A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA DA REVISTA ÍNTIMA REALIZADA...

Por Fabiene de Jesus Ferreira Pavão | 09/03/2017 | Direito

A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA DA REVISTA ÍNTIMA REALIZADA EM FAMILIARES DE PRESOS: sentimento pessoal no primeiro dia de visita[1]

 

Augusto César Coimbra Duarte2

Fabiene de Jesus Ribeiro Ferreira[2]

Yuri Frederico Dutra[3]

 

Sumário: Introdução; 1Direitos e Garantias Fundamentais: conceitos e classificações 2. Violação aos Princípios Fundamentais; 3. Teorias sobre o controle social: Tratamento dos Agentes Prisionais aos Visitantes na Casa de Revista – Penalização dos Familiares; 4. Violência Psicológica – Simbólica: sentimento pessoal no primeiro dia de visita; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

Este artigo trata da revista íntima realizada em familiares de presos analisando o sentimento pessoal no primeiro dia de visita. Considera-se a revista íntima a coerção para se despir ou qualquer ato de molestamento físico que exponha o corpo. O Tribunal Superior do Trabalho (STS) entende que se houver revista íntima, expondo o trabalhador a situação vexatória, como a  intimidade, vida privada, valores, pudores, honra e imagem das pessoas são princípios fundamentais. Além dos transtornos psicológicos que carregarão por toda vida.

Palavras-chave: Presos, revista íntima, familiares dos presos, controle social.

 

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como tema A Revista Intima realizada em familiares de presos: sentimento pessoal no primeiro dia de visita, tem como objetivo geral analisar estritamente a conduta profissional dos agentes penitenciários durante o procedimento de segurança nas visitas ao cárcere, fazendo um elo com os direitos e garantias fundamentais, tais como a ressocialização do detento e o controle do  sistema penal, e; apresentar as transformações psicológicas do familiar após sua primeira visita.

A violência sem medida faz com que a sociedade busque, por meio de seus representantes, soluções rápidas e implacáveis contra todos aqueles que ousaram em desafiá-la, surgindo assim, um cenário de terror, em busca dos inimigos do Estado. E é neste cenário, de farta legislação repressora que cinde a harmonia do ordenamento jurídico, que prolifera o chamado Direito Penal do Inimigo.

No âmbito do sistema penitenciário, a afronta às garantias individuais avança (e nem poderia ser diferente, no atual contexto), pois se ao longo do processo penal, no qual o réu está acobertado pelo manto do princípio da inocência, tais garantias são violentadas, não há que se esperar qualquer observância à Constituição Federal quando se está a falar da pessoa condenada ou do preso provisório.

Porém, o painel desenhado torna-se mais vil quando o Estado, na ausência de lei que discipline o tema, se volta, agora não mais contra seu “inimigo”, mas contra os familiares e amigos deste, impondo-lhes procedimentos penais, tudo em nome da (in)segurança.

Importante frisar que a comunidade jurídica, ao enfrentar os casos de revista corporal, o faz abordando os limites constitucionais da busca pessoal como prevenção a delitos ou ainda como meio de prova.

Por seu turno, o que propomos é o estudo da revista pessoal como meio de fortalecer a segurança dos estabelecimentos penais, bem como os limites que esta deve observar para não afrontar os princípios constitucionais que norteiam o procedimento.

No primeiro capítulo, será analisado o conceito e classificação dos Direitos e Garantias Fundamentais, e fazendo uma analogia da colisão entre os princípios da dignidade da pessoa humana e a segurança prisional em face da revista íntima.

No capítulo segundo, será abordado à violação dos princípios fundamentais, e a transgressão da revista como uma cláusula restritiva de direitos fundamentais, existindo, portanto, evidentes limites para a atuação do empregador neste sentido.

No capítulo terceiro pretende-se analisar o comportamento dos agentes prisionais revela a face do controle social formal exercido pelo poder num sistema burocrático com bases legais no direito, ou seja, organização, centralização e formalização pelos recursos humanos para obter excelência na aplicabilidade uniforme das regras. E, procuram impor todos os obstáculos para inoperalização da visita aos presos.

