A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM DETRIMENTO DO CONCURSO PÚBLICO
Por jeova azevedo cirino | 18/09/2015 | DireitoA TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM DETRIMENTO DO CONCURSO PÚBLICO
Jeová Azevedo Cirino[1]
RESUMO: O presente artigo objetiva analisar a terceirização feita pela Administração Pública em detrimento do concurso público, instituto este insculpido no art. 37 da Constituição da República. Tendo como base o princípio da Legalidade será apresentada a alternativa que se enquadra como terceirização lícita, ou seja, aquela que atende aos critérios especificados pela lei, deixando claro que a possibilidade existente de terceirização na Administração Pública diz respeito apenas ao atendimento de atividades meio do ente público, não sendo aceitável adotá-la para o exercício de atividades pertinentes a atribuições de cargos efetivos próprio de seus quadros, nem para funções que impliquem no exercício de poder de polícia ou na prática de atos administrativos.
Palavras Chave: Administração Pública. Concurso Público. Terceirização.
1.INTRODUÇÃO
A administração pública com o objetivo de aplicar o princípio da economicidade tem optado em algumas situações por contratar mão-de-obra especializada, para desempenharem atividades que outrora eram desempenhadas por pessoal do quadro próprio, este fenômeno é conhecido como terceirização, ou seja, processo pelo qual determinada atividade-meio de uma empresa será transferida, de forma não subordinada e sem pessoalidade, princípios próprios do direito do trabalho, para trabalhador que não faz parte do quadro operacional da empresa tomadora do serviço por meio de uma empresa fornecedora de mão-de-obra, ficando configurada relação trilateral.
Diante do exposto, o fenômeno da terceirização não poderá ser utilizado indiscriminadamente, devendo a administração fiscalizar os seus contratos, dessa forma se por ventura fique comprovada a omissão, a administração será responsabilidade por verbas trabalhistas, assim sendo, como também terá que respeitar as normas imperativas de ordem pública, dentre elas a que diz respeito a contratação através de concurso público.
Nesse caminho, a Administração Pública pode delegar para terceiros a realização de atividades acessórias, consideradas de apoio, dedicando-se apenas à atividade principal, a denominada atividade fim, por outro lado, quando à Administração Pública terceiriza sua atividade-fim, essa, deverá obrigatoriamente ser declarada nula e consequentemente sem efeitos, isso que dizer que o operário terceirizado não pode ser vinculado aos quadros efetivos da administração pública.
Hipótese única onde não há obrigatoriedade do concurso público é quando tratamos de contratação temporária, de excepcional interesse público. Não raro nos depararmos, com fornecimento de mão-de-obra ao Estado sem concurso público. O que deixa claro que houve uma fraude aos direitos trabalhistas e violação ao interesse público. Contudo, a Administração Pública está submetida ao princípio da legalidade, ou seja, o poder público só pode fazer o que a lei determina.
Portanto, o presente estudo tem por objetivo analisar a terceirização na Administração Pública e seus reflexos, definindo seus contornos e fixando as responsabilidades do ente público.
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA TERCEIRIZAÇÃO NO BRASIL
O processo de terceirização tem sua origem, no momento que surge a necessidade em diminuir os custos operacionais, outro fator que influenciou este surgimento diz respeito a necessidade de uma mão-de-obra especializada, assim empresas e a Administração Pública passaram a contratar terceiros alheios aos seus quadros de trabalhadores com a finalidade de desempenhar atividades acessórias da empresa que outrora eram desenvolvidas pelos seus empregados.
No âmbito privado a terceirização tem seu início na década de 60 onde vários decretos foram criados tornando-a uma atividade permitida, o principal deles foi referente a terceirização de segurança bancária, vejamos a lição de Rubens Ferreira de Castro:
No Brasil a terceirização encontra seus primeiros sinais de existência nos Decretos-leis 1.212 e 1.216, de 1966 (que autorizavam a prestação de serviços de segurança bancária por empresas interpostas na relação de trabalho); no decreto 62.756, de 1968 (que regulamenta o funcionamento de agências de colocação ou intermediação da mão-de-obra); no Decreto-lei 1.034, de 1969 (que determina medidas de segurança para o funcionamento de empresas de segurança bancária).
