A visão de Marx considerada a partir da proliferação de religiões em nossa sociedade pós-moderna.

Por Paul Dala Rosa | 25/07/2013 | Religião

Segundo a visão de Marx, onde a religião é vista como “ópio do povo”, não podemos deixar de concordar e atestar a atualidade de sua teoria, principalmente quando a partir de sua análise podemos verificar que o homem realmente não é senhor de si mesmo, fazendo da religião um suspiro em meio à opressão que o mesmo está a sentir em um mundo destituído de espírito em todo o seu contexto, de forma que aquela, a religião, funcione como uma ilusão, uma realidade formulada que possibilita ao homem um suporte artificial à sua impotência diante de um caos incontrolável.

          Sem que queiramos generalizar, não podemos nos furtar ao fato de que a religião, como diria Marx, foi e ainda atua muitas vezes como forma de alienação, levando o homem a um mundo paralelo, onde o mesmo idealiza como modelo de perfeição. Uma ilusão que é criada pelo próprio homem em busca de sentido em um mundo realmente desumano, no qual “o homem é lobo do próprio homem”. Assim, tendo o homem não conseguido se sentir em casa, estando órfão em um universo degradante, cria ele próprio para si uma “família celeste”, tendo como pai um ser supremo e amoroso salvador.

          Claro que para tanto Marx observou à sua época a marginalização do povo oprimido, em total desarmonia social, carregando sobre si a falta das condições materiais mínimas para uma sobrevivência digna. Principalmente se partirmos do fato de que esta condição deplorável é resultado do acúmulo e o desprezo de poucos homens sobre uma grande maioria à espera de justiça.

          Podemos ainda verificar a razoabilidade da teoria marxista quando nos deparamos com o fato de que este fenômeno é mais evidente em regiões em desenvolvimento, onde as diferenças sociais são mais salientes, como é o caso da América Latina, ao mesmo tempo em que se constata facilmente uma descristianização da Europa, com templos e igrejas cada vês mais vazios, destinados unicamente ao turismo. Claro que com isso não negamos a expansão do islamismo e de outras variantes, mas o fato que aqui nos prestamos a estudar demanda principalmente da prosperidade europeia, que por sua vez demanda uma menor necessidade de um “Deus” que socorra, com quem se possa recorrer diante do desprezo e esquecimento da sociedade.

          A crítica de Marx ainda vai muito mais além da ideia de que o ser humano cria para si um refúgio ilusório de “salvação”, pois este fenômeno ainda o coloca em situação de inércia diante dos problemas, fazendo muitas vezes com que as suas angústias sejam laureadas com a paciência da religião, na esperança de um mundo vindouro, enquanto a máquina produtiva do capitalismo liberal continua a explorar os pobres às custas do enriquecimento insaciável dos proprietários dos meios de produção.

          Nesse sentido, nada melhor para a infraestrutura de uma sociedade que a manutenção dessa alienação seja constante e progressiva, fazendo com que o controle da grande massa esteja pautada em uma perspectiva ainda mais profunda do que na simples utilização da força ou do poder, mas incutida e gravada no mais íntimo das almas, domesticando e dominando a maioria alienada.

          Como solução para este problema Marx identifica a luta entre classes como meio para que se possa dar fim à disparidade econômica, fazendo com que não se necessite mais de um “mundo celeste”, destruindo indiretamente a religião como auréola das lágrimas do povo.

 Observando as religiões neopentecostais atuais, nascidas a partir de matrizes religio­sas norte-americanas, pode-se dizer que a visão de Weber sobre a relação entre o “Espírito do capitalismo” e a religião continua presente na base da pregação de tais igrejas?

          De fato, toda a tese de Weber tem como pano de fundo a ideia de que o cerne do fenômeno religioso atua como grande influência sobre o espírito do desenvolvimento econômico, fazendo uma ponte entre a força do capitalismo e a ética protestante.

          Sua tese encontra respaldo principalmente quando a fundamenta relacionando a fé calvinista da predestinação com a formação basilar do espírito capitalista moderno, o que não significa que o capitalismo não pudesse ter surgido sem a existência destas tendências, tanto que, como bem sabia Weber, o mesmo já surgira antes mesmo da Reforma Protestante. Acontece aqui que Weber descreve exatamente o tipo de capitalismo estadunidense como uma construção essencialmente de matiz ascética calvinista, sem deixar de contemplar outros aspectos como o desenvolvimento urbano e a concentração da produção nas cidades.

