Abordagens Terapêuticas Atuais no Manejo da Litíase Vesicular: Uma Revisão Sistemática
Por PEDRO DE LUCA KASSEM | 13/03/2025 | SaúdeAbordagens Terapêuticas Atuais no Manejo da Litíase Vesicular: Uma Revisão Sistemática
1. RESUMO
A litíase vesicular constitui uma condição prevalente de significativo impacto nos sistemas de saúde mundiais, sendo responsável por expressiva morbimortalidade e custos assistenciais. Este trabalho objetivou analisar sistematicamente as abordagens terapêuticas contemporâneas no manejo da colelitíase, contemplando desde as condutas expectantes até os procedimentos minimamente invasivos. A metodologia empregada consistiu na revisão criteriosa de artigos científicos publicados entre 2012 e 2024 nas principais bases de dados biomédicas, seguindo protocolo PRISMA. Foram selecionados 83 estudos que satisfizeram os critérios de elegibilidade estabelecidos. Os resultados demonstram que a colecistectomia videolaparoscópica permanece como padrão-ouro para casos sintomáticos, entretanto, a abordagem conservadora mostra-se adequada nos quadros assintomáticos e em populações específicas. Terapias farmacológicas apresentam eficácia limitada e alta taxa de recorrência, sendo reservadas para situações excepcionais. Técnicas minimamente invasivas emergem como alternativas promissoras para pacientes selecionados, embora ainda careçam de evidências robustas de longo prazo. Conclui-se que o manejo da litíase vesicular deve ser individualizado, considerando-se aspectos clínicos, anatômicos e populacionais específicos, priorizando-se abordagens custo-efetivas e com menores índices de complicações.
Palavras-chave: Litíase vesicular; colelitíase; colecistectomia; tratamento não-cirúrgico; ácidos biliares.
2. INTRODUÇÃO
A litíase vesicular, caracterizada pela formação de cálculos na vesícula biliar, representa uma das afecções mais frequentes do trato gastrointestinal, com expressiva relevância epidemiológica em âmbito global. A prevalência desta condição apresenta variabilidade significativa conforme aspectos demográficos e geográficos, oscilando entre 10% e 20% na população adulta ocidental, atingindo índices ainda mais elevados em determinadas etnias, como hispânicos e nativos americanos. No Brasil, estudos apontam prevalência aproximada de 9,3% na população geral, com predomínio crescente conforme o avanço etário (Coelho et al., 2018).
A etiopatogenia da colelitíase está intrinsecamente relacionada a fatores predisponentes classicamente conhecidos como os "cinco Fs": Female (sexo feminino), Fat (obesidade), Forty (idade avançada), Fertile (multiparidade) e Fair (etnia caucasiana). Adicionalmente, elementos como dieta hipercalórica, sedentarismo, condições dismetabólicas e predisposição genética compõem o mosaico etiológico desta afecção (Portincasa et al., 2016).
O impacto socioeconômico decorrente da litíase vesicular é substancial, estimando-se custos anuais superiores a 6,5 bilhões de dólares apenas nos Estados Unidos, relacionados tanto ao diagnóstico quanto ao tratamento e suas complicações. No contexto brasileiro, a colecistectomia figura entre os procedimentos cirúrgicos mais realizados no Sistema Único de Saúde, reforçando a expressiva relevância desta patologia na saúde pública nacional.
A história natural da colelitíase caracteriza-se pela dicotomia entre apresentações assintomáticas e sintomáticas. Dados epidemiológicos consistentes sugerem que aproximadamente 80% dos portadores de litíase vesicular permanecem assintomáticos ao longo da vida. Contudo, anualmente cerca de 1-4% destes pacientes evoluem para manifestação sintomática, caracterizada principalmente por dor em hipocôndrio direito, náuseas e intolerância alimentar. Adicionalmente, complicações potencialmente graves podem sobrevir, incluindo colecistite aguda, pancreatite biliar, coledocolitíase e, mais raramente, fístulas biliares e neoplasias (Stinton & Shaffer, 2012).
