A Verba Sucumbencial: Os Destinatários E Pagamento Pelo Vencedor

Por Adalmo Oliveira | 12/05/2008 | Direito

O tema: honorários de sucumbência sempre causarão celeuma no ponto de vista doutrinário. A disciplinamento jurídico abre margem a inúmeras controvérsias e somente não surge longos debates jurídicos sobre o tema em razão da jurisprudência ter se pacificado sobre alguns pontos.

Primeiramente impende considerar a dicotomia dos honorários advocatícios em contratados e de sucumbência. Fala-se em honorários contratados quando a parte contrata o advogado e este é remunerado diretamente pelo seu cliente. Por outro lado os honorários de sucumbência seria, num primeiro momento, aqueles que o advogado da parte vencedora recebe por exatamente por ter vencido a causa. A parte que sucumbe remunera o advogado que o fez sucumbir.

Antes do Estatuto da OAB o regime da sucumbência, ao menos legalmente, era regulado de maneira diversa. Previa e ainda prevê o Código de Processo Civil: "Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios."

Tal norma vem regular um sistema ideal de pagamento de verbas de sucumbências. A intenção da lei é que a verba sucumbencial tenha como destinatária a parte vencedora e não o advogado da parte. O sistema assim concebido tem uma lógica irrefutável, pois visa indenizar a parte que foi "forçada" a contratar um advogado e ter que participar de uma ação judicial. A asserção é válida tanto para a parte autora como para a parte ré. Visa a lei deixar a parte que tem razão indene.

Suponhamos aquelas ações, infelizmente não muito raras, em que é indicado o réu erroneamente, ou seja, ação em que falta legitimidade passiva. Ainda dentro da proposição do problema, imaginemos que o erro na indicação do pólo passivo é grosseiro, demonstrando uma atitude negligente do autor. Como o indigitado réu não pode vir a juízo para afirmar que nada tem a ver com o caso sem a presença de um advogado, terá que contratar um advogado. Para tanto, terá que combinar com esse profissional o valor dos honorários advocatícios (honorários contratados). O processo termina com julgamento de plano da ilegitimidade passiva. O réu que foi indicado erroneamente sofreu um dano injusto, pois teve que contratar advogado para poder vir a juízo e argüir sua ilegitimidade.

Por outro lado, o autor que foi o causador de todo o dano, e, nada mais justo seria que ele pagasse pelo fato de ter errado na indicação do réu. Desse modo, tendo-se em vista que o autor causa dano ao réu o CPCordenou ao juiz do processo que a parte vencida custeie os honorários da parte vencedora. Em outras palavras: como foi por causa de um ato do autor que o réu teve que obrigatoriamente contratar um advogado, o autor pagaria ao réu o que este gastou com o pagamento de sua defesa.

Dessa maneira o sistema ficaria equilibrado, sendo sempre estabelecida a justiça sem dano para nenhum dos lados, pois os advogados receberiam de seus clientes e a parte que tem razão seria indenizada dentro do mesmo processo.

No entanto, a praxe do meio jurídico deturpou o sistema legal. Imperou na jurisprudência o costume de conceder ao advogado da parte vencedora e não à própria parte. Isso sem razão alguma, pois o advogado da parte vencedora também recebeu desta os seus honorários contratados. O Estatuto da OAB ( lei 8.906/1994) veio a legalizar, ou conceder o direito dos advogados receberem os honorários ditos sucumbenciais. Dispôs essa lei da seguinte maneira: "art 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência".

Infelizmente, essa norma retirou a logicidade do sistema jurídico. Deixa a parte inocente sem indenização com as despesas efetuadas com o pagamento de seu advogado e traz uma injusta discriminação entre os profissionais advogados que trabalharam no mesmo processo. Pois acontece do advogado derrotado ter trabalhado mais e melhor que o advogado vitorioso.

Esse novo sistema ainda abre margem para outra discussão: a parte vitoriosa teria direito a uma indenização? Poderia a mesma entrar com uma ação pleiteando da parte adversa uma indenização por despesas efetuadas com a contratação de um profissional para defendê-la? Mesmo sem uma análise mais aprofundada no tema pode-se afirmar que sim. No exemplo antes engendrado pode-se concluir que seria possível o pleito indenizatório, pois no caso, enquadraria numa hipótese de negligência da parte, configurando ato ilícito.

No próprio Supremo Tribunal Federal há vozes levantando a irrazoabilidade do sistema. Na ADI 1194/DF os ministros Marco Aurélio, Cezar Peluso e Gilmar Mendes se manifestaram no sentido de que a verba sucumbencial pertenceria a parte e não ao advogado. Destacamos o informativo 393:

Prosseguindo no julgamento, o Min. Gilmar Mendes, no tocante ao art. 21, caput, e seu parágrafo único, julgou procedente o pedido, declarando a inconstitucionalidade do dispositivo com eficácia ex nunc, adotando os fundamentos expostos nos votos dos Ministros Marco Aurélio e Cezar Peluso, no sentido de que os honorários de sucumbência, a teor do disposto no art. 20 do CPC, são devidos à parte vencedora, e de que o direcionamento, ao advogado, da verba honorária destinada, por natureza, a compensar o dano causado àquele que teve o ônus próprio de ir ao Judiciário para ter sua razão reconhecida, implica indevido desfalque do patrimônio deste, violando o art. 5º, XXXV, da CF. Quanto ao art. 24, o Min. Gilmar Mendes acompanhou o voto do relator, dando pela procedência do pedido, para declarar a inconstitucionalidade do artigo, propondo, no entanto, efeitos ex nunc. Após, pediu vista dos autos o Min. Joaquim Barbosa. ADI 1194/DF, rel. Min. Maurício Corrêa, 22.6.2005. (ADI-1194) grifo nosso

http://www.stf.gov.br/portal/informativo/verInformativo.asp?s1=1194&numero=393&pagina=6&base=INFO

