A transação penal nos juizados especiais criminais: uma análise sob a ótica da teoria dos jogos

Por Bruno Bruno Saulnier de Pierrelevée Vilaça | 15/04/2012 | Direito

A TRANSAÇÃO PENAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA TEORIA DOS JOGOS

 

Bruno Saulnier de Pierrelevée Vilaça

 

 

 

SUMÁRIO: Introdução; 1 Teoria dos Jogos; 1.1 Dilema do Prisioneiro; 2 Juizados Especiais Criminais; 2.1 A Transação Penal nos Juizados Especiais Criminais; 3 A Transação Penal nos Juizados Especiais Criminais: Uma Análise sob a Ótica da Teoria dos Jogos; Conclusão; Referências.

 

 

 

RESUMO

Busca-se, neste artigo, a feitura de uma relação entre a Transação nos Juizados Especiais Criminais (JECrim) e a Teoria dos Jogos, de Jonh Forbes Nash, para tanto, é necessária uma breve análise acerca da Teoria dos Jogos, tendo como enfoque principal o Dilema do Prisioneiro. Tal análise será de extrema importância para a continuidade do referido artigo. Para fazer tal relação será necessário um aprofundamento acerca da transação nos Juizados Especiais Criminais, a fim de que se encontre o ponto certo para as transações, de modo a tentar alcançar um denominador comum para as partes.

 

 

 

PALAVRAS-CHAVE

Juizados Especiais Criminais. Transação Penal. Teoria dos Jogos.

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O homem constantemente se vê diante de situações conflitantes em que precisa tomar decisões ótimas e imediatas em benefício de uma política, economia ou até mesmo em uma guerra. Essa tomada de decisão estratégica, submetido a determinadas circunstâncias, chama-se jogo. De acordo com o conjunto de informações que o jogador possui, em cada momento do jogo, este define qual deve ser a melhor ação a ser escolhida, determinando, assim, sua estratégia.

Assim sendo, para que se possa tomar uma decisão acertada, a ponto de interferir na jogada do outro, mas sempre visando a melhor opção para as duas partes, tem-se que ter conhecimento de todas as jogadas já feitas e ter um esboço do que está por vir.

Deste modo, para que se consiga chegar a um denominador comum entre as partes há que os dois lados saírem com algo bom para si, não adiantando, assim, que só uma parte seja beneficiada com o jogo.

Por isso, atualmente, no Brasil, e em alguns outros países, existe um instituto penal que serve de modo a fazer um acordo com o autor do fato para que venha a surtir uma situação agradável para o Estado e para o cidadão em questão. Portanto, para que o referido instituto funcione de forma eficaz é necessário que se encontre um denominador comum entre Estado e autor do fato.

 

1 TEORIA DOS JOGOS

Os jogos colocam as pessoas em situações nas quais vencer ou perder depende das escolhas feitas no início das partidas, tornando-se, desta forma, uma ferramenta importante para o desenvolvimento do ser humano.

Os jogos só começaram a ser estudados, no século XVII (ainda que de forma muito superficial, pois nessa época não haviam análises técnicas adequadas para estudar as suas estratégias), com os franceses Blaise Pascal e Pierre de Fermat, criadores da teoria da probabilidade – que serviu de alicerce para o desenvolvimento da estatística. Ainda no século XVII, Antoine Augustin Cournot – matemático francês – desenvolveu um conceito específico de equilíbrio, deste modo, só podendo ser aplicado em casos particulares – este conceito de equilíbrio foi, muitos anos depois, mais estudado e melhor desenvolvido, por John Nash.

Após os referidos estudos, somente no XX, com Émile Borel, que os jogos foram alvo da ciência, novamente. O objetivo deste matemático francês era verificar a existência de uma estratégia ótima, que no caso de ela ser seguida levaria o jogador à, tão esperada, vitória.

John von Neumann, matemático húngaro-americano, que provou o Teorema Minimax – teorema que afirma haver, sempre, uma solução racional para um conflito de interesses entre dois indivíduos, que sejam completamente opostos. O referido matemático escreveu o livro “Theory of games and Economic Behavior”, onde é demonstrado que problemas típicos do comportamento econômico podem ser analisados como jogos de estratégia. (ALMEIDA, 2003).

