A Virgem de Toledo

Por josé maria couto moreira | 17/11/2015 | História

                                A Virgem de Toledo                                     

                                                        José Maria Couto Moreira*

         Quem se ocupa da hagiologia melhor interpretará sobre aquela escultura quinhentista belíssima que se encontra na Catedral de Toledo, naquela urbe mágica que Cervantes chamava de “a glória da Espanha”.

          Aquele solo sacrossanto, uma das construções religiosas mais admiráveis do mundo, não esgota a curiosidade e o encantamento de seus fiéis pela arquitetura e monumentalidade, pelo seu interior ricamente decorado (a Sacristia Mayor é um pequeno museu de obras religiosas valiosíssimas, com trabalhos de El Greco, Goya, Van Dick e outros), pelos vitrais de colorido mágico, pelas capelas que o completam ou pelo seu chão granítico que mostra seus quase oitocentos anos de abrigo da fé espanhola. Naquela jóia preciosa da arquitetura gótica (flamejante), todo passo emociona quem a percorre. Certamente, os visitantes que a demandavam, especialmente os citadinos, o faziam pelas promessas que suas três entradas sugerem. Duas delas, a Porta do Perdão e a Porta do Juízo Final constituem atrações irresistíveis, porque ambas prometem indulgências, daí um burburinho e um tumulto compreensíveis naqueles átrios.  

         Neste ambiente em que tudo é emoção, uma surpresa ainda aguarda o visitante. É a imagem da Virgem Maria com o Deus Filho em seu colo. A escultura, em mármore nobre, sobre pedestal trabalhado de filigranas, provoca prazer inesperado do visitante quando os olhos se elevam para Jesus e, a seguir, para o semblante da Madona. Para compreensível perplexidade do observador, ambas as representações, tanto da Virgem Mãe quanto de seu Filho, exibem um artístico porém natural sorriso, um sorriso largo, manifesto, nada sugerido. A intenção do hábil escultor foi, verdadeiramente, acabar aquela obra singular com uma imagem que, de imediato, estabeleça uma relação cordial com quem a vê, aquela expressão maternal de amor, de humildade, de solidariedade, sobretudo de perdão, este fenômeno transcendental que a humanidade inconsciente tanto procura.

         Essa visitação torna-se também intrigante quando o Menino, igualmente, se mostra risonho, com os braços em movimento, denotando um gesto comum aos pequeninos inocentes. Entende-se então que o Menino, parceiro do sorriso da Mãe, lança também sua compreensão, sua misericórdia, seu alento, seu perdão à humanidade, conclamando todos para uma vida melhor, menos carecedora.

         O êxito do artista na transmissão destas mensagens, inspirado nos valores da doutrina cristã, foi alcançado, tal a concentração de pessoas em torno da estátua e que dali voltam para suas casas com alívio espiritual. Convenceram-se de que sempre haverá para os homens um momento para o perdão, este gesto que tanto enobrece, capaz de fazer da humanidade um reino de concórdia e paz.

         Que os sorrisos da Virgem e do Menino nos alcancem e iluminem os verdadeiros passos para esta nossa travessia terrena, e transmitam para o mundo a misericórdia de que ele tanto carece. 

                                                                  * Procurador do Estado

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