PAGAMENTO DE SUCUMBENCIA PELA PARTE VENCEDORA

Pode parecer estranho, mas é possível o pagamento da verba sucumbencial pela parte vencedora. Há casos excepcionais que vai ser possível ocorrer tal hipótese.

Como dito alhures, a verba sucumbencial deve ser paga pela parte que foi "forçada" a entrar com a ação ou em um processo. A parte entrará como autora quando houver resistência pela parte contrária, e por isso se fez necessário ajuizar a ação, ou atuará como ré, por ser conduzida a isso em razão dos efeitos de revelia.

Contudo essa relação pode ser analisada mais profundamente, pois pode ocorrer de o próprio réu dar causa a instauração de uma ação. Atitudes negligentes do réu podem ensejar uma propositura de uma ação contra si. Nesse caso seria uma iniqüidade que o autor além de ter que custear a abertura do processo com a contratação de seu advogado ainda tenha, caso perca, que pagar a verba sucumbencial ao réu em virtude de uma conduta deste.

Quando se falou agora a pouco sobre uma atitude negligente do réu, restou evidente que o caso cairia na vala comum da indenização, pois quando há uma lesão do patrimônio de outrem por conduta negligente há ato ilícito (art. 186 do Código Civil). De outra forma não podia ser, haja vista que a verba sucumbencial, como ressaltado anteriormente, visa indenizar a parte inocente. E como será demonstrado, parte inocente pode não significar parte vencedora.

Cuidaremos aqui da questão dos embargos de terceiro numa ação de execução. Como se sabe, os embargos de terceiro constituem uma ação autônoma proposta por quem teve seu bem indevidamente penhorado judicialmente. Ocorre porque o autor indica bem que não pertence ao executado, ou porque o próprio executado oferece bem a penhora que não integra seu patrimônio.

O Superior Tribunal de Justiça editou o seguinte enunciado para regular a verba de sucumbência nesses casos:

Súmula 303: Em embargos de terceiro quem deu causa constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios.

Imaginou-se que se o exeqüente indicasse erroneamente o bem ele seria o responsável pelos pagamentos da verba de sucumbência, mas se quem indicasse o bem fosse o executado era este quem arcaria com esses custos.

No entanto pode ocorrer que quem deu causa constrição indevida de forma decisiva seja o próprio embargante que teve seu bem penhorado. Para a aferição dessa causalidade faz-se necessário uma análise sobre o comportamento do embargante. Ter-se-ão casos em a parte que indicou o bem a penhora agia estritamente conforme o direito e de forma diligente.

Imagine-se o caso que uma pessoa vende para outra um bem imóvel de alto valor. Fazem o comprador e vendedor uma escritura pública de compra e venda, contudo o comprador se apossa do imóvel, mas não realiza o registro no cartório de registro de imóveis, continuando então o referido imóvel matriculado no nome do vendedor. E, portanto, segundo nossa legislação, continua sendo proprietário. Tempos depois esse vendedor torna-se insolvente e é executado por um credor. No curso da execução o credor descobre um imóvel de alto valor registrado em nome do devedor. Imediatamente o credor indica esse bem a penhora. Todavia, esse bem era o que o devedor havia vendido tempos atrás e que o vendedor não efetuara o registro.

O comprador, possuidor do bem penhorado, interpõe embargos de terceiro e inevitavelmente vence. Quem deverá arcar com sucumbência no caso? O credor que agiu diligentemente pesquisando no cartório de registro de imóveis, ou o embargante que descumpriu seu dever de realizar o registro, sendo dessa forma negligente?

O Superior Tribunal de Justiça vem adotando a posição que consideramos correta. E atribui ao vencedor os encargos da sucumbência, pois foi dele a culpa por fazer que incidisse penhora incidisse incorretamente.

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE REGISTRO DA TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL. HONORÁRIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.

1. O autor dos embargos de terceiro, ainda que vencedor na demanda, deve arcar com os honorários advocatícios se deixou de registrar a transferência do bem, ante a aplicação do princípio da causalidade (q. v. verbi gratia, REsp 913.618/RS, 2ª Turma, Min. Castro Meira, DJ 18.05.2007; REsp 654.909/PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 27.03.06; REsp 674.299/SC, 2ª Turma, Min. Franciulli Netto, DJU

de 04.04.05).

EDcl nos EDcl no REsp 375026 / PR

CONCLUSÃO

Vê-se claramente a falta de lógica no sistema da sucumbência hoje vigente no sistema jurídico brasileiro. Tratando advogados que trabalharam de maneira similar de forma desigual e aumentando a litigiosidade dos advogados que vislumbram uma vitória em seus pleitos.

Talvez uma dia venha lume uma legislação que atenda a justiça ao invés de interesses financeiros da classe dos advogados.