A VACA

Por ANDREA LOPES MOREIRA | 07/07/2011 | Crônicas

Era uma vaca. Não uma vaca especial, apenas uma boa vaca branca de manchas pretas e enormes olhos brilhantes. Ela mastigava sem pressa alguns canudos verdes de capim fresco, que emanavam um leve cheiro de clorofila. O sol esquentava suas costas, e ela perceberia isso se tivesse alguma consciência, mas não tinha. O foco de sua então denominada "atenção", por falta de termos mais exatos, era um bloco de motor abandonado. Seus olhos negros refletiam o corpo de metal, que tinha um tom feio de negro misturado com cinza e ferrugem, já que aquilo estava ali fazia um bom tempo. Respirava lentamente, abaixava-se, rasgava uma nova porção de alimento do chão e voltava a encarar o objeto.
Tempos atrás, essa mesma vaca era a maior alegria de uma família. O pai, depois do desgaste de um dia de trabalho, andava rapidamente até o centro da vila, cinco moedas amontoadas em suas mãos calejadas. Sentia uma ponta de alegria em seu peito, finalmente traria algum tipo de progresso para a vida de sua miserável família, tão igual a tantas outras. O dinheiro obtido com o trabalho geralmente era utilizado para alimentar sete bocas, que viviam famintas. Seriam oito se o filho caçula tivesse vingado, e o homem perguntava se às vezes, em seus raros momentos de reflexão, se isso realmente havia sido uma coisa ruim.
Sentindo o suor brotando em sua testa, finalmente chegou a seu destino, aos arquejos. Viu um senhor sentado em um caixote de madeira, segurando três cordas, cada uma amarrada frouxamente no pescoço de três vacas quase esqueléticas, duas malhadas e uma marrom. Quanto quer pelas vacas, perguntou ao senhor que parecia cochilar, duas moedas de ouro por cada uma, respondeu o outro com uma voz rachada. Era uma boa oferta, então não procurou barganhar. Trocou duas das cinco moedas por uma das cordas, despediu-se brevemente e tomou seu caminho. Momentos depois andava para casa guiando a vaca de aparência mais saudável, com um sorriso discreto no rosto, imaginando a reação da mulher e dos filhos ao verem o animal. O restante desse trajeto não necessita nenhum tipo de descrição detalhada, já que é imaginável e previsível. As crianças e a mulher não acreditavam em seus olhos ao verem o bezerro de ouro. A família teve certo aumento em seu rendimento com a venda do leite, e as crianças tinham do que se alimentar quase todos os dias. Não fazia diferença para a vaca. Naquela época, ela fazia as mesmas coisas que faz agora, porém sem mãos humanas que removem seu leite, que a acariciam brevemente, e sem mãos infantis que às vezes tinham um toque brincalhão um pouco agressivo demais. Ela continuava alimentando-se dos pastos verdes, fertilizando o mesmo, dormindo, deitando-se sob o sol. Descobriu após um tempo uma pequena área coberta nos fundos da residência, que costumava cobrir a lenha cortada diariamente, e então começou a utilizar aquilo como abrigo.
Ela não compreendia por que a família não apareceu certa manhã, após uma noite especialmente agitada e barulhenta, e nem se perguntava sobre isso. Não sabia por que metade da casa estava esmagada pelo seu objeto de observação. Não sabia por que todos os antigos habitantes não mais viam, sentiam, ouviam ou respiravam. Não sabia o que era guerra. Ruminava calmamente em seu lugar, com os olhos fixos no motor que poderia ser considerado errante, sem se importar com muita coisa, sem luto pelos mortos, sem pensamentos relacionados a conflitos.
Mas afinal, quem poderia culpá-la? Era apenas uma vaca.