida ou a morte de seus filhos (LEÃO et al., 2005).

Em Roma, onde o aborto era uma prática comum, embora interpretada sob diferentes prisma, a depender da época. Quando a natalidade era alta, como nos primeiros tempos da República, ela era bem tolerada, já com o declínio da taxa de natalidade a partir do Império, a legislação se tornou extremamente severa, caracterizando o aborto provocado como delito contra a segurança do Estado (LEÃO et al., 2005).

Salata (2005), ainda complementa dizendo que em Roma as anticoncepções eram feitas com poções e base de plantas, já que o aborto não era considerado um crime.

Segundo Schor e Alvarenga (1994), os povos hebreus, era multado aquele homem que ferisse uma mulher grávida, fazendo-a abortar. Esse ato de violência obrigava aquele que ferisse a mulher a pagar uma multa ao marido desta, diante dos juízes; se, porém, a mulher viesse a morrer em conseqüência dos ferimentos recebidos aplicava-se ao culpado a pena de morte.

Salata (2005) acrescenta que os hebreus utilizavam o método de coito interrompido, que aparece nos relatos em Gêneses sobre Onam, e também técnicas com a introdução de substancias esponjosas na vagina, remoção do esperma e movimentação violenta da mulher após o ato sexual, para a mulher não engravidar.

Com o advento do Cristianismo, o aborto passou a ser definitivamente condenado, com base no mandamento "Não Matarás". Essa posição é mantida até hoje pela Igreja Católica, mas ao contrário do que se possa pensar, ela não foi tão uniforme ao longo dos anos, pois, Interesses políticos e econômicos contribuíram para que isso acontecesse (LEÃO et al., 2005).

No Século XIX, o aborto expandiu-se consideravelmente entre as classes mais populares, pelo êxodo crescente do campo para a cidade e da deterioração de seu nível de vida desta população. Na classe alta o controle da natalidade era obtida através de uma forte repressão sexual sobre seus próprios membros e a prática do aborto, embora comum, era severamente condenada (LEÃO et al., 2005).

Segundo Leão et al., 2005, no Brasil o código criminal do império, de 1830 não previa o crime de aborto se praticado pela própria gestante, criminalizando apenas a conduta de terceiro que o realizasse. Já o código penal seguinte de 1890, passou a prever como crime o aborto, mesmo quando praticado pela paciente, com ou sem auxíliode terceiro.

Vem tornando-se mais e mais comum que o número de defensores da prática livre do aborto venha crescendo respaldados em razões de ordem econômica, política, social e demográfica, muito embora, em função de contextos históricos, a questão possa apresentar-se controversa e ambígua (SCHOE E ALVARENGA, 1994).

No século XX, ocasionaram certas modificações importantes nas legislações que regiam a questão do aborto e são explicitadoras dessas diferentes ordens de motivos que fundamentam concepções e políticas a respeito. Pois com a Resolução de 1917, na União Soviética, o aborto deixou de ser considerado um crime naquele país, tornando-se um direito da mulher a partir de decreto de 1920. Processo inverso aconteceu em alguns países da Europa Ocidental, sobretudo aqueles que sofreram grandes baixas durante a Primeira Guerra Mundial, que optaram por uma política natalista,

com o endurecimento na legislação do aborto. Então com a ascensão do nazifacismo, as leis antiabortivas tornaram-se severíssimas nos países em que ele se instalou com o lema de se criarem "filhos para a pátria". O aborto passou a ser punido com a pena de morte, tornando-se crime contra a nação, a exemplo do que ocorreu em certo momento no Império Romano (Schor; Alvarenga, 1994).

Após a Segunda Guerra Mundial, as leis continuaram bastante restritivas até a década de 60, com exceção dos países socialistas, e do Japão que apresentou a lei favorável ao aborto desde 1948, ainda na época da ocupação americana (SCHOE E ALVARENGA, 1994).

Portanto segundo Schor e Alvarenga (1994), o processo do aborto aumentou a partir dos anos 60, em virtude da evolução dos costumes sexuais, da nova posição da mulher na sociedade moderna e de outros interesses de ordem político-econômica, onde a tendência foi para uma crescente liberalização. Acentuou-se na década de 70, onde a população mundial já vivia em países que apresentaram as leis mais liberais, pois mais da metade delas foi aprovada nesta última década.