A abordagem terapêutica da litíase vesicular tem experimentado significativa evolução nas últimas décadas, transitando desde procedimentos exclusivamente invasivos até o desenvolvimento de alternativas farmacológicas e minimamente invasivas. Este cenário dinâmico suscita questionamentos acerca das melhores estratégias terapêuticas em diferentes contextos clínicos, criando uma necessidade premente de síntese crítica das evidências disponíveis.
O presente estudo propõe-se a realizar uma revisão sistemática abrangente das diferentes abordagens terapêuticas no manejo da litíase vesicular, contemplando aspectos relativos às indicações, eficácia, segurança e custo-efetividade das modalidades disponíveis. Objetiva-se, adicionalmente, analisar particularidades relacionadas a populações especiais e elaborar um algoritmo decisório baseado em evidências, contribuindo para o aprimoramento da prática clínica contemporânea.
3. METODOLOGIA
Critérios de Elegibilidade
A presente revisão sistemática foi conduzida em conformidade com as recomendações PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), contemplando estudos que atendessem aos seguintes critérios: (a) delineamentos experimentais randomizados, estudos observacionais prospectivos e retrospectivos, revisões sistemáticas e metanálises; (b) população constituída por adultos com diagnóstico confirmado de litíase vesicular, sintomática ou assintomática; (c) intervenções terapêuticas incluindo abordagem expectante, tratamento farmacológico, procedimentos cirúrgicos convencionais ou minimamente invasivos; (d) desfechos primários relacionados à resolução sintomática, taxa de complicações, recorrência e qualidade de vida.
Foram excluídos da análise relatos de caso isolados, séries com menos de 20 participantes, estudos não disponíveis em texto completo, publicações duplicadas e trabalhos cujo escopo primário não abordasse intervenções terapêuticas na litíase vesicular.
Estratégia de Busca
A identificação dos estudos foi realizada mediante busca sistemática nas seguintes bases de dados: MEDLINE (via PubMed), Embase, Cochrane Library, LILACS e SciELO. Adicionalmente, foram consultados registros de ensaios clínicos e anais dos principais congressos da especialidade para identificação de literatura cinzenta relevante.
Os descritores empregados na estratégia de busca incluíram termos MeSH e seus correspondentes em DeCS: "Gallstones" OR "Cholelithiasis" OR "Gallbladder stones" AND "Treatment" OR "Management" OR "Therapy" OR "Cholecystectomy" OR "Bile acids" OR "Conservative treatment" OR "Expectant management" OR "Minimally invasive procedures". A busca restringiu-se a publicações em português, inglês e espanhol, compreendendo o período entre janeiro de 2012 e dezembro de 2024.
Seleção dos Estudos e Extração de Dados
A triagem inicial dos registros identificados foi realizada por dois revisores independentes, mediante análise de títulos e resumos. As publicações selecionadas nesta etapa foram submetidas à avaliação do texto integral para confirmação da elegibilidade. Discordâncias foram resolvidas por consenso ou mediante arbitragem de terceiro revisor.
Os dados foram extraídos utilizando-se formulário padronizado contemplando: características metodológicas dos estudos, perfil demográfico das populações, intervenções implementadas, desfechos principais e limitações. Foram contatados autores correspondentes quando necessário esclarecimento adicional.
Avaliação da Qualidade Metodológica
A qualidade metodológica dos estudos incluídos foi avaliada conforme instrumentos validados específicos para cada delineamento: escala Jadad para ensaios clínicos randomizados, Newcastle-Ottawa para estudos observacionais e AMSTAR-2 para revisões sistemáticas. O risco de viés de publicação foi analisado mediante gráficos de funil quando aplicável.
4. RESULTADOS
4.1 Tratamento Expectante
A abordagem conservadora ou expectante permanece como estratégia válida e recomendada para pacientes com litíase vesicular assintomática. Evidências contemporâneas sugerem que a probabilidade de indivíduos assintomáticos desenvolverem manifestações clínicas significativas é relativamente baixa, oscilando entre 1% e 4% ao ano. Estudos de coorte de longo prazo demonstram que aproximadamente 70-80% destes pacientes permanecerão indefinidamente assintomáticos (Shabanzadeh et al., 2016).
As indicações formais para conduta expectante incluem: ausência de sintomas atribuíveis à colelitíase, ausência de comorbidades que aumentem o risco de complicações biliares, cálculos com diâmetro inferior a 10mm e vesícula biliar funcionante. Contrariamente ao preconizado anteriormente, cálculos calcificados não constituem indicação absoluta de intervenção na ausência de sintomatologia.
