ARTIGO – A validade do aval sem autorização do cônjuge

Por Lucas Brito Ferreira Sousa | 21/06/2018 | Direito

ARTIGO – A validade do aval sem autorização do cônjuge¹

Lucas Brito Ferreira Sousa

 

1 DESCRIÇÃO DO CASO

 

João de Deus emitiu cheque em favor de Maria José, com data de vencimento em 12/12/2013, no valor de R$ 50.000,00. O cheque foi avalizado por Antônio Francisco, casado pelo regime legal, sem que sua esposa outorgasse a autorização para tanto. Em 10/10/2015 Maria José apresentou o cheque para pagamento, porém João de Deus não possuía recursos suficientes para o pagamento. Realizada a segunda apresentação, novamente a conta não tinha saldo. Passados vários meses de cobranças extrajudiciais, Maria José ajuizou ação monitória contra João de Deus e Antônio Francisco em 10/10/2014. João de Deus alega em defesa que o título não pode ser cobrado por não haver provas da relação que gerou a obrigação constante do título. Antônio Francisco, por sua vez, alega que não deve ser responsabilizado por João de Deus possuir bens suficientes para o adimplemento da obrigação, bem como por seu aval ser invalido em decorrência da ausência de autorização de seu cônjuge.

Dessa forma, supondo que você fosse o juiz do caso, você decidiria pela manutenção ou extinção do aval?

 

2 ARGUMENTOS CAPAZES DE FUNDAMENTAR CADA DECISÃO

 

2.1 Decisão proferida para manutenção do aval.

 

Com o novo Código Civil houve a introdução de uma temática nova, perante o artigo 1647, III (2002) impossibilitou a prestação de fiança ou aval do cônjuge que não tem a autorização do outro. Porém "Analisando-se atentamente a Lei Uniforme do Cheque introduzida pela Convenção de Genebra não se verifica ali qualquer menção à outorga uxória (ou marital) para a validade do aval." (TEIXEIRA, 2008).

Dessa forma, observa-se que a legislação especifica dos cheques não faz nenhuma menção à obrigação da autorização do cônjuge em matéria de aval, ficando resguardada a obrigatoriedade de manifestação de vontade só em hipóteses de fianças e o referido caso versa sobre aval, logo deverá ser mantido o aval de Antônio Francisco.

Ainda na defesa da validade do aval mesmo sem autorização do conjuge, Paulo Ricardo Teixeira (2008) alerta sobre a localização do dispositivo de obrigação da autorização que está no direito de familia inerente ao direito de obrigações.

A interpretação de um texto de lei jamais pode se dar por sua letra fria e de modo isolado, devendo, antes, ser analisada a norma à luz de todo o sistema que integra. E, neste compasso, não há lugar para se admitir nulo ou sequer anulável o aval prestado por um dos cônjuges sem a respectiva outorga. Isso porque vem o aval normatizado pelo Código Civil em seus artigos 897 a 903, que compõem o Título VIII do Livro I da Parte Especial da codificação e que enfrenta questões inerentes ao Direito das Obrigações. Se a intenção do legislador era de fato exigir à validação formal do aval [...] deveria estar presente no livro inerente ao Direito das Obrigações e não ao Direito da Família. (TEIXEIRA, 2008).

A disposição que versa sobre as características e formalidades que o aval deve apresentar se encontra no artigo 898 e seguintes do Código Civil e não há nenhuma determinação da obrigação da manifesta vontade do cônjuge para validade desse instituto. E de acordo com enunciado 114 da  I Jornada de Direito Civil (2002) : “O aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de modo que o inc. III do art. 1.647 apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao cônjuge que não assentiu.”

Desse modo, tem-se o entendimento de que deverá ser mantido o aval de Antônio Francisco.

 

2.2 Decisão proferida para extinção do aval.

 

O inc. III do art. 1647 do Código Civil determina a obrigatoriedade do consentimento do cônjuge para a instituição do aval ou fiança. A obrigatoriedade da autorização do aval foi inserida em 2002 com o advento do novo código e de acordo com Paulo Ricardo Teixeira (2008) teve a finalidade de preservar o patrimônio familiar daquele que com o ato não consentiu ou que do mesmo sequer tinha de fato conhecimento, desde que não tenha recebido em virtude do aval qualquer benefício de ordem econômica.