No Brasil e em outros países, a lei atribui ao médico, a última palavra sobre a oportunidade de levar a cabo uma gestação. O desenvolvimento do diagnóstico por imagem, se de um lado representou uma conquista muito grande em termo de saúde, do outro reduziu a maternidade a puro mecanismo reprodutivo, que alguém de fora pode controlar através de diferentes instrumentos (BIONDO, 2002).

É de extrema importância salientar que segundo Biondo (2002), instrumentos não são apenas as máquinas para diagnósticos, mas também os códigos jurídicos, éticos e econômicos, pensados e escritos por homens, que transformaram a reprodução em função social sujeita à lei pública, e regulada por princípios demográficos, eugênicos ou pelas exigência do mercado.

O Aborto Provocado

Sabemos que é um tema difícil de se tratado e porque não dizer "indigesto", visto referir-se à interrupção da vida, ou seja, à morte, e este é um assunto de difícil manejo para nós ocidentais. Sendo este um tema de relevância inquestionável, um fenômeno recorrente entre mulheres de todas as classes

sociais, cuja complexidade não tem suscitado a discussão que merece (ESPIRITO-SANTO E BRUNS, 2007).

No dicionário da língua portuguesa é definido a palavra aborto como: 1) expulsar prematuramente do útero o produto da concepção; 2) não desenvolver 3) não ter êxito, falhar; 4) frustrar, malograr (ESPIRITO-SANTO E BRUNS, 2007).

Segundo Satala (2005), os médicos obstetras consideram aborto até a 22° semana de desenvolvimento humano, após esse período, a interrupção da gravidez é considerada um parto prematuro, e se houver óbito do feto, este é considerado natimorto. Sendo assim, até os cinco meses e meio de desenvolvimento humano, a eliminação do feto é considerada uma prática de aborto e dos cinco meses e meio em diante um parto prematuro, pôr a maioria dos abortos ocorre bem antes da 22° semana do desenvolvimento.

Salata (2005), ainda acrescenta que aborto é a interrupção de uma gravidez pela morte do embrião ou feto.

De maneira diferente, Mariani Neto e Tadini 2002, diz que se considera abortamento a interrupção da gestação até a 20ª semana e com produto da concepção com peso menor que 500g.

A partir dessa classificação, o aborto pode ser identificado quanto ao tipo e à classificação jurídica. Quanto ao tipo pode ser espontâneo ou natural, provocado ou induzido; e quanto à classificação jurídica pode ser eugênico ou profilático, honroso ou sentimental, terapêutico ou necessário. O aborto provocado pode classificar em método de Karman, curetagem, indução, micro cesariana e farmacológico. Identifica-se por aborto espontâneo aquele que ocorre em conseqüência de patologias e/ou anomalias do ovo ou espermatozóide e cuja eliminação está quase sempre precedida de morte embrionária (ESPIRITO-SANTO E BRUNS, 2007).

Espirito-Santo e Bruns 2007 salientam que o aborto provocado, por sua vez, é aquele em que se leva à expulsão do feto de maneira intencional, seja por ingestão de drogas (medicamentos), seja por dilatação e esvaziamento da cavidade uterina.

Nesse tipo de aborto, os juízos tendem a ser valorados negativamente, as mulheres são encaradas como negando a maternidade, destituídas do sentimento socialmente esperado de uma mãe (ESPIRITO-SANTO E BRUNS, 2007).

O aborto provocado é uma das principais causas de morbi mortalidade materna em países onde há restrições legais ao aborto, principalmente quando são realizados por pessoas não qualificadas. As mulheres que não morrem têm complicações graves como septicemia, hemorragia, peritonite e choque, podendo ainda ter seqüelas físicas como problemas ginecológicos e infertilidade, podendo ter complicações nas gestações subseqüentes (LOUREIRO E VIERA, 2007).

No Brasil, ha muito tempo, tem se discutido o aborto provocado sem produzir mudanças no

Código Penal, em vigor desde 1940, de acordo com o qual é ilegal e um crime contra a vida, somente em duas circunstâncias nas quais a lei brasileira permite a interrupção de gestações: quando ela resulta de um estupro ou se não há outro meio de salvar a vida da mulher (LEÃO et al, 2007).