          Algo ainda mais interessante na teoria Weberiana está na concepção do autor com relação ao capitalismo original, o qual era entendido pelo mesmo como uma moderação do ímpeto humano, muito aquém do costumeiro senso comum que descreve o capitalismo como uma busca desenfreada pelo lucro, ou seja, seria o capitalismo uma racionalização da cobiça. Weber entendia que para a obtenção do lucro são necessários, a disponibilidade para o trabalho e o investimento contínuo de trabalho, o que de fato é contrariado pelo desejo intrínseco do homem pelo lazer (ao invés de salários altos) e pelo gastar (em lugar de investimentos). Isso significa que havia a necessidade de que houvesse algo para que chegássemos a atual configuração do capitalismo moderno, pois o trabalho não poderia sem um fim em si mesmo, seria em outras palavras contraproducente e demasiadamente estático. Por isso Weber detecta na educação religiosa, principalmente de índole protestante, o “motor primeiro” do capitalismo moderno, fazendo com que o homem tivesse o trabalho não somente como meio de subsistência, mas como uma obrigação moral, a qual está diretamente atrelada a sua missão terrena. Uma visão que não provinha do catolicismo, pois mantinha sua visão em um mundo celeste, alheio às coisas terrenas, nem de uma visão Luterana, pois se baseava na concepção do trabalho como expressão do amor fraternal, mas de uma tendência especialmente calvinista, pois na teoria da predestinação importava saber que Deus era a origem de qualquer coisa que houvesse de bom no homem, destituindo-o de qualquer valor pessoal, ao mesmo tempo em que se acredita que é o homem que existe para Deus, não o contrário, e que a salvação está na mão de Deus, ou seja, apenas ele decide quem será salvo, fazendo com que mérito ou culpa pouco tivesse ligação com o fato da salvação. Diante disso, criou-se a necessidade de o indivíduo ter a certeza de que estaria entre os eleitos, certeza esta que provinha em última análise da manifestação externa da certeza da salvação, a qual está inseparavelmente ligada ao conceito de produzir.

          Tal concepção gerou um ascetismo racional, que por sua vez trabalha a certeza da salvação de maneira lógica, desenvolvendo um complexo sistema de crenças que possibilita o consolo através do cumprimento de metas sociais e econômicas, tudo como expressão de uma “certeza” que se tem de afirmar. É o que se pode facilmente observar nas igrejas neo-pentecostais nos dias de hoje, onde a certeza da salvação é explicitada por meio do cumprimento das obrigações fundamentais da sociedade como o sustento da família, o bom comportamento na sociedade, o respeito aos valores morais, a conquista da prosperidade por meio do trabalho honesto e constante, e no cumprimento das obrigações para com uma determinada denominação religiosa, como dizimo, ofertas, campanhas de arrecadação de fundos, sacrifícios financeiros, e o comparecimento assíduo nos cultos, sem contar com o proselitismo costumeiro: “Ide e evangelizai a toda criatura”.

          Não fosse apenas a exigência da “produtividade” constante pelos fiéis, é evidente a manutenção da ideologia capitalista por meio da chamada “teologia da prosperidade”, que dependendo da denominação pode receber muitos outros nomes como “igreja de propósito”, “Igreja em células”, etc. Estas dependendo do tipo de linha doutrinal podem ser mais ou menos radicais em termos de fundamentalismo ou exploração econômica.

          Também a Igreja Católica tem sua versão neo-pentecostal, protagonizada pelo movimento da Renovação Carismática Católica, que apesar de não se auto intitular como depositária da teologia da prosperidade, pratica de maneira muito contundente o mesmo tipo de pregação inflamada, repleta de deveres morais e éticos, que por fim tende a manter em controle toda uma massa de fiéis em pro do “seguimento de cristo”, mas com uma diferença. A prosperidade não é pregada como objetivo último aos católicos, sendo uma prerrogativa apenas reservada às comunidades de vida católicas como, por exemplo, a Canção Nova, a Associação do Senhor Jesus, Obra de Maria, etc. Todas com índices milionários de arrecadação à exemplo das mais variadas seitas  evangélicas. Isso sem citarmos os padres pop star, ligados aos meios de comunicação como os padres cantores, apresentadores de programa, etc.

          O fato é que este fenômeno não é exclusivo das denominações evangélicas, mas se deve principalmente a reação das entidades religiosas em relação a vários processos sociais mais amplos, inerentes a um movimento global em torno do capitalismo liberal e suas consequências na organização social, política e econômica do mundo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACHADO, V. Sociologia da Religião. Módulo I. Batatais: Claretiano, 2010. Unidade 1, p. 27- 78.

LACERDA, L. E os católicos se rendem à Universal do Reino de Deus - aproximações dos carismáticos com o neopentecostalismo, Revista Espaço Acadêmico, No 71, Abril 2007- Mensal, ano VI.