Por fim, no quarto e último capítulo será analisado a violência psicológica – simbólica, focado no sentimento pessoal no primeiro dia de visita, e suas futuras angústias.

Existe outro aspecto que é de suma importância e deve ser contemplado neste artigo: a definição dos termos. É importante que se defina os termos para não haver uma interpretação equivocada na pesquisa proposta.

Assim sendo, aproveita-se para se fazer a apresentação do termo-chave do trabalho proposto: abordar, de forma interpessoal, as causas e consequências provenientes e decorrentes da revista, seja esta vexatória ou não, realizada em familiares de encarcerados

Levando em consideração as questões acima, propõe-se analisar estritamente, a conduta profissional dos agentes penitenciários durante este procedimento de segurança nas visitas ao cárcere. Contribuindo, assim, com o aprofundamento da discussão teórica da temática em questão, oferecendo alternativas para o possível problema.

 

 

1 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS: CONCEITOS E CLASSIFICAÇÕES

Os direitos e garantias fundamentais resultam, historicamente, da necessidade de garantir aos cidadãos preservação da sua vida contra os possíveis abusos das autoridades estatais.

O constituinte de 88 não fez uma clara distinção no texto constitucional acerca dos direitos e garantias fundamentais, assim se faz necessário saber o que são direitos e o que são garantias fundamentais. E, nesse sentido, Ruy Barbosa afirmava que uma coisa são os direitos, outras as garantias, pois devemos separar

 

“no texto fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as garantias: correndo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito” (BARBOSA, p. 57 apud SILVA, 2008, p. 186. Grifo nosso).

 

Em síntese, nessa perspectiva, os direitos fundamentais são disposições declaratórias e garantias constitucionais disposições assecuratórias.

Contudo, diante da Constituição, não é definitivo “afirmar que os direitos declaratórios e as garantias assecuratórias, porque as garantias em certa medida são declaradas e, às vezes, se declaram os direitos usando forma assecuratória” (SILVA, 2008, p. 186. Grifo nosso).

Quanto às classificações, os direitos, com base na Carta Magna, são classificados em cinco grupos: direitos individuais (art. 5º); direitos à nacionalidade (art.12º); direitos políticos (arts. 14 a 17); direitos políticos (arts. 14 a 17); direitos sociais (arts. 6º e 193 e ss.); e direitos coletivos (art. 5º). E as garantias, formam um conjunto de proteções, que, geralmente, se classifica como proteção social, proteção política e proteção jurídica.

Finalmente, é indispensável registrar que os direitos e garantias fundamentais, além daqueles contidos na Constituição Federal, são também reconhecidos aqueles aprovados em tratados e convenções internacionais, conforme Emenda Constitucional nº 45/2004.

 

 

2 VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

A obra “Como Estivesse Morrendo”: a prisão e a revista íntima em familiares de reclusos em Florianópolis de autoria da professora Yuri Frederico Dutra, é um exemplo claro da violação aos princípios fundamentais inscritos na Magna Carta e também, uma explicita exteriorização da pena aos familiares, o que fere o princípio penal de culpabilidade, que preceitua que a “pena só pode ser imposta a quem, agindo por culpa ou dolo, e merecendo um juiz de reprovação, cometeu um fato antijurídico” (JESUS, 1999, p. 10-11).

Nesse norte, averigua-se o terceiro capítulo da Obra “a transmissão de pena dos reclusos aos familiares”, marcadamente as falas das mulheres de presos nos tópicos que dão embasamento ao tratamento dos Agentes prisionais e a violência psicológica.