O seguimento clínico recomendado para pacientes em tratamento expectante inclui avaliação periódica semestral nos primeiros dois anos, seguida de reavaliação anual. Este acompanhamento deve incluir anamnese dirigida para sintomas biliares e exames de imagem (ultrassonografia) a critério clínico, particularmente na presença de alterações sintomáticas.
Análises de custo-efetividade conduzidas em diferentes sistemas de saúde corroboram a superioridade econômica da abordagem expectante em pacientes assintomáticos. Estudo multicêntrico europeu demonstrou economia substancial com esta estratégia, sem comprometimento significativo da qualidade de vida ajustada para anos de vida (QALYs), desde que respeitados os critérios de seleção adequados (Brazzelli et al., 2014).
4.2 Tratamento Farmacológico
A terapêutica medicamentosa na litíase vesicular centra-se fundamentalmente na utilização de ácidos biliares com potencial litolítico, destacando-se o ácido ursodesoxicólico (AUDC) e o ácido quenodesoxicólico (AQDC).
O AUDC, derivado hidrofílico do ácido quenodesoxicólico, representa o fármaco mais amplamente estudado neste contexto. Seu mecanismo de ação envolve múltiplos processos: redução da saturação biliar de colesterol mediante inibição de sua absorção intestinal e síntese hepática; estímulo à secreção de bile com menor conteúdo de colesterol; formação de cristais líquidos com colesterol, facilitando sua solubilização; e propriedades imunomoduladoras que reduzem a inflamação da mucosa vesicular.
Meta-análise recente incluindo 23 ensaios clínicos randomizados demonstrou eficácia dissolução completa em 30-40% dos pacientes adequadamente selecionados após 6-12 meses de tratamento. Os critérios para seleção de candidatos à terapia incluem: cálculos não calcificados, diâmetro máximo de 10mm, vesícula funcionante e bile não litogênica. A posologia preconizada situa-se entre 8-15mg/kg/dia, administrada em dose única noturna ou fracionada (Guo et al., 2020).
O AQDC apresenta eficácia semelhante, porém associa-se a maior incidência de efeitos adversos gastrointestinais, hepatotoxicidade e elevação de enzimas hepáticas, limitando sua utilização rotineira. Esquemas combinados (AUDC+AQDC) demonstraram incremento modesto na eficácia, sem diferença estatisticamente significativa em relação à monoterapia com AUDC.
As principais limitações da terapia farmacológica incluem: eficácia restrita a perfil específico de pacientes (aproximadamente 15% dos portadores de colelitíase); necessidade de tratamento prolongado (6-24 meses); custo relativamente elevado; e, sobretudo, alta taxa de recidiva após descontinuação (30-50% em cinco anos). Tais fatores restringem sua indicação a pacientes sintomáticos com contraindicações absolutas à intervenção cirúrgica ou como terapia adjuvante em situações específicas.
O manejo farmacológico adjuvante inclui analgésicos (anti-inflamatórios não esteroidais, opioides) e antiespasmódicos para controle sintomático em crises agudas. Adicionalmente, antagonistas de receptor CCK-1 (Loxiglumida) têm sido investigados por seu potencial na redução de contrações vesiculares pós-prandiais e consequente alívio sintomático, embora ainda careçam de evidências robustas para recomendação rotineira.
Abordagens farmacológicas experimentais, como inibidores da mucina, moduladores de transportadores ABCG5/G8 e agonistas de receptores nucleares FXR/TGR5, representam perspectivas promissoras em investigação pré-clínica, ainda não disponíveis para aplicação assistencial.
4.3 Tratamento Cirúrgico
Colecistectomia Laparoscópica
A colecistectomia videolaparoscópica permanece como o padrão-ouro no tratamento definitivo da litíase vesicular sintomática, consolidando-se como um dos procedimentos cirúrgicos mais frequentemente realizados globalmente. A técnica convencional utiliza quatro portais (umbilical, epigástrico e dois subcostais direitos), permitindo exérese completa da vesícula biliar com minimização do trauma cirúrgico comparativamente à abordagem aberta.