As estimativas mais recentes, no Brasil, variam de 730 a 940 mil abortos anuais, e o risco de morte ou lesões permanentes como seqüelas o aborto clandestino não dependem somente da clandestinalidade em si, mais o poder aquisitivo da mulher faz a diferença. O que engrossam as estatísticas de aborto não são as mulheres que freqüentam as clínicas sofisticadas, e sim aquelas mulheres que tem difícil acesso a alimentação, educação e cuidados básicos de saúde e que recorrem a medidas de alto risco ou se automedicam com drogas abortivas; aonde o uso do misoprostol vem crescendo rapidamente (LOUREIRO E VIERA, 2007).

O aborto provocado tem sua importância expressa em números. Estima-se que, em nosso país, sejam praticados 2,5 milhões de abortos por ano, equivalente à realização de 6.850 abortos por dia, 285 por hora e cinco por minuto. A ilegalidade contribui para estimativas imprecisas , correndo-se o risco de supervalorizar ou subestimar os números (ESPIRITO-SANTO E BRUNS, 2007).

A Questão Legal

O abortamento voluntariamente induzido pela mulher é considerado uma das mais importantes questões de saúde pública no mundo, por estar diretamente ligado ao problema da mortalidade materno-infantil. Sendo um dos fenômenos sociais mais complexos e discutidos, divergindo nas opiniões seja no campo ético, moral, emocional, cultural, religioso ou no campo das relações de gênero, o abortamento provocado muitas vezes é considerado uma decisão egoísta e fria. Neste ponto de vista a mulher que o realiza é vista como uma criminosa, como alguém que cometeu um delito perante a sociedade (PEDROSA, I. L.; GARCIA, T. R., 2000).

A questão jurídica tem sido objeto de diversos trabalhos investigativos e reflexivos de diferentes

autores, pois alguns advogam que leis restritivas ao aborto não acabam com sua prática, apenas acarretam perigos à vida da mulher, visto que a proibição leva à clandestinidade e não à redução no número de abortos provocados (NATIONS et al, 1997).

Todos os países do mundo desenvolveram regulamentações legais próprias para a prática do aborto em seu território, onde cerca de 25% da população mundial vive em países onde o aborto é ilegal, no qual a América Latina, com exceção de Cuba e Guiana, o aborto enfrenta sérias restrições legais (LOUREIRO; VIEIRA, 2004).

Em Cuba legalizar o aborto realizando-o em adequadas condições sanitárias e por profissionais habilitados possibilitou reduzir consideravelmente a morte materna (FUSCO et al, 2008).

Segundo Soares (2003), quando se diz respeito ao assunto no Brasil, a lei relativa ao abortamento é restritiva e refere-se à interrupção da gravidez resultante de estupro e de risco de vida da gestante. Quando nos referimos ao aborto provocado não se tem oficialmente o percentual imputável devido a sua ilegalidade (FUSCO et al, 2008).

Loureiro e Vieira (2004), ressaltam ainda uma explicação onde diz que o Código Penal Brasileiro classifica o aborto entre os crimes contra a vida, que são subclasse dos crimes contra as pessoas. São passíveis de pena: a gestante que provoca o abortamento em si mesmo (auto-abortamento, artigo 123) ou consente que outrem lho provoque (abortamento consentido, artigo 124) e a pessoa que provoca o abortamento com ou sem o consentimento da paciente (artigos 125 e 126). Prevê-se o agravamento da pena quando o crime é praticado em menores ou alienado (artigo 125) ou se realizado mediante violência (artigo 128); a pena também é aumentada se há lesões graves ou morte (artigo 126). Não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de salvar a vida da gestante ou em caso de gravidez resultante de estupro (artigo 128).

Assim mesmo, a expressão "não se pune" dá margem para se considerar que, para a legislação, qualquer forma de aborto continua sendo crime, ainda que não passível de punição. A lei não cogita tampouco doenças de transmissão genética, feto malformado, ingestão de fármaco teratogênico e a virose contraída durante a organogênese. As indicações maternas na visão obstétrica da prática atual, têm em mira evitar o agravamento da doença da gestante, enquanto a lei brasileira subentende que somente quando o quadro clínico tem indícios de se encaminhar para o óbito, que a intervenção passa a ser permitida. Isso significa que, para a sociedade brasileira, o direito à vida deve ser protegido desde a concepção, como especificado no artigo quatro do Código Civil de 1916 (LOUREIRO E VIEIRA, 2004).

