A virtude do opressor

Por Ademir Esteves | 30/04/2011 | Sociedade

1. Funções
Eu queria muito estar entre as funções do amanhecer. Chamo de função tudo que não é aceitável compreender, depois que as esferas da noite, suspeitas nos seus obscuros néons, emudecem as sensações equivocadas referentes à claridade; chamo de função o campo impetuoso, invisível, que a investigação sobre o amor tonteia; chamo de função trazer à tona o ilustre equilíbrio da causa após os conflitos garantidos pela ausência de poemas, revolvendo a febre da caça numa energia vã. Eu queria, mesmo, estar entre as funções do amanhecer, e ali ficar, até que me retirassem as vendas, as mordaças, as amarras... Assim, eu desceria do cadafalso perjurando a infelicidade de ter vivido a opressão oclusa em memória desgarrada de mim, esperaria entender porque dentre todas as malícias, não tive nenhuma que me colocasse novamente no meio do povo. Talvez o arrependimento da sonoterapia submetida pelo horror, fizesse berrar a inocência e aclarasse o idiota que fui quando achei que sabia tudo. Falei do amor e não me contive, sei lá o que é isso. Falei da luz, ainda no escuro, nem sei o que pensar. A impressão que tenho, é que nunca estive de verdade na hora da manhã renovadora, uma vez que segui aglomerado pela passagem privada e inalterada, como um animal de olhos úmidos que só tem à sua frente a visão do rabo do seguinte. Eu queria as funções do amanhecer. Queria ser. Quem sabe eu berrasse assim, e me encantasse de fato com a palavra viver.

Canção 1 ? "Já vou indo"

Eu já vou indo meu bem, me dá esse abraço:
Que é pra eu não levar, saudade,
Sei que durante a manhã, a cerveja te adula...
Mas vou-me, sei lá, esqueço a cidade, esqueço a verdade,
Do beijo marcado e vou
Já que eu sou poeta e tenho uma lágrima bebida na boca, me custo pra ir.
Se pudesse, te feria dentro, assim, baioneta afiada com esse meu desespero de ter que ir que ir,
Lamento muito tanta janta esfriada, tantos meninos que não adotamos,
Porém, não há culpa minha, nem de alguém é melhor dizer,
Porque depois disso, sei não se a saudade, será pra sentir ou desejar.
Sou poeta, apenas sou poeta, quem sabe você, que viveu a demência, sossegou na doença, das rimas tão pobres que eu não soube fazer, adeus.
Já vou indo meu bem, me dá esse abraço, que é pra não levar saudade...