A TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO...

Por Antonio Costa de Souza Neto | 15/05/2017 | Direito

A TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO BRASILEIRO: da regulamentação do TST a uma possível legislação

1 INTRODUÇÃO

Tendo em vista que o mercado de consumo é um fenômeno dinâmico e instável, é por princípio empresarial sempre obter maiores lucros com os menores gastos possíveis. Essa relação, lucro x gasto, muitas das vezes pode atropelas princípios éticos, morais e até mesmo jurídicos. Com a globalização à tona e a crise mundial a todo vapor, o mercado ficou ainda mais frágil, exigindo assim maior produtividade por menores custos para melhor competitividade com o mercado externo. E, como diz o ditado popular, “a corda sempre quebra do lado mais fraco”, o primeiro atingido nessa realidade econômica e social foi o trabalhador, que na maioria das situações possui seus direitos atingidos.

Sendo a terceirização uma das formas que os empresários têm buscado para obterem maiores lucros com o menor gasto possível, tal modalidade vem sendo bastante explorada pelas empresas, caracterizando em alguns casos abuso de direito. Ocorre que a lei é silente no que tange à possibilidade de terceirização de atividade fim no âmbito comercial. Isto é, em regra, terceirização é prevista para atividade meio, fazendo que, por exemplo, uma empresa não precise contratar empregados para limpeza e ter todos seus custos trabalhistas e, no lugar disso, apenas contrate uma empresa terceirizada de limpeza. Fato é que, sendo a lei silente, alguns visam a possibilidade de terceirização de várias atividades fins, ou seja, ter uma empresa repleta de funcionários terceirizados, sem gastos com suas obrigações trabalhistas.

É nessa realidade que surgiu o Projeto de Lei 4.330/2004, que visa alimentar a terceirização para atividade fim. Isso seria um fomento de empregabilidade, para os que defendem. E uma violação aos direitos trabalhistas, para os que criticam. Ocorre que o Direito como todo não pode se escusar de tutelar os mais vulneráveis em qualquer situação por mera lacuna legal. O trabalhador já sofreu muito no passado para que, no presente, seja hoje respeitado como ser humano, devendo ser valorizado como tal nas relações trabalhistas, ainda mais nesse cenário de fragilidade econômica e busca desenfreada por maiores lucros.

É nessa discussão que se baseia o presente trabalho: na vulnerabilidade do trabalhador frente ao poderio das empresas. E a discussão que se segue é na Súmula do TST que defende a terceirização como regra baseada em atividade meio e no Projeto de Lei que permeia no Congresso fomentando a atividade fim na terceirização. Caso aprovado tal Projeto, isso geraria mais empregos ou violaria mais os direitos trabalhistas? Ver-se-á a análise dessa questão no discorrer dos tópicos que se segue. 

2 DA TERCEIRIZAÇÃO 

A terceirização vem crescendo ultimamente como forma de contratação nos serviços públicos e privados. Com foco no direito do trabalho, sem haver restrição aos serviços públicos, o presente trabalho será embasado em todas as relações trabalhistas. A busca por maiores lucros faz com que tal fenômeno se aflore cada vez mais no cenário contemporâneo, ainda mais pelo silêncio da lei no que se refere ao fato da terceirização poder ser utilizada para atividade-fim ou tarefa principal. Alice Monteiro de Barros (2007, p. 441) também explicita a inovação tecnológica, alterações na organização da produção, métodos utilizados na gestão da mão de obra e necessidade do trabalhador como objetos de mudança que fizeram aflorar o fenômeno da terceirização. 

2.1 Conceito e Fundamentos 

Também chamada de desverticalização, exteriorização, subcontratação, filialização, reconcentração, focalização, horizontalização, terciarização, significa, nos dizeres de Vólia Bomfim Cassar (2015, p. 480), “a relação trilateral formada entre trabalhador, intermediador de mão de obra (empregador aparente, formal ou dissimulado) e o tomador de serviços (empregador real ou natural), caracterizada pela não coincidência do empregador real com o formal”.

