A TIRANIA DA MAIORIA: O problema do sistema representativo como fator determinante da democracia na forma Republicana Federal do Brasil

Por Márcio Freitas Costa | 18/03/2017 | Direito

A TIRANIA DA MAIORIA: O problema do sistema representativo como fator determinante da democracia na forma Republicana Federal do Brasil*

 

Márcio Freitas Costa**   

 

                                                                                                         

                                             

SUMÁRIOINTRODUÇÃO; 1 FEDERALISMO ; 2 A DEMOCRACIA DA MAIORIA- E O SILÊNCIO DAS MINORIAS;  3 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

 

RESUMO

O presente paper faz uma abordagem sobre o papel do Estado Federal brasileiro enquanto setor que preconiza a descentralização política, ou seja, faz um breve estudo sobre a viabilidade de garantir o acesso à justiça a todos que dela precisem. Não só na noção do poder judiciário, mas também no legislativo e no executivo. Verificando assim a necessidade de um Estado no qual o governo esteja nas mãos dos diferentes cidadãos, procurando excluir qualquer forma autoritária e tirânica do governo.

Palavras-chave: Federalismo. Democracia. Sistema Representativo.

INTRODUÇÃO

Democracia, Cidadania e o Estado Federado são temas recorrentes em estudos e pesquisas acadêmicas. Isso porque, antes da Constituição de 1988 percorreu-se um longo caminho até chegar a concepção que se tem hoje do que seja um projeto democrático.

A democracia não é apenas um mero título ou designação que indica um regime político democrático. É necessário que seja certificado na prática, até para que seja compreendido melhor todos os problemas da sociedade.

Deste modo, continua-se a discussão analisando as implicações do principio da representatividade no Estado Federado e como este efetiva o acesso à justiça, falado de forma sucinta, porém a essência do presente paper.  A proposta, em resumo, é fruto de um árduo trabalho de conscientização que tem o objetivo de adaptar uma sociedade profundamente estigmatizada – minorias – que precisa de uma tutela diferenciada.

Em outras palavras, vai tentar analisar de forma breve o método empregado para escolher a orientação política no Estado Federal mediante a soma dos diversos – setores sociais –, bem como se esse método é capaz de satisfazer as exigências naturais ou intuitivas de “razoabilidade” e de “justiça”.

Verifica-se diante disso que o paper preocupa-se com a proteção dos direitos fundamentais das minorias ergastuladas, visto que embora haja um número significativo de pessoas que “controlam” o Poder, ainda existem demandas populares, isto é, setores da população que colocam em xeque a legitimidade do voto democrático no sistema federal.

 

1 FEDERALISMO

 

Inicialmente, necessário informar que o Estado Federal surgiu no século XVIII com a Constituição norte americana, resultado da necessidade que tiveram as recém independentes colônias britânicas de não retroagir aos moldes coloniais e formar uma unidade política forte o suficiente para garantir a sua independência, criando assim um novo Estado soberano e autônomo.

.Nesta conjuntura, percebe-se que cada Estado cedia parte de sua soberania para um órgão central o que resultou na unificação e formação dos Estados Unidos. A professora Márcia Soares exemplifica dizendo que o movimento de formação de federalismo Norte Americano se deu de forma centrípeta, ou seja, de fora para dentro (1998).

É necessário informar que antes da criação e adoção do sistema federado pelos Norte Americanos, o regime vigente era o confederativo. 

A confederação possuía um órgão político central, o Congresso, de cunho predominantemente diplomático, que carecia de autoridade própria e respeitava a independência dos Estados associados, cada Estado conservava a soberania, a liberdade, e a independência, bem como o poder, a jurisdição e os poderes que não foram delegados expressamente à Confederação. (CARVALHO 2010, p. 1028)

 Outrora, o “Brasil só assumiu a forma de Estado Federado na Constituição de 1889, com a proclamação da República, o que foi mantido nas Constituições posteriores, embora o federalismo da Constituição de 1967 e de sua Emenda 1/69 tenha sido apenas nominativo” (SILVA, 1999 p.103). Registra-se também que o movimento que deu origem ao federalismo brasileiro surgiu de forma centrífuga, do centro para fora, ou seja, um Estado unitário centralizado que se descentralizou.