Segundo a pesquisadora Yuri Frederico Dutra (2008, p. 126), na revista íntima o “familiar em visitação submete-se ao agachamento, nu, por três vezes, no espelho, para que o agente prisional possa averiguar se há alguma droga escondida em seu ânus ou vagina”. Na descrição do ambiente, segundo Ela, as sala de revista contêm cada

um bando para que a pessoa revistada possa sentar-se, e colocar suas roupas enquanto estão se despindo e dois espelhos, perpendiculares entre si, um no chão e outro na parede, em que os visitantes se agacham para que o agente prisional possa observar os órgãos genitais dos visitantes verificando se carregam alguma droga no interior (DUTRA, 2008, p. 67).

É evidente, também, a transgressão ao princípio da pessoa humana onde “sua densidade jurídica no sinal constitucional há se ser, portanto, máxima. Se houver reconhecidamente um princípio supremo em torno da hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que os ângulos éticos da sociedade se acham consubstanciados” (BONAVIDES, 2005, p. 233). Assim como, uma total violação aos direitos humanos.

A pessoa humana inadmite relativização, pois “embora precária a imagem, o que importa é tornar claro que dizer pessoa é dizer singularidade, intencionalidade, liberdade, inovação e transcendência” (MENDES, 2009, p. 172).

No caso em comento, existe uma colisão entre os princípios da pessoa humana e a segurança prisional em face da revista íntima, pois

utilizar a proporcionalidade entre o princípio da dignidade humana e o direito fundamental da segurança, no caso de revistas íntimas que violem a integridade e a intimidade dos visitantes nas Prisões, consiste em valorizar a forma máxima o direito fundamental da segurança, entendido erroneamente como segurança prisional (DUTRA, 2008, p. 33).

Na visão de Yuri Frederico Dutra (2008, p. 31), o princípio da segurança é costumeiramente confundido com o dever do Estado de preservar a ordem pública e, desse modo, apresenta-se como aquele que mais viola os direitos e garantias fundamentais, ou seja, quando se trata da questão penitenciária, todos os direitos conquistados são violados pelo próprio Estado, que os garantiu, em nome da suposta segurança daquele ao impor a revista íntima, denominada também de revista vexatória pelo modo como se dá.

Cabe reparação por dano moral, por ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, pois “ a dignidade um superprincípio, como uma norma dotada de maior importância e hierarquia que as demais, que funcionaria como elemento de comunhão entre o direito e a moral...” (FERNANDES, 2012, p. 298-299), o ato do agente prisional consubstanciado em revistas íntimas de visitantes de qualquer sexo, incluindo a vigilância por meio de câmeras instaladas em banheiros e vestiários.

... Dignidade da Pessoa Humana é [...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto honrar todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET apud FERNANDES, 2006, p.07).

Trata-se, pois, de um conceito constitucionalmente consagrado, o qual garante a todos os cidadãos brasileiros, natos ou não, o direito de haver do Estado a proteção aos bens jurídicos inerentes à personalidade humana. Embora calcada em motivação plausível, à realização de revista íntima com extrapolação dos limites admissíveis de razoabilidade, na medida em que adotada conduta de caráter constrangedor e degradante, consistente na imposição dirigida ao reclamante de ficar em posição humilhante e constrangedora diante de outro colega, em manifesta afronta à dignidade da pessoa humana, caracteriza ato ilícito passível de responsabilização civil.

A intimidade e a vida privada, assim como os demais direitos fundamentais, não são absolutos, sofrendo a ingerência dos princípios da proporcionalidade, da unidade e da cedência recíproca, a que devem harmonizar-se de tal forma que podem ser preteridos se ofensivos a um interesse público prevalente.

 

 

3 TEORIAS SOBRE O CONTROLE SOCIAL: Tratamento dos agentes prisionais aos visitantes na casa de revista – penalização dos familiares?

A forma de regulação da vida em sociedade chama-se controle social, que se pode conceituar “como o conjunto de mecanismos e sanções sociais que pretendem submeter o indivíduo aos modelos e normas comunitários” (SHECAIRA, 2011, p. 66). Ele pode ser informal e formal, que se articulam entre si para que seja alcançada a coesão social.