Hélio Antonio Bittencourt Santos (2010, p. 123), em outros termos, afirma que terceirização é “a utilização de trabalhadores por pessoa diversa do seu empregador”, isto é, é a obtenção da prestação laboral de um empregado vinculado à uma empresa prestadora de serviços que assume as obrigações trabalhistas. Em suma, “para o direito do trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente” (DELGADO, 2014, p. 452).

Mauricio Godinho já é mais complexo, diz o referido autor, nos termos de Vólia Bomfim (2015, p. 480):

Terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. É o mecanismo jurídico que permite a um sujeito de direito tomar serviços no mercado de trabalho sem responder, diretamente, pela relação empregatícia estabelecida com o respectivo trabalhador. 

A terceirização não deixa de ser um modelo de relação trabalhista flexível (BARROS, 2007, p. 441). Nela há uma relação trilateral entre o empregado, empresa prestadora de serviço (empregador aparente) e empresa tomadora de serviço (empregador real). O vínculo empregatício, assim, se forma entre o empregado e o empregador aparente (havendo uma peculiaridade no que tange à administração pública, que não é o foco do presente trabalho). Assim, na terceirização, a empresa tomadora de serviços coloca seus trabalhadores nas empresas tomadoras, isto é, estas empresas contratam a mão de obra através de um terceiro, que serve de intermédio entre os trabalhadores e o tomador de serviço, sendo que o vínculo empregatício (obrigações trabalhistas) fica por conta da colocadora da mão de obra. Em outros termos, há uma relação civil entre a tomadora e prestadora, e uma relação trabalhista entre a prestadora e o empregado terceirizado. 

2.2 Classificações 

A terceirização pode ser permanente ou temporária, de atividade-fim ou de atividade-meio, regular ou irregular, voluntária ou obrigatória. A terceirização voluntária é aquela que o empresário escolhe se quer ou não terceirizar os serviços. A obrigatória, por sua vez, é aquela que o tomador não pode contratar diretamente o trabalhador, ou seja, a lei impõe a contratação do trabalhador por interposta pessoa. A terceirização regular é aquela prevista em lei e, quando não prevista em lei, que seja restrita à atividade-meio. Em outros termos, a terceirização regular “é a terceirização de mão de obra ligada à atividade-meio, quando ausentes os requisitos do vínculo de emprego entre o trabalhador e o tomador” (BOMFIM, 2015, p. 490). A terceirização irregular, ainda que a lei não proíba, viola os princípios básicos do Direito do Trabalho ou regras administrativas. A terceirização permanente é aquela que possui viés contínuo por necessidade da empresa. Já a terceirização temporária é aquela feita apenas por determinado período, visando atender determinada demanda.

Por fim, há a terceirização de atividade-fim e de atividade-meio. É óbvio que a primeira se baseia na terceirização da atividade principal da empresa e a segunda das demais atividades laborais da corporação. O que interessa no presente momento é ficar clara a repercussão dessa classificação para o cenário jurídico contemporâneo. Primeira coisa que se deve ficar evidente é que há a possibilidade de haver terceirização de serviços ligados à atividade-fim do tomador, isso no caso de substituição de pessoal regular e permanente ou para acréscimo extraordinário de serviço. No entanto, “a terceirização de serviços vinculados à atividade-meio é a regra; e a relacionada às atividades-fins a exceção” (BOMFIM, 2015, p. 485).

A repercussão dessa classificação para o cenário atual do direito trabalhista se atém ao projeto que tramita no Congresso Nacional, o Projeto de Lei 4.330/2004, que autoriza a terceirização da atividade-fim. Em outros termos, o que se visa com o referido projeto é transformar aquela terceirização irregular em regular, ou mais, transformar a exceção em regra. 