Segundo Soares (2003), os casos de anomalia fetal incompatível com a vida, apesar de não estarem contemplados nos permissivos da lei, também têm sido atendidos nos serviços de saúde, por meio de autorização judicial.

A Questão Ética

A ética é um fenômeno social, onde a reflexão moral é necessariamente um resultado de opiniões compartilhadas sobre o que se deseja ou sobre o que se vai fazer em virtude da sociedade.

É óbvio, portanto, que o debate ético exige uma atitude pluralista, "unindo os indivíduos em torno de um projeto comum, levando-os a dividir pressuposições e valores, mas sem dividir

necessariamente as razões últimas da adoção desses valores ou pressupostos". (DALLARI, 1995).

Dallari 1995, salienta que o aborto é um caso típico onde as posições quanto ao fundamento ético são inconciliáveis, pois, para alguns se trata do direito à vida, para outros é evidente que envolve o direito da mulher ao seu próprio corpo, e existem ainda, os que estão convencidos de que a malformação grave deve ser eliminada a qualquer preço porque a sociedade tem o direito de ser constituída por indivíduos capazes de sobreviver em uma relação que envolve valores éticos, morais e sociais.

Diante do dilema entre moralidade prescrita pela sociedade atual, realidade concreta de existência e qualidade de vida a oferecer para a criança que estava sendo gerada, as mulheres tentam conciliar suas convicções e valores com a decisão tomada, manipulando e transformando o significado da conduta adotada de modo a que assumisse o caráter de solução única para um beco sem saída.(PEDROSA I. L.; GARCIA, T.R., 2000)

Segundo Loureiro e Vieira (2004), quando se aborda a questão ética nem mesmo os médicos estão imunes ao conflito dos valores fundamentais, pois não existe um critério comum à humanidade.

Considerando a resolução CFM Nº 1.246, de 08 de Janeiro 1988 que aprova o Código de Ética Médica, onde veda ao médico "acumplicitar-se com os que exercem ilegalmente a medicina, ou com profissionais ou instituições médicas que pratiquem atos ilícitos" (artigo 38), portanto como salienta Loureiro e Vieira (2004), o médico não pode fornecer endereço de clínica de aborto ou orientar a compra de medicamentos abortivos, mesmo sem prescrevê-los. Se o médico tiver conhecimento de clínica de aborto ou de colegas que fornecem endereços ou que orientam suas clientes para práticas abortivas e não os denunciar, estará violando o artigo 19 do Código de Ética Médica, que diz "o médico deve ter, para com os seus colegas, respeito, consideração e solidariedade, sem, todavia, eximir-se de denunciar atos que contrariem os postulados éticos à Comissão de ética da instituição em que exerce seu trabalho profissional e, se necessário, ao Conselho Regional de Medicina".

Ainda se referindo à resolução CFM Nº 1.246, de oito de Janeiro 1988, no que se diz respeito sobre o sigilo da paciente que recorre ao hospital por complicação do aborto provocado, o capítulo IX do Código de Ética Médica referente ao segredo médico veda ao médico "revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente" (artigo 102). A violação do segredo profissional, segundo a seção IV do Código Penal (artigo 154), prevê detenção ou multa, para a revelação do segredo sem justa causa. Não cabe, portanto, ao médico denunciar o "crime" cometido pela mulher, como crêem alguns, mas assisti-la e orienta- la convenientemente para que se previna a repetição do fato.

Segundo Loureiro e Vieira (2004), a sociedade atual pede aos médicos que sejam sua própria consciência nas questões de reprodução humana. Entretanto, eles têm as mesmas limitações do meio a que pertencem e as mesmas ambigüidades, e estão tolhidos pela hipocrisia dos costumes. Até pouco tempo, o aborto não podia ser discutido nas casas, nem nos meios de comunicação, nem mesmo nas escolas de medicina.

