A TIPIFICAÇÃO DO "SEQUESTRO RELÂMPAGO" NO BRASIL

Por Wagner Martins Carrasco de Oliveira | 04/05/2009 | Direito

A TIPIFICAÇÃO DO “SEQUESTRO RELÂMPAGO” NO BRASIL

 

Wagner Martins Carrasco de Oliveira

Delegado de Polícia do Estado de São Paulo

Pós-Graduando em Ciências Penais

 

            Foi sancionado pelo Presidente da República o projeto de Lei nº 54/04, contrariando recomendação de veto do Ministério da Justiça, que inseriu ao Código Penal Brasileiro, no dia dezessete de abril do corrente ano, por meio da Lei nº 11.923/09, preceito primário definidor do tipo que descreve conduta criminosa vulgarmente denominada “seqüestro relâmpago”, bem como estabelece o seu preceito secundário (pena).

 

            Assim, foi acrescentado ao artigo 158 do Código Penal pátrio, que elenca o crime de “Extorsão”, um terceiro parágrafo, que ipsis literis dispõe:

 

Art. 158 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:

....

 

§ 3º Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6(seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art.159, §§ 2º e 3º, respectivamente”.   

 

            Com a evolução da sociedade e consequentemente das espécies delitivas, e haja vista, que nosso Código Penal é do ano de 1.940, o denominado “sequestro relâmpago” não possuía uma tipificação, sendo que, perdura discussão acerca do correto enquadramento legal desta modalidade delitiva, dividindo opiniões entre os juristas brasileiros.

 

            No ano de 1.996, foi inserido pela Lei 9.426/96 ao parágrafo 2º do artigo 157, o inciso V, determinando um aumento de um terço à metade da pena sobre o previsto para o crime de roubo (reclusão de 4 a 10 anos), ao delito desta espécie, efetivado com privação da liberdade da vítima, da seguinte forma: “se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade”.

 

Surgiram então, três correntes acerca da tipificação do “sequestro relâmpago”, na hipótese do agente sequestrar a vítima para obrigá-la a fazer alguma coisa, como por exemplo, digitar a senha do caixa eletrônico.   Alguns entendiam tratar-se de crime tipificado no artigo 158 (extorsão), outros se posicionavam no sentido de que configuraria o crime previsto no artigo 159 (extorsão mediante sequestro), e há ainda, os que se curvavam pelo enquadramento ao artigo 157, § 2º, V (roubo com aumento de pena pela restrição da liberdade).

 

Vimos que o parágrafo terceiro do artigo 158 do Diploma Repressivo Pátrio, estabeleceu como pena ao crime de extorsão com privação da liberdade, a reclusão de 6 (seis) a 12 (doze) e multa, e ainda, em caso de resultar lesão corporal grave a pena de reclusão de 16 (dezesseis)  a 20 (vinte) anos, e por derradeiro, agrava também a pena em caso de morte, ou seja, o legislador nos remete ao § 3º do artigo 157 do Código Penal, que fixa pena de reclusão de 24 a 30 anos.

 

Em artigo, os eminentes professores, Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha, mencionam dois aspectos de extrema importância, dados por conta desta alteração legislativa, quer sejam a desproporcionalidade da pena deste novo tipo com relação ao roubo com privação de liberdade da vítima, que é apenado com reclusão de 8 a 15 anos, ou seja, pena maior à da inovação em tela, e ainda, com relação ao crime de homicídio cujo bem tutelado é a vida, o qual este último crime, em sua modalidade simples possui pena igual à do “sequestro relâmpago”, ressaltando, os autores, a identidade patrimonialista de nosso país.  Outro aspecto citado se denota pelo fato do “sequestro relâmpago”, em sua modalidade simples e nas circunstâncias de redundar em lesão corporal grave à vítima, demonstrar-se mais benéfico ao réu pelo fato de não ser mais considerado crime hediondo, por falta de previsão da Lei 8072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), o que diversamente ocorria antes do advento da adição do aludido parágrafo terceiro do artigo 158 do C.P, considerando que o “sequestro relâmpago” podia ser enquadrado como extorsão mediante sequestro (art. 159 do C.P.) [1].

 

Consoante abordado acima, o “sequestro relâmpago” somente será hediondo, quando ocasionar a morte da vítima, conforme previsão do artigo 1º, inciso III, da Lei  8072/90, o que implica em benesses ao acusado.

 

Desta maneira, nas modalidades do caput e do § 1º do artigo 158 do Código Penal, que não são considerados delitos hediondos, o criminoso poderá ter a progressão de regime após o cumprimento de um sexto de sua pena, e fará jus a graça, anistia e indulto. E anteriormente, com a possibilidade de subsunção da conduta efetivada no “sequestro relâmpago” como extorsão mediante sequestro, o sentenciado apenas progrediria se tivesse cumprido dois quintos (réu primário) e três quintos (reincidente) de sua pena, e ainda, não poderia valer-se da anistia, da graça e do indulto.

 

No entanto, perdurarão algumas discussões relativas ao tema, como por exemplo, quanto as possibilidades de concurso entre os crimes dos artigos 157 em sua modalidade própria, ou presente a circunstância do inciso V (privação da liberdade), com o artigo 158, § 3º, todos do Código Penal, e ainda, quais as hipóteses de cerceamento de liberdade com fins patrimoniais poderão se enquadrar no artigo 157, V do mesmo Codex.  Sem contar, o que se refere ao tempo necessário para que a privação de liberdade na extorsão seja considerada.

 

A Lei 11.923 de 2009, teve por objetivo dirimir as divergências jurídicas no que tange ao correto enquadramento legal do contemporâneo crime de “sequestro relâmpago”, contudo, não as afastou por completo, e muitas discussões ainda existirão, sendo certo apenas, a meu ver, que o crime em testilha passa a ser uma modalidade de extorsão e que nos casos em que  ocorre o constrangimento, por meio de violência (vis absoluta) ou grave ameaça (vis relativa) e a restrição da liberdade da vítima,  com o fito de que aquela forneça ou digite pessoalmente a senha nos caixas eletrônicos objetivando saques em dinheiro, fato que ocorre com frequência, temos a subsunção desta conduta à inovação legislativa trazida pela lei alhures.

 

 

Referências:

 

 

 

 

1-                   GOMES, Luiz Flávio; SANCHES, Rogério Cunha. Sequestro relâmpago deixou de ser crime hediondo: Lei 11.923/2009 é mais favorável ao réu. Disponível em www.lfg.com.br. 20 de abril de 2009.

 

2-                   LEITE, Ravênia Márcia de Oliveira. A tipificação do sequestro relâmpago pela Lei n.º 11.923/2009. Revista Jus Vigilantibus,www. Jusvi.com, segunda-feira, 20 de abril de 2009.

 

3-                   MILÍCIO, Glaucia. Projeto sobre sequestro relâmpago é desastroso. www.conjur.com.br

 

4-                   NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 7ª edição. RT. São Paulo. 2007.

 

5-                   LAZARINI, Pedro.  Código Penal Comentado e Leis Penais Especiais Comentadas. 1ª edição. Editora Primeira Impressão. São Paulo. 2007.

 

 

 

 



1-  GOMES, Luiz Flávio; SANCHES, Rogério Cunha. Sequestro relâmpago deixou de ser crime hediondo: Lei 11.923/2009 é mais favorável ao réu. Disponível em www.lfg.com.br. 20 de abril de 2009.