Alguns anos mais tarde, John Forbes Nash – ganhador do Prêmio Nobel de Economia, de 1994 – publicou sua tese de graduação, ”Non-Cooperative Games”. Tese que trata da existência de ao menos um ponto de equilíbrio em jogos estratégicos, com muitos jogadores. Defendendo, ainda, que para que ocorra tal equilíbrio é necessária a racionalidade dos jogadores, sem que haja comunicação por parte destes, a fim de evitar acordos. (ALMEIDA, 2006).

Deste modo, John F. Nash não criou a Teoria dos Jogos, e sim, modificou a mesma, de modo a trazer a possibilidade de esta ser utilizada em grupos, de forma cooperativa, e não competitiva. Para tanto, Nash publicou, ainda, outros artigos, como “The Bargaining Problem” (1949); “Equilibrium Points in N-Person Games” (1950); “Two-Person Cooperative Games” (1953). (ALMEIDA, 2006).

A Teoria dos Jogos é uma teoria matemática criada para se modelar fenômenos que podem ser observados quando dois ou mais “agentes de decisão” interagem entre si. Deste modo, tal teoria fornece a base para a descrição de processos de decisão conscientes e objetivos envolvendo mais de um indivíduo.

A referida teoria, portanto, se baseia em entender a lógica na hora da decisão, além de tentar responder se é possível haver colaboração entre os jogadores, em quais circunstâncias o mais racional não colabora e quais estratégias devem ser adotadas para garantir a colaboração entre os jogadores.

A Teoria dos Jogos ganhou nova dimensão e maior importância, inclusive no campo jurídico, a partir da teoria de Nash, que aprofundou os estudos de equilíbrio entre os agentes econômicos.

A Teoria dos Jogos ganhou, assim, aplicação em vários ramos da ciência moderna, como a Economia, a Biologia, a Ciência Política, Ciência da Computação, Lógica, Filosofia, Jornalismo, Direito, dentre outras.

 

 

1.1 Dilema do Prisioneiro

O Dilema do Prisioneiro, é um problema clássico da Teoria dos Jogos, foi originalmente formulado por Merrill Flood e Melvin Dresher em 1950. Mais tarde, Albert W. Tucker adaptou o problema original, adicionando a questão do tempo da sentença de prisão, e deu ao problema o nome por que veio a ficar conhecido.

Entretanto, com o passar do tempo a duração das prisões foram alterando, até chegar num ponto em que não se sabe, ao certo, qual o tempo de prisão que Albert W. Tucker tratava no problema original. Todavia, o tempo de prisão original, ou alterado, não vai implicar em uma mudança de resultado, por isso se faz necessária a análise de tal problema.

O referido problema é, desta forma, definido:

Dois suspeitos, “A” e “B”, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para condená-los, mas, separando os prisioneiros, oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 6 meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva 5 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber que decisão o outro vai tomar, e nenhum tem certeza da decisão do outro. A questão que o dilema propõe é: o que vai acontecer? Como o prisioneiro vai reagir?[1]

 

Para resolução do dilema do prisioneiro não há uma resposta correta, o que há, na verdade, é uma alternativa mais vantajosa para uma ou outra parte. Para ser dada a resposta mais vantajosa tem de haver uma ponderação, pois, caso os prisioneiros, sejam, ambos, racionais, estes pensarão em recusar o acordo oferecido e pegar uma pena mais branda. Entretanto, ainda no caso de serem os dois racionais, pode ser que um deles não queira cooperar, por isso, acabe delatando o comparsa. Fazendo assim, com que qualquer tomada de decisão seja bastante complicada, a ponto de não haver uma resposta correta.

Para elucidar, melhor, o dilema do prisioneiro, abaixo será exemplificado através de uma tabela, com as opções de cada prisioneiro.

 

 

“B” mantém o silêncio.

“B” delata “A”.

“A” mantém o silêncio.

6 meses de prisão para ambos.

Liberdade para “B”. 10 anos de prisão para “A”.

“A” delata “B”.

Liberdade para “A”. 10 anos de prisão para “B”.

5 anos de prisão para ambos.

 

Tendo por análise o quadro acima expresso, chega-se a conclusão de que a melhor saída, aos dois, seria o silêncio mútuo. Entretanto, há um confronto nesta situação, pois, caso “A” confie em “B” e, por isso, mantenha o silêncio, “B” pode não confiar em “A” – acreditando que o último irá entregá-lo – e findar por delatar “A”, sendo assim, “B” ficaria solto e “A” pegaria a pena máxima. Há, ainda, a possibilidade de nem “A” confiar em “B” e nem “B” confiar em “A” o que levaria a uma situação ruim para ambos.