De um lado tem-se o controle social informal, que passa pela instância da sociedade civil: família, escola, profissão, opinião pública, grupos de pressão, clubes, etc. Outra instância é a do controle social formal, identificada como a atuação do aparelho político do Estado. São controles realizados por intermédio da Polícia, da Justiça, do Exército, do Ministério Público, da Administração Penitenciária e de todos os consectários de tais agências, como controle legal, pena etc.(SHECARIA, 2011, p. 66).

Ainda acerca da temática, na concepção de Ana Lúcia Sabadell (2005, p. 140), o direito, o poder e a burocracia são meios de controle social. O direito é característica das duas sociedades complexas a partir de normas e sanções aplicadas pelos agentes oficiais. O poder, conforme clássica conceituação weberiana, “significa toda probabilidade de impor vontade numa relação social, mesmo com resistências” (WEBER 1991, p. 33 e 1999, p. 175, apud SABADELL, 2005, p. 144).

O comportamento dos agentes prisionais revela a face do controle social formal exercido pelo poder num sistema burocrático com bases legais no direito. Nos depoimentos percebe-se a lógica da aplicação do poder pelos agentes que, consequentemente, as mulheres revelam as mais diversas atitudes e frustrações.

Optou-se por agrupar os depoimentos das mulheres quanto suas finalidades e angústias e, em seguida, uma análise das teorias de controle social em cada “grupo de falas”.

As mulheres manifestam comportamentos comuns quanto as agentes (DUTRA, 2008, p. 117-122): Georgina, diz que são “seres desumanos”; Jucélia, fala ser humilhada e se diz “culpada por alguma coisa”; Dália, diz que a “revista íntima é incorreta, mas tem que ser igual a todo mundo”; Tainá, considera que “paga a prisão junto com eles porque a gente poderia ir para algum lugar”; Jocasta, sente-se, também, humilhada com palavras de ordem: “tire a roupa, chacoalha. Se tiver uma balinha na boca fala para cuspir”, diz que “elas tratar bem na forma de falar, tratar com carinho”; Ludimila, reclama do “jeito que falam, principalmente com as pessoas mais velhas”; Jucélia, retrata do vexame familiar, porque a “família se sente humilhada com algumas atitudes dos agentes”; Florisbela, enfatiza que os “os agentes tem o prazer de humilhar”; Jucema, angustiada recomenda que os “agentes tratassem igual para igual as pessoas”; Zumira, relata o sofrimento diante de “informação errada”; Fernandinha, sente-se sempre muito nervosa, diz, ainda, que os agentes utilizam de qualquer situação para provocar novas humilhações, seja  na simples ausência de um saco para colocar roupas ou alimentos; Maurícia, incomoda-se com postura de agentes quanto a entrada de objetos de utilidades aos presos; e, finalmente, Credenice, que “deveria mudar é o tratamento das pessoas”.

Os depoimentos demonstram os sofrimentos, dores, angústia e indignações das mulheres dos presos diante dos comportamentos dos agentes penitenciários na revista íntima. Eles representam a figura do controle formal exercido pelo Estado através do sistema penitenciário. E procuram impor todos os obstáculos para inoperalização da vista aos presos.

Eles exercem o poder  que “consiste na possibilidade de uma pessoa ou instituição influenciar o comportamento de outras” (SABADELL, 2005, p. 140). Nota-se, sem sombras de dúvidas, a ocorrência de um controle social na finalidade da perspectiva da teoria conflitiva, tendo em vista que o controle social é “exercido sobre as camadas mais carentes da população” (SABADELL, 2005, p. 139).

A burocracia da Penitenciária instituiu a Portaria nº 109/2005 que, certamente, viola os direitos fundamentais dos detentos, que devem ter seus direitos e garantias fundamentais assegurados. Além disso, é abominável a conduta dos agentes do Estado Democrático de Direito ao ferir  os princípios da dignidade da pessoa humana, da pessoalidade da pena e da segurança, pois em nome da segurança não pode haver degradação e humilhação das pessoas.

É, portanto, necessário frisar o que reza o preceito constitucional no Art. 5º, inciso XLV: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos seus sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Contrariando, portanto a ideia de penalização dos familiares dos apenados.     