Importante acrescer ainda que “o período colonial brasileiro foi marcado por uma estrutura de poder central débil, caracterizado por ampla autonomia política de suas unidades territoriais (capitanias), o que levou à formação de núcleos autônomos de poder e de heterogeneidade de base territorial na colônia, ou seja, de identidades e interesses consolidados a partir da ocupação de um determinado território”, como justificativa para a implantação da forma federativa de Estado (SOARES, 1998, p. 159).

Já o período pós- independência foi caracterizado pelo confronto das forças que defendiam um estado unitário absolutista e outras que reivindicavam autonomia para as capitanias, as chamadas forças centrípetas e centrifugas, respectivamente.

A forma centrífuga é a da federação brasileira e é neste sentido que Rui Barbosa compara nossa realidade com a norte-americana, afirmando que “não somos uma Federação de povos até ontem separados e reunidos de ontem pra hoje. Pelo contrario, é da União que partimos. Na união que nascemos” (apud CARVALHO, 2010, p. 1033).

Entretanto, é valido registrar ainda que o projeto federativo brasileiro só buscava o autogoverno, e isto proporcionou que os entes federativos elegessem seus próprios governadores. Mas, o que mais enfraqueceu a idéia de República Federativa foi o monopólio das oligarquias do café com leite, onde Minas Gerais e São Paulo se revezavam no poder por terem concentração de riquezas bem maiores que as outras unidades.

Em linhas regrais,

O caráter centrífugo (1), o federalismo assimétrico e hierárquico (2) e a oligarquização do sistema político no plano subnacional, com o respectivo fortalecimento dos governadores e de suas máquinas estaduais (3) constituem as três características básicas do modelo federativo brasileiro em seu nascedouro (CARVALHO. 2010,  p 1033)

As demais Constituições brasileiras caminharam para uma progressiva centralização em favor da União e a partir da Constituição de 1934 se nota o início do federalismo de cooperação, que deixou para trás a federação dual ou isolacionista da Republica Velha.

Já a Constituição 1967 e a Emenda n. 1 de 1969 instituíram a federação hegemônica da União, sufocando a autonomia dos Estados-Membros, garantindo de modo exacerbado e absolutos poderes ao presidente, proporcionando claramente uma ditadura presidencial, submetendo os entes da federação, os poderes econômicos públicos e privados, os cidadãos e partidos à vontade do presidente.

Assim, a

ditadura presidencialista edificou o Estado centralizado, seja em normas escritas da constituição e das leis, como nos atos paralegislativos que diariamente saem das antecâmaras ministeriais. O presidencialismo autoritário desfigurou a federação e o edifício federativo fragmentou-se nos escombros que identificam as ruínas do federalismo (HORTA apud CARVALHO. 2010, p 1034).

Entretanto, com a Constituição de1988, afederação brasileira propôs a restauração dos princípios que regem um Estado Federal proporcionando um federalismo equilibrado, ampliando a autonomia dos Estados Federados e do Distrito Federal, e passou a colocar os municípios como entes federativos, fortalecendo e distribuindo as suas respectivas competências.

Com essa nova conjuntura (pós-ditadura), o Estado Federal Brasileiro passou a ser regido pelas seguintes características: a) Autonomia estadual b) Tríplice capacidade de auto-organização; normatização própria; autogoverno (poderes do estado) e auto-administração c) Organizar, formar, constitui os respectivos Estados Federados d) princípios estabelecidos e os princípios sensíveis, entre outros.

                    Dentre os princípios sensíveis, temos os positivados no artigo 34 inciso VII da Constituição Federal:

A União assegurará a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. (grifou-se)

Deste modo, percebe-se que a cidadania pressupõe o exercício efetivo de direitos, bem como o cumprimento de determinados deveres e obrigações, como o voto.

Assim, nas palavras de Roberto DaMatta (1992, p. 67) “[...] como cidadão eu pertenço a um espaço eminentemente público e defino o meu ser em termos de um conjunto de direitos e deveres para com outra entidade também universal chamada nação”.

E uma Nação só pode ser considerada democrática se aos seus cidadãos forem conferidos direitos e se esses mesmos direitos tiverem seu exercício assegurado, de forma a se permitir sua efetivação. “A democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais” (BOBBIO, 1992, p. 01), como o direito pleno de escolher seus representantes que atuarão no Poder.

2 A DEMOCRACIA DA MAIORIA- E O SILÊNCIO DAS MINORIAS

 

Feita uma breve análise da história brasileira, percebe-se que esta sempre foi constituída de monopólios, oligarquias e monarquias e ainda nos dias de hoje, encontra-se certa tirania controladora.