Portanto, o que está em questão, não é, apenas, a pena a ser dada para “A” ou para “B”, o que está em jogo, em verdade, é o cálculo de vantagens de uma decisão que tem suas conseqüências ligadas à decisão do outro jogador. Tal cálculo deve levar em consideração que a confiança de um no outro e a traição por parte de um dos jogadores, ou de ambos, são essenciais na estratégia deste jogo.

Conclui-se, então, que para cada decisão a ser tomada, deve-se levar em conta toda a probabilidade de ações do outro jogador, não devendo pensar, apenas, naquela ação que, de forma mais óbvia, o levará para uma situação mais elevada. Deste modo, para cada decisão é necessária uma análise completa de todo o cenário presente.

 

2 JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

O Brasil, em sua Carta Magna de 1988 adotou o perfil político-constitucional "Estado Democrático de Direito". Esta definição está presente no artigo 1º da Constituição Federal, in verbis:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direto(...)

 

O Estado Democrático de Direito se caracteriza por ser uma união entre o Estado Democrático – aquele que se institui levando em consideração a soberania popular – e o Estado de Direito – criação liberalista, que faz do Estado submisso às leis –, entretanto, não fazendo com que essa união caracterize, unicamente, o Estado Democrático de Direito, este é caracterizado como um novo conceito, com suas características próprias, como muito bem nos ensina o douto constitucionalista, José Afonso da Silva:

A configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consiste, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se entremostra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando afirma que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando (SILVA. 2008. p. 119).

 

Com a criação da Constituição de 1988 o Brasil, de uma vez por todas, enveredou o seu sistema jurídico para a Declaração dos Direitos Humanos, que faz com que os princípios individuais dos seres humanos sejam, sempre, levados em consideração, assegurando, assim, as garantias fundamentais a todos os brasileiros.

À época da instituição da mais recente Constituição Federal o Brasil vivia uma situação conturbada, pois, com o eminente fim da Ditadura Militar – que já assombrava o povo brasileiro há 20 (vinte) anos – vinham reivindicações de todas as camadas, de todos os lados, reivindicações, estas, que buscavam uma maior proteção ao cidadão, a volta do Estado de Direito, uma maior proteção à própria Constituição, entre outras exigências. Por isso, ao ver de Tancredo Neves – Presidente da República, eleito indiretamente, que não chegou a assumir o cargo, entretanto – a Nova República – como ele próprio denominava o período pós-ditadura – teria que ser democrática e social.

Sua eleição, a 15.1.85, foi, por isso, saudada como o início de um novo período na história das instituições políticas brasileiras, e que ele próprio denominara de Nova República, que haveria de ser democrática e social, a concretizar-se pela Constituição que seria elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana, que ele convocaria assim que assumisse a Presidência da República (SILVA. 2008. p. 88).

 

As reivindicações acerca dos direitos fundamentais são reflexos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, promulgada em 1948 e assinada por diversos países, que a aderem até hoje.

 A Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, sem dúvida alguma, consagrou princípios universais que existem agora como princípios ou garantias constitucionais de direitos individuais em diversos países (Constituições da Itália, Alemanha, Espanha, Portugal), como seus pressupostos evidentes, inegáveis (ALVES. 2010. p. 1).

 

Direitos fundamentais, estes, que estão dispostos na Constituição Federal em seu artigo 5º, ao longo de seus 78 (setenta e oito) incisos. A Constituição Federal dita os direitos fundamentais um a um. Dentre estes princípios, há princípios que são adequáveis em todas as matérias, inclusive, da área penal, como o princípio da legalidade, da individualização de penas, da culpabilidade, do devido processo legal, da presunção de inocência, do contraditório penal, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade, entre outros.

Tratando dos princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, Rogério Greco:

Assim, inicialmente, e no plano abstrato, deve o legislador, atento a tal princípio, procurar alcançar a tão almejada proporcionalidade. Sabemos que a tarefa não é fácil, pois, em virtude do grande número de infrações penais existentes em nosso ordenamento jurídico penal, cada vez fica mais complicado o raciocínio da proporcionalidade. A quase proporção, é inegável, encontra-se no talião, isto é, no olho por olho, dente por dente. Contudo, embora aparentemente proporcional, o talião ofende o princípio da humanidade, pilar indispensável em uma sociedade na qual se tem em mira a dignidade da pessoa humana. Por essa razão é que o legislador constituinte preocupou-se em consignar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado Social e Democrático de Direito (inciso III do art. 1º da CF) (GRECO. 2010. p. 74).

