A velha casa caiada
Por Roberto Remígio | 24/04/2009 | PoesiasA VELHA CASA CAIADA
(ao poeta pernambucano Mauro Motta)
Sapatos largados na entrada da porta
tia corre
- menino danado, não deixe chinelo emborcado.
Seria o inverso há algum tempo
em que cataria sem querer sapatos dos meus filhos.
Não existe trilha certa, o coração é que manda
que comanda nossos pés e nossos atos.
A velha casa caiada e mofada
em que eu odiava estar preso ali
quem diria agora ser paixão e sonho de minha vida.
Venderia os olhos de minha cara
e compraria de volta a velha casa
onde hoje passam carros de época
ontem passaram rebanhos de rês
e de quando em vez o trovão assola o mundo;
o regresso ao antigo já evem.
Do teto cai, goteja
água barrenta do pó da telha
parece que parede vai desabar
mas o burburinho na bica
azedo
não faz olhos pestanejar como dantes.
Ah! A velha casa caipira
branca e manchada que nem a Mestiça
primeira vaca já feita que ganhei das mãos de meu pai
e tia rezou dois credos:
- homem bom se transformou.
Já não tinha mais angústia
e o ódio não tinha mais.
Casa velha e caiada, cheia de lodo
e limo escorrendo às paredes
me mostra a canção que mãe cantava
sem que eu jamais pudesse vê-la
o que fez de minha tia tomar conta de nós seis.
Deixar noivo na cidade linda e grande de Sobral
futuro de mulher de doutor
lavar roupa, lavar prato
ajudar com a boiada
cuidar de menino malino, era coisa pra devoção
Padre Cícero, São José e o nosso Frei Damião.
Era grande a nossa luta
a labuta de meu pai
sem nenhuma instrução
que o fez meio carrasco.
Mesmo morte de um dos filhos
por uma vaca mal comprada não fez ele chorar.
Arrancou arame e cerca
fez alta fogueira do curral
acabou produção leiteira, embrenhou um canavial.
Mais triste ficou nossa sina
arar campo sem olhar para trás
sem notar a dureza do chão
mas, não foi o trabalho,
foi um carro que levou meu outro irmão.
Desgostoso nosso pai deu casa por pouco preço
foi viver
carregou somente os outros
menino muito pequeno morre mais fácil.
Nossa vida, eu e tia, era verdadeira agonia
achava que ali seria o fundo do nosso poço.
Mas tia não se abateu
lavou roupa mais que nunca
pegou febre quase morreu.
Quase fiquei sozinho na vida
e o mais triste, me lembro agora, foi a nossa despedida.
Tia morreu velhinha, me viu casado e feliz
era para ela um sonho, uma glória
sua verdadeira salvação
me ver doutor que nem seu noivo amado
e eu lhe fiz essa questão.
Mas, ingrata é essa vida que a gente leva,
apanha e não aprende
e só gosta quando sente a saudade apertar
de sofrer com as lembranças
triste da minha infância
do sofrimento vivido meu antigo lar.
Comprei de volta a velha casa caiada
porque era o meu lugar
branca, manchada e mofada.