O Aborto Legal

Quanto à classificação jurídica, caracteriza-se como aborto eugênico aquele praticado em função de malformação ou comprometimento fetal incompatível com a vida; aborto sentimental é aquele que ocorre quando a gravidez é resultado de um estupro; e o aborto terapêutico é realizado quando a mulher corre risco de vida . Em nosso país, são legais o aborto terapêutico e o sentimental (ESPIRITO-SANTO E BRUNS, 2007).

Segundo Loureiro e Vieira (2004), a maior parte dos serviços de saúde não está preparada para atender as mulheres vítimas de violência e, particularmente, os casos de estupro. Muitas grávidas vítimas de estupro provavelmente ainda não têm acesso ao aborto legal, pois existe o alto número de estupros contra a baixa solicitação dos poucos serviços especializados.

Atualmente de acordo com o Decreto da Lei Nº 2.848 - de 07 de dezembro de 1940, (artigo 128), onde diz "Não se pune o aborto praticado por médico: se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal".

Portanto não é necessário boletim de ocorrência nem laudo de perícia para a realização do aborto legal; no entanto, ele é habitualmente exigido nos serviços médicos (MIRABETE, 2007).

Segundo Loureiro e Vieira (2004), este fato é condizente com o temor dos médicos de serem acusados pela justiça de estarem interrompendo uma gestação que na realidade não foi resultado de estupro. Esse medo não é justificado, porque, caso o médico seja induzido a erro ao indicar aborto legal, justificado pelas circunstâncias, estará caracterizada a Descriminante Putativa prevista no artigo 20 do código penal, que diz "O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei", assim entendemos que o médico ficará

isento de pena.

Discussão

O aborto é um tema amplamente discutido entre profissionais da saúde, comunidade e religiões, pois, sabendo que existem dois tipos de aborto, definidos como provocado e espontâneo, no qual o enfoque principal da discussão é acerca do aborto provocado.

As discussões aumentam em paises em que o aborto é proibido como no Brasil, as questões éticas, morais e religiosas norteiam a decisão da gestante. Em contrapartida desta discussão o aumento do aborto provocado é evidente, pois com a proibição, mulheres que decidem por esse procedimento ficam sujeitas a clinicas clandestinas e a pessoas que são e as que não são profissionais da saúde.

A decisão de ser ou num ser mãe, de decidir ou não pelo aborto, é visto de forma individual pela mulher, sem perceber que sua decisão é definitiva e que seu companheiro/parceiro deve fazer parte desta decisão.

Verificando a história do aborto, percebemos que é muito antigo o conceito de métodos anticoncepcionais e abortos, há menção em gênesis na Bíblia sobre método anticoncepcional; passamos pelos grandes filósofos gregos, esbarramos em crenças e religiões.

Chegando ao século XIX, percebemos que há uma grande preocupação na saúde publica mundial, porque a prática do aborto se tornou mais divulgada e amplamente praticamente nas classes mais populares, na classe alta o aborto é visto como meio de controle de natalidade.

Entre os profissionais da saúde há uma tentativa de chegar há um consenso de qual semana ainda pode-se ou não ser interrompido a gestação e até qual semana ainda chamamos o produto da concepção de aborto.

Com a clandestinidade o aborto é considerado uma das principais causas de mortalidade, pois percebemos que nas situações onde o aborto provocado é crime, surgem os tipos de aborto descrito na lei, que fala sobre a mulher vitima de estupro e ou quando a gestante corre risco de morrer. Mesmo diante do dilema de realizar esses tipos de aborto, a mulher é absolvida da condenação pela sociedade.

Mas quando o aborto provocado é intencional, a mulher encontra em seu intimo a certeza que a decisão tomada era a única frente a um "beco sem saída", atropelando assim seus valores morais e éticos.

Acima desta discussão está o código de ética medico e de enfermagem, ambos citam que os profissionais dessas categorias são impedidos de realizar abortamento provocado não previsto em leis, sob pena de punição, podendo perder o direito de exercer a profissão. A saúde publica mundial tem voltado sua atenção a esse problema, porem sua solução ainda está porvir.

Considerações Finais

Há uma grande discussão que envolve o tema "aborto", e o consenso deste está muito longe de chegar há um denominador comum, pois os costumes, valores éticos, morais e sociais são extremamente variáveis, quando se fala de circunstâncias que envolvem as questões do aborto e suas complicações, embora a sociedade se divida em opiniões entre o que é aceitável e o que julgam inaceitável.

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