 

Tendo em vista a explicação do Mestre em Direito Penal, Rogério Greco, deve-se ter em vista a dignidade da pessoa humana, sempre, antes de estabelecer uma pena a determinado crime.

A fim de contribuir com a inserção dos Direitos Humanos, no direito brasileiro, e, também, contribuir na facilitação de alcançar os princípios acima descritos, a Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 98, I previu a criação dos Juizados Especiais, com a possibilidade da transação penal, para crimes de menor potencial ofensivo. A transação vem de modo a tentar garantir à sociedade o direito à liberdade, dando a oportunidade àquele que cometera algum crime de ter uma punição mais branda, não necessariamente, tendo que ser uma pena privativa de liberdade.

Tal regulação foi dada pela Lei Federal 9.099/95, dando competência para que os Juizados Especiais Criminais (JECrim) fizessem a conciliação, processamento, julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo. O art. 61 da Lei nº. 9.099/95 conceituava infração penal de menor potencial ofensivo como sendo todos os crimes cuja pena máxima não excedesse um ano, excetuados aqueles que obedecessem a um procedimento especial, além de todas as contravenções penais.

     Porém, a Lei nº. 10.259/01, que criou os Juizados Especiais Federais Criminais, no parágrafo único do artigo 2º começou a considerar infração de menor potencial ofensivo os crimes nos quais a lei comine pena máxima não superior a dois anos, retirando a ressalva quanto ao procedimento especial, não se referindo, evidentemente às contravenções penais, pois, como é sabido, estão afastadas da competência da Justiça Federal, por força do artigo. 109, IV da CF.

Destarte, a nova lei conceituou de maneira diversa crime de menor potencial ofensivo, derrogando, desse modo, o artigo 61 da Lei nº. 9.099/95, que é utilizado somente quando trata das contravenções penais.

Os Juizados Especiais Criminais detêm como característica marcante a possibilidade de adoção de medidas despenalizadoras, como a composição civil de danos acarretando a extinção da punibilidade e a transação penal para imediata aplicação de multa ou de penas restritivas de direitos.

A Lei do JECrim (cf. Art. 77) diz que, se não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não ocorrência da hipótese do artigo 76, o Ministério Público oferecerá denúncia oral, imputando ao acusado a prática de uma infração penal de menor potencial ofensivo, devendo a denúncia conter os requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal.

A denúncia é oferecida na própria audiência preliminar, porque não foi possível a composição civil dos danos nem a transação penal. Neste caso, o acusado já sai da audiência citado e, consequentemente, cientificado da designação da audiência de instrução e julgamento.

O artigo 79 da lei do JECrim preleciona que, se na fase preliminar não tiver havido possibilidade de tentativa de conciliação e de oferecimento de proposta pelo Ministério Público, deverá ser dada nova oportunidade, agora, ao acusado.

Lembre-se que o objetivo do legislador sempre que possível é a reparação dos danos sofridos pela vítima e aplicação de pena não privativa de liberdade (cf. Art. 2º c/c 62). Neste caso, mesmo com denúncia oferecida, portanto com ação penal pública iniciada, será lícito ao Ministério Público barganhar com o acusado, desistindo, inclusive, da ação penal pública caso este aceite a proposta de transação. Assim, a previsão do artigo 79 é uma exceção ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública. (RANGEL, 2008).

 

Cabe ressaltar, ainda, que a propositura da Transação é de competência exclusiva do Ministério Público, não podendo ser concebida uma transação sem a participação do Ministério Público. Segundo entendimento do reiterado do STF, não é permitida a transação ex officio, de iniciativa de Juízes ou mediante provocação da defesa, o STF alega que tal instrumento é exclusivo do Parquet, portanto, não podendo ser realizada sem a participação do mesmo.

 

2.1 A TRANSAÇÃO PENAL NOS JUIZADOS CRIMINAIS

A transação penal, prevista no artigo 98, I, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

 

Vem, por meio da Lei 9099/95, ser regulamentada, de modo que o art. 76, da referida lei, permite que antes do oferecimento da denúncia, portanto, na fase administrativa ou pré-processual, o Ministério Público proponha um acordo, transacionando o direito de punir do Estado com o direito à liberdade do "autor do fato", desde que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos previstos na lei para a oferta, in verbis:

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

 

Aceita a proposta pela parte e seu defensor, aquela é submetida à apreciação judicial para o acolhimento (§§ 3º e 4º), se for o caso, e aplicação da pena restritiva de direitos ou pena pecuniária (multa), nos exatos termos do dispositivo legal acima citado, cabendo apelação dessa sentença (§ 5º do art. 76).