4 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA – SIMBÓLICA: sentimento pessoal no primeiro dia de visita

É presumível que todos os sentidos se misturem no primeiro dia de visita, desde a alegria, humilhação, sofrimento, dor, angústia, raiva, solidão e, sobretudo, o sentimento de encara uma “pena” que lhe é posta pelo Estado. Contudo, tudo isso é recompensador pelo valioso contato com alguém que cumpre uma pena de reclusão.

Nesse norte, analisam-se os sentimento das mulheres no primeiro dia de visita a partir das constatações de Yuri Frederico Dutra (2008, p. 134-137): Bonícia, “a gente é tratada que nem eles. É duro, é humilhante”; Jocasta, revela a maior pressão psicológica é para as crianças, onde sua filha de apenas 5 anos chegou a dizer: “Mãe eu não vou. Vai ter que ficar tudo pelada”; Mércia, acha “ser um absurdo abaixarem a calcinha de uma criança de 5 ano”; Florisbela, fomenta que seu maior medo “ eram as agentes sapatonas. Essas olhavam com desejo ou maliciosamente e isso dava nojo”; Jucema, desconhecia as normas da revista; Creonice, afirma que “ na teoria é fácil, você sabe que tem de se agachar. O difícil é na hora. Você fica nervosa”, diz ainda que deu vontade de bater no companheiro ; e, finalmente, Jacinta, “ me senti como se estivesse morrendo[4]... Os primeiro dias tu te sente humilhada, tu te sente mal, te sente estranha dentro de ti, porque tu nunca passou por isso”.

A partir dos depoimentos acima, verifica-se, substancialmente, a presença do controle por parte dos agentes e, também, o controle informal. Este concretizado na indignação das mulheres por passarem pela revista íntima em relação aos detentos, pois “há certa forma indireta de  re-punição emocional dos familiares, uma vez que o Poder Prisional ‘pune’ o familiar com a revista íntima e o familiar desconta com uma ‘punição’ emocional apenas” (DUTRA, 2008, p. 136). Observa-se também, a presença do direito, poder e burocracia como expressões inter-relacionadas de controle social com a finalidade da perspectiva da teoria do conflito social.

Constantemente, ao nos referirmos ao sistema penitenciário brasileiro, enfocamos nosso estudo sobre a temática da superpopulação, do estado desumano e degradante em que os apenados vivem, que o sistema não ressocializa ninguém, entre inúmeras outras mazelas. Entretanto, raras vezes refletimos sobre os familiares- em especial às mulheres- destes reeducandos, como é o cotidiano daquelas, quais são os preconceitos a que são submetidas e, principalmente, quais são os direitos afrontados por serem “mulheres de bandido”.

Indubitavelmente, a família é de suma importância para o processo de ressocialização, principalmente, a mulher, uma vez que é ela quem acompanhará o apenado durante toda a condenação. E ao mesmo tempo em que o Estado garante inúmeros direitos, ele os infringe em nome da suposta segurança social, a qual poderia ser realizada por meio da tecnologia.

Desta forma, a experiência poderá demonstrar que o abuso supostamente legal sofrido pelas mulheres pode ser extinto com baixo investimento, mas não podemos nos ater a questão financeira ou estaríamos a chancelar o argumento de alguns para quem a dignidade humana pode ser analisada sobre a luz do quantum, o que se apresenta com mais uma distorção de valores.

Fere o princípio da dignidade da pessoa humana a revista íntima, sendo igualmente constrangedora aquela feita na presença de uma ou de várias pessoas, eis que, em ambas as situações, o empregado se depara com a vergonha e com o sentimento de humilhação, sendo certo que esta prática além de violar a presunção de inocência, transborda os limites do poder de fiscalizar que se reconhece ao visitante.

Além disso, finalmente, entristece saber que os mesmos procedimentos são realizados também em crianças, ferindo também sua dignidade humana, integridade física e moral e registrando traumas para a vida das crianças. Que consequentemente, apresentarão, em grande parte, problemas psicológicos futuro.

