A Vida é De Barros

Por Carlos Moreira | 10/06/2007 | Poesias

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá – MT, no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916, filho de João Venceslau Barros, capataz com influência naquela região. Mudou-se para Corumbá – MS, onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense. Atualmente mora em Campo Grande – MS. É advogado, fazendeiro e poeta.

Tinha um ano de idade quando o pai decidiu fundar fazenda com a família no Pantanal: construir rancho, cercar terras, amansar gado selvagem. Cresceu brincando no terreiro em frente à casa, pé no chão, entre os currais e as coisas "desimportantes" que marcariam sua obra para sempre. "Ali o que eu tinha era ver os movimentos, a atrapalhação das formigas, caramujos, lagartixas. Era o apogeu do chão e do pequeno." Com oito anos foi para o colégio interno em Campo Grande, e depois no Rio de Janeiro. Dez anos de internato lhe ensinaram a disciplina e os clássicos a rebeldia da escrita.Foi comunista. Seu primeiro livro, aos 18 anos, não foi publicado, mas salvou-o da prisão, pois Barros havia pichado uma estátua, e a polícia ao invés de levá-lo para a prisão acabou por levar a brochura, único exemplar que o poeta perdeu para ganhar a liberdade.

Manoel de Barros vagou pelo mundo conhecendo artes, cinema e literaturas dos mais diversos lugares, pôde selecionar o que ele mais se identificava quanto arte. Viveu a vida até voltar ao pantanal. Casou-se com Stella no Rio de Janeiro, teve três filhos. Seu primeiro livro foi publicado no Rio de Janeiro, há mais de sessenta anos, e se chamou "Poemas concebidos sem pecado". Foi feito artesanalmente por 20 amigos, numa tiragem de 20 exemplares e mais um, que ficou com ele.

Millôr Fernandes encarregou-se de divulgar as poesias de Barros na década de 80 em suas revistas Isto É e Veja, e no Jornal do Brasil. Após isto, outros intelectuais passaram a lê-lo e divulgá-lo, tais como Fausto Wolff e Antônio Houaiss.

Barros possui 17 livros editados, tido como escritor da atualidade, poeta contemporâneo, mas o primeiro livro é de 1937 e o último é de 2001, todos reeditados pela Record.

Matéria de Poesia é em suma "Perder a inteligência das coisas para vê-las."(p.17). Onde Barros desconstrói e constrói diversas imagens do nosso e do cotidiano dele. Sempre jogando com as palavras.

O livro caminha em uma enumeração das matérias utilizadas para realizar a poesia; com uma narração da aventura de "Um João (que) foi tido por concha" (p.23) depois uma série de passeios e poemas são relatados.

O livro é composto de poesias frasistas, onde a desconstrução, as inovações gramaticais, os neologismos, as figuras de linguagem, as inversões, os ditos populares, as paráfrases e a oralidade estão bem presentes nestes desarranjados versos de uma poesia dita como primitivista e desprovida de inteligência. Alguns críticos acreditam que Barros não possuis muita leitura para poder produzir este estilo de escrita, mas ao contrário disso, Manoel leu o suficiente para saber por qual caminho deveria seguir para ser diferente dos anteriores, de modo que ele pudesse destacar-se frente aos demais. Foi influenciado pela poesia de Oswald de Andrade, Rimbaud e de toda a obra do Padre Antônio Vieira, Borges, Guimarães Rosa, Quevedo e Strindberg.

Barros caminha em um discurso de metalinguagem, com a matéria, função, razão da poesia. Seus frase-versos são escritos fora de uma estrutura comum, inventando formas e colocações, palavras e transgressões. Chega a ser narrativa com personagem (João), diálogos ( - Você sabe o que faz pra virar poesia, João? / - A gente é preciso de ser trate).

"Poesia é a loucura das palavras:" (p. 26)

A uma primeira leitura, Barros nos causa um estranhamento que nos remete a encaixá-lo dentro dos padrões literários da escrita brasileira. Pelo fato das coisas não estarem sendo ditas para que possamos vê-las. A medida que caminhamos por suas frases temos a impressão de estarmos andando por um lugar verdadeiramente novo, ainda não explorado. Enquanto é comum vermos poesias falando sobre paixões, flores, paisagens, édens, homens e mulheres, vemos aqui tudo o que "não presta" detalhado e defendido nos versos dos poemas. "Todas as coisas cujos valores podem ser / disputados no cuspe à distância / servem para a poesia", "As coisas que não levam a nada / têm grande importância / Cada coisa ordinária é um elemento de estima" (p. 11 e 12).