Ora, o objetivo da transação penal fica bem claro: o de proporcionar uma pena mais branda aos autores dos fatos, além de enxugar a máquina Judiciária.

 

3 A TRANSAÇÃO PENAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA TEORIA DOS JOGOS

Após toda essa explanação a respeito da Teoria dos Jogos e a respeito dos Juizados Especiais Criminais, com enfoque especial sobre a Transação Penal, cabe, agora, fazer a relação entre esses dois institutos, tão necessários hodiernamente.

Como já foi dito anteriormente, a transação penal se trata da propositura de um acordo, por parte do Ministério Público, à parte geradora do fato. Tal acordo é proposto com o intuito de transformar um jogo de não cooperação, em um jogo cooperativo. Ora, o processo penal, mesmo que no procedimento sumaríssimo, irá necessitar de tempo e esforço da máquina Judiciária, deixando, assim, o Poder Judiciário ainda mais abarrotado de processos, causando uma lentidão cada vez maior na busca da Justiça.

A transação penal tem por objetivo facilitar para o Ministério Público, que não precisaria fazer todo o procedimento do processo penal; a transação não tem o objetivo de facilitar, apenas para o Ministério Público, mas, também, para o autor do fato, que, não necessariamente, irá ter seu direito de ir e vir prejudicado, desde que faça a transação, em busca de uma pena mais branda.

Entretanto, o que se vem observando é o grande número de insatisfação por parte dos agredidos, como foi verificado através de pesquisa realizada em Ipatinga – MG. Como afirma o idealizador da pesquisa, Breno Inácio da Silva:

Será que o instituto da transação penal promove, de fato, uma justiça pactuada de modo a se permitir afirmar que, naqueles casos, houve uma eficaz administração dos conflitos?

Os dados obtidos através da pesquisa de campo, demonstraram que para o grupo pesquisado a resposta para o questionamento acima é negativa, já que a insatisfação de ambas as partes, fosse qual fosse o seu interesse no processo, ficou clara. (SILVA. 2004).

 

A transação penal é um instituto que deve, sim, ser analisado e estudado em busca de uma melhora na sua aplicação. Pois, o grau de insatisfação é grande. A transação, por exemplo, é feita de modo que o autor do fato a aceita por medo, e não por achar que pode melhorar sua situação. Estando previsto este outro elemento pode ser que acha um desequilíbrio na hora de jogar, pois uma das partes estará, ainda mais, em desvantagem perante a outra parte. Assim, o instrumento da transação serve, apenas, para desafogar o Poder Judiciário, assim sendo, eficaz para uma das partes, apenas.

Nos Estados Unidos há um instituto similar ao representado pela transação, que é o “Plea Bargaining”, que se apresenta de forma diversa ao instituo brasileiro. Pois, o instituto estadunidense representa um jogo equilibrado, em que ambas as partes estão cientes do que pode acontecer. Não há, portanto, uma situação de medo por parte de uma das partes. A fim de exemplificar o que fora dito anteriormente, vejamos uma tabela[2] com as diferenças existentes entre a transação e o instituto norte-americano.

 

DIREITO AMERICANO –

Plea bargaining

DIREITO BRASILEIRO –

Transação penal

Previsão: Emendas à Constituição n° IV, V, VI e VIII

Previsão: Artigo 76 da Lei 9.099/95, criadora dos Juizados Especiais

Pode ocorrer em face de qualquer tipo de crime

Só se verifica em relação aos crimes de menor potencial Ofensivo.

O cidadão investigado (avisado da investigação) toma ciência das evidências que existem contra si.

O elemento, investigado à ocultas (fundamento no regimento do Santo Ofício que dava primazia ao segredo) não toma conhecimento de absolutamente nada (nem o juiz ilhe diz o que está ocorrendo – afirma que nem quer saber se o acusado tem culpa).

Diante das evidências o acusado opta por passar ou não pelo processo (o processo é uma garantia do cidadão).

O elemento, sem saber do que se trata é coagido a aceitar a transação penal (Geraldo Prado)

O processo é uma garantia do Estado e representa para o acusado uma ameaça.

Aceitando o acordo o investigado aceita a culpa por um delito, ou seja, é construída uma verdade dos fatos para o caso concreto de forma consensuada.