Quando a doutrina se refere ao regime da separação absoluta de bens, em regra, quer referir-se ao que foi assim firmado contratualmente, por meio de pacto antenupcial. A utilização dessa terminologia consagrada pela doutrina no texto do CC 1647 caput in fine, autoriza o interprete a dizer que em caso de o casamento ter se celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens exige-se autorização do outro cônjuge para a realização dos atos elencados nos incisos que se lhe seguem. (NERY JR, 2002)

Ligando esses dois pontos tem-se a conclusão de que é necessária a autorização uxória em casos de fiança e também de aval e nesse referido caso ao passo que explicita que o aval não houve consentimento, fica claro que deve ser anulado.

 

3 QUESTÕES SECUNDÁRIAS

 

a) Condições gerais do cheque.

 

De acordo com Fabio Ulhoa (2011) o cheque é uma ordem de pagamento à vista, sacada contra um banco e com base em fundos depositados pelo sacador em mãos do sacado ou decorrente de contrato de abertura de crédito entre ambos.

O cheque deve atender aos requisitos legalmente estabelecidos, a saber:

a) a expressão “cheque” inserta no próprio texto do título na língua empregada para a sua redação (art. 1º, I); b) a ordem incondicional de pagar quantia determinada (art. 1º, II); observe-se que a inexistência ou insuficiência de fundos não desnatura o cheque como um título de crédito (art. 4º, in fine); c) a identificação do banco sacado (art. 1º, III); não vale, no Brasil, como cheque aquele que for emitido contra um sacado não banqueiro (art. 3º); Manual de Direito Comercial - 019-344.indd 309 15/9/2010 14:40:43 310 d) o local de pagamento ou a indicação de um ou mais lugares ao lado do nome do sacado ou, ainda, a menção de um local ao lado do nome do emitente (arts. 1º, IV, e 2º, I e II); e) data de emissão (art. 1º, V); f) assinatura do sacador, ou seu mandatário com poderes especiais, admitido o uso de chancela mecânica ou processo equivalente (art. 1º, VI, e parágrafo único). O sacador deve ser identificado pelo número de sua Cédula de Identidade, de inscrição no Cadastro de Pessoa Física, do Título Eleitoral ou da Carteira Profissional (Lei n. 6.268/75, art. 3º). (COELHO, 2011, p.310)

 

b) Analisar a possibilidade da emissão de cheque pós-datado;

 

Analisando a Lei Uniforme do Cheque verifica-se que o cheque deve ser de ordem de pagamento à vista, porém é da prática usual e comum a emissão de cheque pós-datado. De acordo com Freire e Celestino (2012) a prática comercial levou a criação de uma modalidade de cheque não prevista por lei, alguns denominam cheque pré-datado, o que não é correto, pois pré-datar significa datar de forma pretérita, o correto seria pós-datar.

Em defesa dessa modalidade, o Superior Tribunal de Justiça emitiu a sumula 370 “Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.”.

 

c) Consequências da existência de bens do sacador.

 

“O avalista mesmo que o avalizado tenha bens suficientes ao integral cumprimento da obrigação cambiária, deve honrar o título junto ao credor, se acionado, e, depois cobrá-lo em regresso daquele”. (COELHO, 2011).

Não há beneficio de ordem no aval, ou seja, não há que se obrigar primeiro a execução dos bens do sacador, pois não é uma característica do aval, dessa forma ambos respondem pela divida sem favorecimento de um ou outro.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Código Civil/2002. Vade Mecum 17 ed. Atual. E ampl. – São Paulo: Saraiva 2014.

 

COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de Direito Comercial: direito de empresa. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

 

FREIRE JÚNIOR, Aluer Baptista; CELESTINO, Danilo Viana. O reconhecimento do cheque pós-datado no ordenamento jurídico nacional. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 104, set 2012. Disponível em: . Acesso em out 2015.

 

NERY JR., Nelson. Novo código civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: RT, 2002.

 

TEIXEIRA, Paulo Ricardo Gois. Aval tem validade mesmo sem a autorização do cônjuge. Disponível em:. Acesso em: out. 2015

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