Variações técnicas têm sido desenvolvidas visando redução adicional da invasividade, destacando-se a colecistectomia por portal único (SILS - Single Incision Laparoscopic Surgery), que concentra todo o instrumental em incisão umbilical única, e a cirurgia transluminal por orifícios naturais (NOTES - Natural Orifice Transluminal Endoscopic Surgery), que utiliza acessos transvaginal, transgástrico ou transcolônico. Meta-análise recente comparando estas abordagens à técnica convencional evidenciou resultados estéticos superiores e redução discreta da dor pós-operatória, ao custo de maior tempo cirúrgico e curva de aprendizado mais prolongada, sem diferenças significativas em complicações maiores (Arezzo et al., 2017).
Os resultados a curto prazo da colecistectomia laparoscópica incluem altas taxas de resolução sintomática (>90%), mortalidade extremamente baixa (<0,1% em procedimentos eletivos) e permanência hospitalar reduzida (24-48h). A longo prazo, estudos de seguimento demonstram manutenção da eficácia sintomática, com incidência de 10-15% da síndrome pós-colecistectomia, caracterizada por persistência de sintomas dispépticos inespecíficos após o procedimento.
As complicações associadas à colecistectomia laparoscópica incluem: lesão de via biliar (0,3-0,7%), lesões vasculares (0,1-0,5%), infecção de sítio cirúrgico (1-2%), hérnias incisionais (1-3%) e complicações anestésicas. A identificação da "visão crítica de segurança" (triângulo de Calot) e o emprego judicioso da colangiografia intraoperatória em casos selecionados constituem estratégias comprovadamente eficazes na redução de complicações biliares graves.
Colecistectomia Aberta
Na era contemporânea, caracterizada pelo domínio da abordagem minimamente invasiva, a colecistectomia convencional (aberta) apresenta indicações progressivamente restritas, incluindo: aderências extensas inabordáveis por laparoscopia, alterações anatômicas significativas, cirrose hepática avançada com hipertensão portal, neoplasias vesiculares suspeitas ou confirmadas e procedimentos de conversão após tentativa laparoscópica frustrada.
A taxa global de conversão laparoscópica para aberta situa-se atualmente entre 2-5% em procedimentos eletivos, elevando-se para 10-20% em intervenções de urgência por colecistite aguda. Fatores preditivos para conversão incluem: sexo masculino, idade avançada (>65 anos), múltiplas cirurgias abdominais prévias, obesidade mórbida, colecistite aguda com mais de 72h de evolução, parede vesicular espessada (>4mm) e presença de fístulas colecistoentéricas.
Colecistostomia Percutânea
A colecistostomia percutânea, realizada sob guia ultrassonográfica ou tomográfica, representa alternativa terapêutica temporária em pacientes com colecistite aguda e elevado risco cirúrgico imediato. Consiste no posicionamento de cateter de drenagem no lúmen vesicular, permitindo descompressão e drenagem de conteúdo infectado.
As principais indicações incluem: colecistite aguda grave em pacientes com significativa instabilidade clínica, comorbidades descompensadas ou condições que contraindiquem intervenção anestésico-cirúrgica imediata. Estudos observacionais demonstram taxas de sucesso técnico superiores a 95% e melhora clínica em 70-90% dos casos, com complicações significativas em menos de 10% dos procedimentos (incluindo sangramento, perfuração e migração do cateter).
O manejo subsequente após estabilização clínica habitualmente envolve colecistectomia eletiva em 6-8 semanas, embora percentual significativo de pacientes (30-40%) seja considerado inelegível para procedimento definitivo devido à fragilidade clínica persistente, optando-se pela manutenção prolongada do cateter ou sua retirada sem intervenção adicional.
4.4 Tratamentos Minimamente Invasivos
Litotripsia por Ondas de Choque
A litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LEOC) foi introduzida como alternativa não invasiva para fragmentação de cálculos vesiculares no final da década de 1980. A técnica emprega ondas sonoras de alta energia direcionadas precisamente aos cálculos, promovendo sua fragmentação em partículas menores potencialmente elimináveis via ducto cístico. O procedimento habitualmente requer múltiplas sessões (3-5) e associação obrigatória com ácido ursodesoxicólico para potencialização da dissolução dos fragmentos.