Aceitando a transação penal – diz o sistema que o acusado não está aceitando culpa alguma (todavia culpabilidade = pressuposto de pena) - não se constrói verdade alguma.

O investigado aceita porque conhece as evidências e a possibilidade de eventual condenação.

O elemento aceita porque não sabe o que pode lhe acontecer no processo é para ele uma tensão obscura e ameaçadora.

Tendo em vista a tabela acima expressa, vê-se uma grande distinção entre o instituto utilizado no direito brasileiro e o utilizado pelo instituto norte-americano.

A transação penal acaba parecendo, grosso modo, como uma imposição do Judiciário a fim de diminuir os processos existentes, enquanto que nos EUA o instituto tem o claro objetivo de ser bom para as duas partes. Destarte, este fica mais apropriado a ser comparado e visto pela Teoria dos Jogos, pois as ações – tanto do Estado, como do autor do fato – serão em busca de uma resolução boa para as duas partes, mantendo, deste modo, o jogo equilibrado, sem que penda para lado “A” ou lado “B”.

Desta forma, fica claro que o direito brasileiro precisa, ainda, melhorar a aplicação deste instituto que aparece como sendo um instituto de muita utilidade para a resolução de conflitos. A transação, que deveria ter como meta a transformação do processo penal de um jogo não-cooperativo – no qual cada um faz o seu melhor para sair ganhando – para um jogo cooperativo – no qual todas as partes trabalham de forma a encontrar uma melhor resolução para ambos.

 

CONCLUSÃO

A Teoria dos Jogos, portanto, é caracterizada pela busca de um denominador comum entre os jogadores, tendo em vista as ações a serem dadas por cada jogador, de modo a deixar claro que os jogadores devem jogar tendo em vista, sempre, todo o cenário presente, assim como as ações já tomadas. Os jogadores devem, ainda, fazer uma previsão da ação que o outro jogador vai tomar, para que assim, obtenha o melhor resultado para ambos.

O direito brasileiro, com o fim de conseguir obter vantagens para o Estado e para o autor do fato, criou a chamada transação, que consiste em um acordo entre Estado e autor do fato, a fim de que se chegue a um melhor resultado para ambos.

Entretanto, com o alto nível de insatisfação, quando da utilização do referido instituto, vê-se que este não está sendo aplicado da melhor forma possível, pois, pende para, apenas, um dos lados, fazendo, assim, um jogo de não-cooperação. A forma como é aplicada a transação faz com que o autor do crime fique com medo da ação do Estado e, desta forma, acaba aceitando a transação sem nem saber o porquê de estar aceitando tal acordo. Destarte, a transação está sendo utilizada, apenas, para beneficiar um dos lados, o Estado – que passará a ter menos processos penais a julgar.

Portanto, o Brasil deve, ainda, estudar uma melhor forma de aplicar tal instituto, de modo que este beneficie todos os lados, ou seja, tanto o Estado, quanto o autor do fato, assim como é feito nos Estados Unidos, com o “Plea Bargaining” – instituto utilizado pelos norte-americanos que se assemelha com a transação penal.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Alecsandra Neri de. Teoria dos Jogos: As origens e os fundamentos da Teoria dos Jogos. Disponível em: http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos_teses/MATEMATICA/Artigo_Alecsandra.pdf. Acesso em: 17/10/2010.

 

 

ALMEIDA, Fábio Portela Lopes de. A teoria dos jogos: uma fundamentação teórica dos métodos de resolução de disputa. Disponível em: http://www.arcos.org.br/livros/estudos-de-arbitragem-mediacao-e-negociacao-vol2/terceira-parte-artigo-dos-pesquisadores/a-teoria-dos-jogos-uma-fundamentacao-teorica-dos-metodos-de-resolucao-de-disputa/. Acesso em: 17/10/2010.

 

 

ALVES, Roque de Brito. Constituição e Direito Penal. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/12642/12206 Acesso em: 20/10/2010.

 

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 12ª ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2010.

 

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008.

 

SILVA, Breno Inácio da. Formas Institucionais de Produção da Verdade: Transação Penal x PLEA Bargaining. v. 10. n. 1-2. Rio de Janeiro: Revista Ciências Sociais, 2004.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.



[1] Problema extraído do artigo sobre o “Dilema do Prisioneiro” presente no site Wikipédia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dilema_do_prisioneiro. Acesso em: 15/10/2010.

[2] Tabela retirada do artigo de Breno Inácio da Silva.