3 MERCADO DE TRABALHO CONTEMPORÂNEO E DIREITO 

Tido uma breve análise do que se entende por terceirização, vale entender o motivo do Poder Judiciário ampliar as hipóteses de terceirização. Tal fato se baseia no que se refere ao mercado de trabalho da atualidade visar cada vez mais lucros maiores de forma paralela à diminuição dos custos. Certo que isso sempre foi tendência entre os empresários, mas, com a explosão da internet no final do século XX e, consequentemente, globalização, somada com a crise nesse início do século XXI, esse fenômeno foi fomentado, gerando muitas vezes fraudes ou outros meios de melhores faturamentos.

A globalização possui efeito direto nas relações de trabalho, uma vez que faz o mercado ficar mais flexível e dinâmico, fazendo surgir a tendência de cada vez mais se exigir mão de obra especializada, sempre visando custos mais baixos, aumento de produção e melhor qualidade de produto (BOMFIM, 2010, p. 11)

Diante dessas crises, alerta Vólia Bomfim (2015, p. 23) que a tendência dita pelos neoliberais (os que defendem a globalização) é que haja uma revisão de garantias mínimas, devendo o Estado enxuga-las. Dessa forma, haveria uma minimização da atuação do Estado e consequentemente do Direito na tutela trabalhista. Com base nessa tendência, os empresários tiram proveito do enfraquecimento do poder sindical, da tutela legal e do desemprego alarmante, para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis. Assim, se espera do Estado que este fique cada vez mais atuante e forte para garantir os direitos do trabalhador nesse contexto de globalização neoliberal.

Percebe-se, sem muito esforço, que o Direito do Trabalho foi (vem sendo) atingido com o processo de globalização e do jeito que o mercado de trabalhado vem ficando. “A flexibilização das normas trabalhistas não pode pôr em risco os direitos adquiridos pelos trabalhadores, nem ser utilizado como mais um mecanismo do direito, mas como última solução a questões práticas de sobrevivência da empresa” (BOMFIM, 2015, p. 31). 

3.1 Súmulas do TST 

O direito não pode ficar inerte às mudanças sociais, sob pena da lei ser apenas uma mera folha de papel, sem eficácia nenhuma. Dessa forma, houve o cancelamento da Súmula nº 256 do TST e consequente edição da Súmula nº 331 do TST. Eis o teor das mesmas, in verbis: 

Súmula nº 256. Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços. 

Súmula nº 331. I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral. 

Vale dizer que a Súmula n. 331 o TST não desviou completamente a o teor da Súmula n. 256, limitando-se apenas a dar mais flexibilidade às contratações. Verifica-se que no item I dessa Súmula fica explicitado que “a contratação por empresa interposta continua sendo ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços, excetuada a hipótese de trabalho temporário” (BARROS, 2007, p. 443). Assim, continuou-se sendo inadmissível a delegação de tarefas para atividade-fim da empresa. No tocante ao item II da Súmula n. 331, fica excluída a possibilidade de, quando o trabalhador presta serviços por contratação irregular, sem concurso público, aos órgãos da Administração direta ou indireta, haver a relação de emprego. No item III permite-se que “o usuário recorra ao contrato de natureza civil apenas quando se tratar de serviços de vigilância, conservação e limpeza, ou de serviços especializados, ligados à atividade-meio do tomador e, ainda assim, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta” (BARROS, 2007, p. 444), uma vez que se estabelece a relação jurídica com o tomador de serviços quando presentes os dois pressupostos. Por fim, no item IV, é dito que há responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quando houver inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, desde que o tomador tenha participado da relação processual e conste também do título executivo.

Tendo em vista que a terceirização pode ser de atividade-fim ou de atividade-meio, como já dito, e que, como também supramencionado, a terceirização de serviços vinculados à atividade-meio seja regra, há um ponto que merece total atenção no cenário legislativo e jurídico. Ocorre que há um Projeto de Lei tramitando no congresso nacional autorizando a terceirização, também como regra, na atividade-fim. E é nesse ponto que reside a grande problemática do presente trabalho, sendo focado no tópico 4.

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