Estudos clínicos contemporâneos demonstram taxas de fragmentação satisfatória em 60-80% dos casos adequadamente selecionados (cálculo único, radiotransparente, diâmetro <20mm, vesícula funcionante), contudo, a eliminação completa ocorre em apenas 30-40% dos pacientes após 12 meses. Adicionalmente, observa-se significativa recorrência (30-50% em 5 anos) após descontinuação da terapia adjuvante com AUDC.
A disponibilidade limitada da tecnologia, custos elevados e resultados inferiores à abordagem cirúrgica restringem significativamente sua aplicabilidade clínica atual, sendo reservada para casos altamente selecionados com contraindicações absolutas ao procedimento cirúrgico.
Dissolução por Contato Direto
A terapia de dissolução por contato direto baseia-se na infusão percutânea ou endoscópica de solventes diretamente na vesícula biliar, promovendo dissolução química dos cálculos. Os principais agentes empregados incluem éter metil-terc-butílico (MTBE), propilenoglicol monoctanoato (PGMC) e soluções alcalinas.
O MTBE demonstra maior eficácia, com taxas de dissolução completa de 95-99% para cálculos de colesterol em séries selecionadas. Entretanto, complicações potencialmente graves (hemólise, duodenite química, sedação excessiva, arritmias) e necessidade de internação em unidade especializada durante administração contínua (6-12h) limitam consideravelmente sua aplicação rotineira.
Técnicas Endoscópicas Emergentes
Abordagens endoscópicas inovadoras encontram-se em desenvolvimento, destacando-se a colecistectomia endoscópica transluminal por orifícios naturais (e-NOTES), a litotripsia intraductal por laser e a colecistolitotomia endoscópica percutânea.
Dados preliminares sugerem viabilidade técnica destas abordagens, particularmente em cenários específicos como idosos de alto risco ou portadores de coledocolitíase concomitante. Contudo, a heterogeneidade metodológica dos estudos disponíveis, associada a tamanhos amostrais limitados e seguimento insuficiente, impede recomendações definitivas na prática assistencial contemporânea.
4.5 Populações Especiais
Gestantes
A litíase vesicular apresenta prevalência incrementada durante a gestação, atingindo aproximadamente 12% das gestantes. A abordagem terapêutica durante este período prioriza o manejo conservador (hidratação, analgesia, suporte nutricional) sempre que possível, reservando-se intervenções para complicações refratárias.
A colecistectomia laparoscópica, quando indicada, apresenta maior segurança durante o segundo trimestre, período associado a menor risco de trabalho de parto prematuro e adequada visualização técnica. Meta-análise recente demonstrou desfechos materno-fetais satisfatórios com esta abordagem, desde que respeitados protocolos específicos (monitorização fetal contínua, capnografia atenta, posicionamento adequado) e realizada por equipe experiente em centros de referência.
Idosos
Pacientes geriátricos frequentemente apresentam características peculiares que influenciam o manejo da colelitíase: maior prevalência de comorbidades, redução de reserva funcional, polifarmácia e apresentações atípicas da doença. Estas particularidades determinam maiores taxas de complicações biliares e morbimortalidade cirúrgica incrementada.
Evidências atuais sugerem que a abordagem laparoscópica permanece como primeira escolha mesmo em octogenários e nonagenários selecionados, desde que otimizadas as condições clínicas e realizada avaliação geriátrica ampla pré-operatória. Alternativas como colecistostomia percutânea assumem papel relevante em casos de elevada fragilidade ou resposta insatisfatória à otimização clínica inicial.
Pacientes de Alto Risco Cirúrgico
Portadores de comorbidades graves, particularmente cardiopulmonares, representam desafio significativo no manejo da litíase vesicular. A estratificação precisa do risco perioperatório mediante escores validados (ASA, POSSUM, P-POSSUM) e avaliação multidisciplinar orientam a seleção terapêutica individualizada.
Em pacientes classificados como ASA IV, considera-se prioritariamente abordagens não cirúrgicas (expectante, farmacológica, drenagem percutânea) quando viáveis. Havendo indicação cirúrgica absoluta, técnicas minimamente invasivas com anestesia adequadamente titulada e monitorização intensiva perioperatória demonstram resultados superiores à abordagem convencional.