Estranho, incompreensível, complicado, confuso e porquê não dizer totalmente maluco, um cara que ousa escrever coisas tão ininteligentes para a nossa inteligência. Será ofensa? Chegamos a nos ter como incompetentes por não conseguir visualizar ou ao menos compreender tamanha simplicidade complexa. Mas aqui estamos planejando traçar linhas, ousando observar a obra de tão célebre figura da literatura brasileira. Me sinto realmente "Aprender(ndo) a capinar com enxada cega." (p.18) Hora destruindo, hora revolvendo, hora aplainando as informações, o conteúdo da obra e meu "achismo".

Barros inovou, ousou e conseguiu ser diferente e permanecer diferente de tantos outros. Mas se bem procurarmos, conseguiremos encontrar personagens da literatura de características semelhantes a de Barros. Principalmente no que diz respeito à linguagem utilizada em seus livros, semelhança esta identificada em escritores como João Cabral de Melo Neto, Albero Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa), Guimarães Rosa, Rimbaud, Clarice Linspector, entre outros.

Devido a linguagem de criações lingüísticas inovadoras para a literatura brasileira, a exploração de diversos valores do signo, utilização de arcaísmos e neologismos, transformam-no em um laboratório lingüístico. A escolha das palavras valorizando cada uma, tirando o significado banal através de metáforas e outros recursos fazendo com que a linguagem não seja apenas um instrumento e meio para a comunicação, mas a parte mais importante daquilo que é retratado. Todas as palavras têm uma razão de ser, mesmo parecendo banais ou desnecessárias.

Barros prezava a liberdade, tendo absorvido-a por outros escritores célebres que o influenciaram, por esta liberdade é que Barros mantém seu trabalho com a língua e com a linguagem de maneira pessoal, autêntica. Manoel faz uso de sua retórica para seus versos.

Em entrevista a André Luís Barros para o Jornal do Brasil, ao ser perguntado sobre o tema do poeta, Barros disse:

"O tema do poeta é sempre ele mesmo. Ele é um narcisista: expõe o mundo através dele mesmo. Ele quer ser o mundo, e pelas inquietações dele, desejos, esperanças, o mundo aparece. Através de sua essência, a essência do mundo consegue aparecer. O tema da minha poesia sou eu mesmo e eu sou pantaneiro. Então, não é que eu descreva o Pantanal, não sou disso, nem de narrar nada. Mas nasci aqui, fiquei até os oito anos e depois fui estudar. Tenho um lastro da infância, tudo o que a gente é mais tarde vem da infância. Nesse último livro meu, Livro sobre nada, tem muitos versos que vieram da infância. Tem um poema que se chama "A arte de infantilizar formigas". Num vídeo que fizeram sobre mim, o rapaz chega uma hora que pergunta: "Escuta aqui, o senhor escreveu que formiga não tem dor nas costas. Mas como é que o senhor sabe?". Outro rapaz me escreveu do Rio, diz que freqüenta as aulas de um professor muito inteligente em energia nuclear, física, poesia e romance, e ele fez a pergunta, que é um verso meu: "Professor, por que a 15 metros do arco-íris o sol é cheiroso?". O professor, que tinha estudado Einstein e outros autores, disse: "Essa pergunta não vou responder, é absurda". Ou seja, encabulou. Creio que a poesia está de mãos dadas com o ilógico. Não gosto de dar confiança para a razão, ela diminui a poesia."

Através desta fala, Barros comprova que seus poemas são herméticos assim como sua pessoalidade, suas experiências. Ele se retrata nos poemas.

Ao falarmos do uso da língua, Barros é dono de uma gramática própria. Com uma estrutura sintática muito própria: ...

Não omitimos e nem desconsideramos toda a genialidade do poeta, mas Manoel deslumbrou-se tanto com seu estilo que acabou morrendo nele. Barros ficou sónas lagartixas, sapos, lesma, lixo, formigas e cupins; concentrou-se tanto que acabou por falecer em sua genialidade. Inovou, deu certo, e repetiu a fórmula tantas vezes que cansou o público e a crítica. Por este motivo foi alvo dos mais impiedosos julgamentos.

"Só as dúvidas santificam" (p.31).

Referências:
BARROS, Manoel. Matéria de Poesia.
5ª edição. Record. Rio de Janeiro,2001. .