 

 

CONCLUSÃO

A elaboração de leis e atos normativos, num Estado Democrático de Direito, deve seguir formal e substancialmente preceitos e princípios Constitucionais. Possíveis irregularidades, dependendo do tipo de norma elaborada, são passíveis de nulidade ou de controle de constitucionalidade para sua correção ou retirada do ordenamento jurídico. No entanto, em decorrência das transformações sociais advindas com a violência e do recrudescimento das penas, a segurança, equivocadamente, tornou-se um princípio muito valorado, que chega a substituir o princípio da dignidade humana.

Como o exemplo da Resolução n° 09/06 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que permitiu uma exceção ao princípio da dignidade humana em nome da segurança prisional, ao normatizar autorização de revista íntima manual em familiares de reclusos. O objetivo deste artigo é verificar a valoração dos princípios de segurança e dignidade, e analisar o controle de constitucionalidade da Resolução n° 09/06 do CNPCP para a sua retirada do ordenamento jurídico.

Observamos constantemente a violação dos direitos fundamentais aos familiares dos presos, não só pelo Estado, mas também pela sociedade ao os julgarem também como “bandidos”. Como a maior parte dos visitantes nas prisões nacionais é de mulheres, este projeto de pesquisa tem como intuito estudar a questão da mulher que com a reclusão de seus entes “queridos” acabam submetendo-se a tratamentos vexatórios, que seriam desnecessários, caso o governo investisse em tecnologia nas penitenciárias do país ao utilizar os scanners corporais. Assim, este projeto se desenvolve a partir de pesquisa bibliográfica e estudo de caso, ao realizar visitas no Estabelecimento Penal de Paranaíba (EPPar), onde a equipe de execução entrevista de maneira informal as mulheres que farão as visitas e esclarecem determinadas dúvidas, referentes à área jurídica.

Na maior parte dos presídios nacionais, quando assistimos noticiários sobre atemática das visitas naqueles, notamos que, a grande maioria das mulheres, sejam elas mães, irmãs, filhas, esposas ou companheiras viajam longas distâncias para visita-los, às vezes dormindo em barracões próximos aos presídios, lugares estes sem a mínima condição de higiene.

Após a checagem dos alimentos, são estas mulheres que os acompanha durante todo o cumprimento da pena que serão revistas, de forma vexatória e com métodos tidos como medievais, pois se faz necessário que retirem toda a roupa na frente de uma pessoa estranha, agache repetidas vezes para provar que não escondem nenhum objeto ilícito e, não raras vezes, há a manipulação dos genitais daquela feita pelos próprios agentes, em regra, do mesmo sexo, como regulamenta Portaria nº. 132, de 26 de setembro de 2007 do Ministério da Justiça.

A prática de revista é considerada cláusula restritiva de direitos fundamentais, existindo, portanto, evidentes limites para a atuação do empregador neste sentido. A revista é dividida em revista pessoal ou íntima e revista em objetos pessoais, sendo a primeira efetuada sobre o corpo do visitante, e a segunda efetuada em bolsas, sacolas e automóveis deste.

Pois bem, tem a Dignidade da Pessoa Humana base constitucional e, justamente por possuir previsão constitucional, através dos dispositivos contidos no art. 5º da Magna Carta vigente e por ser vista como a base, amola mestra do Estado Democrático de Direito, é que a atuação do Estado deve ser cobrada no sentido de impedir, ou mesmo punir a prática das condutas que possam ferir a Dignidade Humana, atribuindo a esse direito um caráter descartável.

   

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[1] Projeto de paper apresentado à disciplina de Criminologia do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB, ministrada pela Professora Yuri Frederico Dutra.

[2] Acadêmicos do 2º período do Curso de Direito da UNDB.

[3] Professora orientadora.

[4] Fala que inspirou o tema da dissertação da pesquisadora Yuri Frederico Dutra (2008, p. 137).