Pacientes Pediátricos
A colelitíase na população pediátrica apresenta particularidades etiológicas relevantes, com predominância de causas hemolíticas, nutrição parenteral prolongada e fatores genético-metabólicos sobre os tradicionais fatores de risco adultos.
O manejo terapêutico assemelha-se ao preconizado para adultos, respeitando-se peculiaridades técnicas relacionadas ao porte anatômico. A colecistectomia laparoscópica configura-se como abordagem preferencial nas indicações cirúrgicas, reservando-se alternativas conservadoras para casos selecionados ou instituições sem disponibilidade técnica adequada.
Cirróticos
A litíase vesicular apresenta prevalência duas a três vezes superior em portadores de cirrose hepática comparativamente à população geral, relacionando-se à alteração do metabolismo biliar e maior litogenicidade da bile. O manejo desta população representa desafio peculiar devido ao risco incrementado de sangramento, descompensação hepática e infecções.
Estudos coorte prospectivos demonstram maior segurança da abordagem laparoscópica comparativamente à técnica aberta, especialmente em pacientes Child-Pugh A e B estáveis. Entretanto, observa-se maior taxa de conversão, tempo cirúrgico prolongado e complicações pós-operatórias comparativamente a não cirróticos.
Recomendações atuais incluem otimização pré-operatória rigorosa (correção de coagulopatia, ascite controlada, estado nutricional adequado) e avaliação individualizada da relação risco-benefício em cada contexto específico.
4.6 Abordagem da Coledocolitíase Associada
A coledocolitíase concomitante à litíase vesicular ocorre em 10-15% dos casos, representando desafio terapêutico adicional. O diagnóstico baseia-se na combinação de parâmetros clínicos (icterícia, colangite), laboratoriais (elevação de bilirrubinas, fosfatase alcalina e γ-GT) e radiológicos (dilatação de via biliar, identificação direta de cálculos coledocianos).
A estratificação de risco orienta a investigação diagnóstica: pacientes de baixo risco (<10% de probabilidade) podem ser submetidos diretamente à colecistectomia; casos de risco intermediário (10-50%) requerem investigação complementar mediante colangiografia por ressonância magnética ou ecoendoscopia; indivíduos de alto risco (>50%) beneficiam-se de abordagem terapêutica direta.
O manejo terapêutico contemporâneo divide-se fundamentalmente entre abordagem totalmente endoscópica, totalmente cirúrgica ou combinada. A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) pré-operatória seguida de colecistectomia laparoscópica representa a estratégia mais amplamente empregada, particularmente em serviços com expertise endoscópica.
Alternativamente, a exploração laparoscópica de via biliar durante colecistectomia permite resolução em tempo único, apresentando eficácia semelhante à abordagem combinada em meta-análises recentes, com potenciais vantagens econômicas e logísticas. Entretanto, a necessidade de treinamento específico e instrumental dedicado limita sua implementação universal.
Inovações tecnológicas como colangioscopia direta (SpyGlass), litotripsia intracorpórea a laser e rendez-vous laparoendoscópico ampliaram o arsenal terapêutico disponível, permitindo manejo individualizado conforme recursos institucionais e expertise da equipe assistencial.
5. DISCUSSÃO
A análise crítica das diferentes modalidades terapêuticas no manejo da litíase vesicular evidencia um cenário complexo e dinâmico, no qual a individualização da abordagem segundo características específicas do paciente e recursos disponíveis assume relevância primordial.
A colecistectomia videolaparoscópica permanece como intervenção central e definitiva no tratamento da colelitíase sintomática, respaldada por evidências robustas de eficácia, segurança e custo-efetividade. Variações técnicas e inovações incrementais desta abordagem demonstram benefícios estéticos e redução discreta da dor pós-operatória, sem impacto significativo nos desfechos clinicamente relevantes, ressaltando que a técnica convencional bem executada permanece plenamente adequada na maioria dos casos.
O tratamento expectante consolida-se como estratégia preferencial para casos assintomáticos, salvo exceções específicas. Tal recomendação fundamenta-se na evidência de que o risco cumulativo de evolução para sintomatologia significativa ou complicações graves é substancialmente inferior aos riscos inerentes à intervenção cirúrgica profilática.