Antes de tudo, importante acrescentar que nesta conjuntura pós 1988, emergiu o que se denomina de Estado Social de Direito, passando a atuação do Poder Executivo a ser determinante na consecução dos objetivos almejados.

Hodiernamente, vive-se o chamado Estado Democrático de Direito, onde exerce função indispensável, o Poder Judiciário, responsável pela interpretação e aplicação da lei de maneira adequada à realidade social.

No atual estágio do Estado Democrático de Direito, percebe-se que ocorre uma espécie de deslocamento das atenções para o Poder Judiciário, em torno do qual passam a gravitar a eficácia de importantes decisões politicamente relevantes, ocorrendo o fenômeno da ‘judicialização’ da política e das relações sociais (ALVES, 2004, p.23).

                  

Entretanto, é visível que um dos fatores que proporciona essa politização do judiciário é a falta de representação proporcional para os vários setores da sociedade, ou seja, um sistema eleitoral que legitime a decisão da maioria de forma “democrática”. Lembre-se que segundo Bobbio (1996), “a regra da maioria foi concebida como o procedimento necessário, ou o mais idôneo, para a formulação de uma decisão coletiva nas universitates” (p. 256).

Nessa perspectiva, registre que o escrutínio majoritário segue o método segundo o qual, o candidato que obtiver mais voto é proclamado eleito. De acordo com esse sistema, as comunidades elegem por maioria, como seus representantes, pessoas de sua confiança. No Brasil, exige-se que o candidato seja eleito por maioria absoluta, ou seja, acima de cinquenta por cento.

Esta idéia de democracia parece legítima, entretanto, “a sociedade pode saber o que deseja, expressá-lo equivocadamente mediante o procedimento eleitoral, e em seguida uma maioria assim estabelecida pode aplicar suas orientações políticas com completo desprezo pelo desejo, interesses ou direitos das minorias” (WOLLHEIM, 1981, p.103).

Deste modo, nota-se que o problema nesta conjuntura seja mais sociológico do que político, no sentido de que o condicionamento social provavelmente fosse um remédio mais eficaz do que um sistema de freios e contrapesos constitucionais.

Corroborando com a idéia, Gabriel Chalita expõe que: “o poder é a capacidade de impor a própria vontade numa relação social; é um fenômeno de força, coação e coerção. Coação física econômica, psicológica (propagandas) e por pressão social difusa. Ainda na mesma linha de raciocínio, ele expõe que o poder reconhecido como necessário busca legitimidade, que é obtida com o consentimento daqueles que a ele se submetem” (1999 p.13)

Sublinhe-se ainda ao fato de que o modelo de uma sociedade pluralista como a brasileira, o grupo que predomina majoritariamente é o que ditas as regras. O chamado jogo do poder e é nesta perspectiva que encontramos as elites. A elite é um termo utilizado para designar categorias de indivíduos que se encontra em posição superior

Stuart Mill expõe que:

“A sociedade pode executar e executa os próprios mandatos; e, se ela expede mandatos errôneos ao invés de certos, ou mandatos relativos a coisas nas quais não deve intrometer-se, pratica uma tirania social mais terrível que muitas outras formas de opressão política, desde que, embora não apoiada ordinariamente nas mesmas penalidades extremas que estas últimas, deixa, entretanto, menos meios de fuga que elas, penetrando muito mais profundamente nas particularidades da vida e  escravizando a própria alma. A proteção, portanto, contra a tirania do magistrado não basta. Importa ainda o amparo contra a tirania da opinião e do sentimento dominantes: contra a tendência da sociedade para impor, por outros meios além das penalidades civis, as próprias idéias e práticas como regras de conduta, àquelas que delas  divergem, para refrear e, se possível, prevenir a formação de qualquer individualidade em desarmonia com os seus rumos, e compelir todos os caracteres a se plasmarem sobre o modelo dela própria. Há um limite à legítima interferência da opinião coletiva com a independência individual. E achar esse limite, e mantê-lo contra as usurpações, é indispensável tanto a uma boa condição dos negócios humanos como à proteção contra o despotismo político” (1991, p. 48-49, ) (grifou-se).