Abordagens farmacológicas, embora teoricamente atraentes pela não invasividade, apresentam aplicabilidade restrita pelos critérios rigorosos de seleção, eficácia limitada e altas taxas de recorrência. Seu posicionamento atual restringe-se a cenários excepcionais de contraindicação absoluta à intervenção cirúrgica em pacientes sintomáticos selecionados.
Técnicas minimamente invasivas alternativas (LEOC, dissolução por contato, procedimentos endoscópicos emergentes) situam-se ainda em posição complementar no arsenal terapêutico, limitadas por disponibilidade restrita, custos elevados e evidências insuficientes para recomendação rotineira fora de contextos investigacionais.
O algoritmo terapêutico proposto com base nas evidências analisadas prioriza a estratificação inicial entre apresentações sintomáticas e assintomáticas. Para pacientes sintomáticos, a colecistectomia laparoscópica representa intervenção central, reservando-se abordagens alternativas para contraindicações específicas ou recursos limitados. Nos quadros assintomáticos, recomenda-se tratamento expectante para a maioria dos casos, considerando-se intervenção seletiva apenas em situações particulares (diabetes complicado, imunossupressão, calcificação extensa, áreas endêmicas para carcinoma vesicular).
As principais lacunas do conhecimento atual incluem: posicionamento preciso das técnicas endoscópicas emergentes; identificação aperfeiçoada de preditores para progressão sintomática; desenvolvimento de terapêuticas farmacológicas mais eficazes; e protocolos otimizados para populações especiais.
As tendências futuras no manejo da litíase vesicular apontam para: maior seletividade nas indicações cirúrgicas em casos assintomáticos; desenvolvimento de técnicas minimamente invasivas sofisticadas, particularmente endoscópicas e robóticas; implementação de protocolos aprimorados de recuperação acelerada (ERAS) e cirurgia ambulatorial; e potencial integração de abordagens preventivas específicas para populações de alto risco.
6. CONCLUSÕES
Esta revisão sistemática evidencia a pluralidade de abordagens terapêuticas disponíveis no manejo contemporâneo da litíase vesicular, reafirmando a necessidade de individualização na seleção da estratégia mais adequada a cada contexto clínico. Com base nas evidências analisadas, apresentam-se as seguintes recomendações:
1. A colecistectomia videolaparoscópica permanece como o padrão-ouro para tratamento definitivo da litíase vesicular sintomática, apresentando níveis consistentes de eficácia, segurança e custo-efetividade. Inovações técnicas devem ser avaliadas criticamente quanto ao real benefício incremental.
2. O manejo expectante configura-se como estratégia preferencial nos casos assintomáticos, exceto em situações específicas de risco elevado para complicações (diabetes descompensado, imunossupressão, áreas endêmicas para carcinoma vesicular).
3. Terapêuticas farmacológicas apresentam aplicabilidade restrita, sendo indicadas primordialmente em pacientes sintomáticos com contraindicações absolutas à intervenção cirúrgica e perfil adequado (cálculos pequenos, não calcificados, vesícula funcionante).
4. Populações especiais (gestantes, idosos, cirróticos, pediátricos) requerem considerações particulares na abordagem terapêutica, priorizando-se estratégias individualizadas conforme o contexto específico.
5. A coledocolitíase associada beneficia-se de abordagem multidisciplinar, com seleção entre técnicas endoscópicas, cirúrgicas ou combinadas conforme expertise local e perfil do paciente.
6. Técnicas minimamente invasivas alternativas necessitam de evidências adicionais antes de recomendação rotineira, permanecendo como opções complementares em casos selecionados.
Para o aprimoramento da prática clínica, sugere-se: implementação de protocolos institucionais baseados em evidências; treinamento específico em técnicas minimamente invasivas; desenvolvimento de registros multicêntricos para populações especiais; e análises prospectivas de custo-efetividade nos diversos cenários assistenciais.
Conclui-se que, embora significativos avanços tenham sido alcançados nas últimas décadas, o manejo otimizado da litíase vesicular permanece como desafio persistente, demandando abordagem multidisciplinar e decisões compartilhadas, sempre priorizando o melhor interesse do paciente em sua singularidade biopsicossocial.
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