     Assim, fica nítido que ninguém tem o direito de obrigar o outro a agir segundo a moral reta ou a serem felizes, pois a moral e a felicidade são fatores socialmente construídos que dependem de cada época e da interpretação dos indivíduos. Deste modo, é valido alertar sobre o caráter intolerante dos “salvadores de almas”, sempre dispostos a coagir em nome do caminho da retidão e da felicidade eterna. Para Bauman, “[...] A pólis [...] é um lugar onde podemos nos encontrar como iguais, reconhecendo nossa diversidade e encarando a preservação dela como o próprio objetivo de nosso encontro” (2008 p.122).

                        Por fim, constituem situações abstrusas tanto a ausência de representatividade dos votantes relativamente à totalidade da população quanto o fato de que determinada maioria se forme a partir de votos desiguais. Apenas a ação individual consciente garante uma articulação adequada entre a vontade pessoal e a coletiva.

                        Diante disso, verifica-se que a tirania da maioria precisa ser evitada, tendo em vista a forma de governo brasileiro Mas, isso não significa que deve ocorrer uma renúncia ao governo democrático. Ao contrário, deve haver o nexo entre liberalismo e democracia, pois segundo Mill “a participação de todos nos benefícios da liberdade é conceito idealmente perfeito do governo livre” (1991, p. 38)

                        Registra-se assim que todos são iguais como cidadãos, mas são diferentes como pessoas. Todos são diferenças, construindo ao longo da existência uma trajetória singular, plena de pormenores e circunstâncias pessoais, de ocorrências e significações absolutamente subjetivas. Como pessoas, constituímo-nos como um espectro de competências, como um feixe único de características físicas, de estados emocionais, de modos de ser e agir.

Corroborando com essa idéia, Jeffrey Weeks afirma que “a humanidade não é uma essência a ser realizada, mas uma construção pragmática, uma perspectiva a ser desenvolvida por meio da articulação da variedade de projetos individuais, das diferenças que constituem nossa humanidade no sentido mais amplo” (apud BAUMAN, 2008, p.124)

 

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Ao término de estudos prévios e desenvolvimento do presente trabalho, chega-se a conclusão de que é possível elaborar objetivamente algumas considerações que delineiam um pouco as linhas de pensamento aqui esboçadas.

Em primeiro lugar, entende-se que uma das precípuas funções da União é promover, ainda que com dificuldades e limitações políticas, a valorização do principio da igualdade entres os diferentes setores da sociedade, de modo que os governantes tanto na esfera executiva quanto na legislativa sejam proporcionais aos respectivos setores sociais.

Por fim, sabe-se que esse problema no âmbito da política e da democracia é bastante complexo, pois pressupõe muitas análises e o presente trabalho é muito restrito. Entretanto, cumpre esclarecer que o sistema representativo regente em nosso pais é o que favorece a maioria, deixando de lado as minorias ergastuladas.

Assim, ratifica-se que o presente trabalho propõe uma critica a esse sistema, pois o mesmo legitima só alguns setores sociais e ainda propõe um sistema proporcional como alternativa para a ampliação da Justiça em favor das minorias.

REFERÊNCIAS

ALVES, Francisco Cleber, PIMENTA, Marilia Gonçalves. Acesso à Justiça em preto e branco: retratos institucionais da Defensoria Pública. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2004.

BAUMAN, Zygmunt. A Sociedade Individualizada: Vidas Contadas e Historias Vividas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed.2008

BOBBIO, Norberto. El filósofo y la política (Antología). México, Fondo de Cultura

Económica, 1996.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campos, 1992.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: Teoria do estado e da Constituição. Direito Constitucional Positivo. Belo Horizonte: Ed. Del Rey. 2010.

CHALITA, Gabriel. O poder. São Paulo. Saraiva, 1999.

CRESPINGY, Anthony de. Ideologia Políticas. In: Democracia, Richard Wollheim.Brasília: Ed. Unb, 1981.

DAMATTA. Roberto. A Casa e a Rua: espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade; tradução e prefácio Alberto Rocha Barros; apresentação Celso Lafer – 2. ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1991 (Clássicos do Pensamento Político; v. 22)

SILVA, Jose Afonso da. Direito Constitucional positivo ed. São Paulo. Malheiros Editores. 1999.

SOARES, Márcia  Miranda. Federação, democracia e instituições políticas.: Revista Lua Nova, revista de cultura e política 1998.



* Trabalho elaborado por  Márcio Freitas Costa, orientado pelo Professor Msc. Rafael Silva.

** Advogado