Neste aparato o doutrinador Maurício Godinho Delgado esclarece, o seguinte, a terceirização surge com clareza no Brasil apenas na década de 70. Segundo o renomado doutrinador, na época que foi promulgada a CLT, na década de 40, a terceirização não tinha regulamentação até o final do século XX, senão vejamos:
Em fins da década de 1960 e início dos anos 70 é que a ordem jurídica instituiu referência normativa mais destacada ao fenômeno da Terceirização (ainda não designado por tal epíteto nessa época, esclareça-se). Mesmo assim tal referência dizia respeito apenas ao segmento público (melhor definindo: segmento estatal) do mercado de trabalho – administração direta e indireta da União, Estados e Municípios. É o que se passou com o Decreto-Lei n. 200/67 (art. 10) e Lei n. 5.645/70. (DELGADO, 2012, p. 436-437).
Nesta oportunidade a terceirização começa a surgir no ceio da Administração Pública, senão vejamos o art. 10 do Decreto-Lei 200/67, o qual especificou a execução da atividade da Administração Federal que deverá ser amplamente, vejamos:
Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada.§ 1º A descentralização será posta em prática em três planos principais: a) dentro dos quadros da Administração Federal, distinguindo-se claramente o nível de direção do de execução; b) da Administração Federal para a das unidades federadas, quando estejam devidamente aparelhadas e mediante convênio; c) da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões.
Assim confirma Maurício Godinho Delgado:
no quadro da reforma administrativa intentada em meados da década de 1960, no âmbito das entidades estatais da União (Decreto-Lei n. 200/67), foram expedidos 2 diplomas que estimulavam a prática de descentralização administrativa, através da contratação de serviços meramente executivos ou operacionais perante as empresas componentes do segmento privado da economia. Tais textos normativos consistem no art. 10 do Dec.-Lei n. 200/67 e na Lei n. 5.645/70. De certo modo, era uma indução legal à terceirização de atividades meramente executivas, operacionais, no âmbito da Administração Pública. (DELGADO, 2012, p. 438).
Em seguida surge a Lei nº 5.645/70, à qual especifica os serviços que poderiam ser terceirizados em consonância com o diploma legal anterior:
Art. 3º (...) Parágrafo único. As atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras semelhantes serão, de preferência, objeto de execução mediante contrato, de acordo com o art. 10, § 7º, do Decreto-Lei nº 200/67.
Tais institutos legais, mesmo que indiretamente, descentralizavam a atividade administrativa, através da contratação de serviços meramente de execução ou operacionais no bojo da Administração Pública.
Surgiram então várias leis como a do trabalho temporário (Lei 6019/74), Lei (7.102/83) que regula a terceirização do trabalho no âmbito da vigilância bancária, após isso, foi criado a lei (Lei 9.472/97) que regula os serviços de telefonia e das concessionárias de serviço público, Lei 8.987/95.
Por fim, cabe registrar que o artigo 442, hoje consolidado na CLT, foi introduzido pela lei 8.949/94, vejamos:
Art. 442. Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. Parágrafo único - Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela (BRASIL, Consolidação das Leis do Trabalho, 1943).
Em contrapartida, tal permissivo legal serviu de escudo e incentivo para as fraudes nas contratações, pois a lei do trabalho temporário estava sendo desrespeitada pela facilidade de burlá-la.
Então, com o escopo de evitar fraudes e regular o processo de terceirização o TST editou a Súmula 256, em 1986, que versava: “salvo os casos de vigilância, previstos nas Leis 6.019, de 3 de janeiro de 1974, e 7.102, de 20 de junho de 1983, é ilegal a contratação de empresa interposta, formando-se o vínculo direto de emprego com o tomador de serviços”.
Contudo, da análise da ultrapassada Súmula 256, hoje substituída pela Súmula 331 do TST, vê-se a postura da Corte trabalhista em evitar o uso irregular da terceirização na contratação de empregados por uma empresa interposta, na qual resultava na formação de vínculo diretamente com a contratante, em síntese o Tribunal Superior do Trabalho apenas aceitava a terceirização nas hipóteses de serviço bancário no setor e vigilância, restringindo formas diversas de terceirização.
Vejamos o que diz a respeito o doutrinador Maurício Godinho Delgado:
A jurisprudência trabalhista digladiou-se desde a década de 1970 em torno do tema da terceirização. O laconismo de regras legais em torno de tão relevante fenômeno sociojurídico conduziu à prática de intensa atividade interpretativa pela jurisprudência, em busca de assimilar a inovação sociotrabalhista ao cenário normativo existente no país. Nos anos de 1980 o TST fixou Súmula Jurisprudencial a respeito do problema, incorporando orientação fortemente limitativa das hipóteses de contratação de trabalhadores por empresa interposta. Em consequência dessa vertente orientativa, caso considerada ilícita a terceirização perpretada, determinava-se, para todos os fins, o estabelecimento do vínculo empregatício clássico com o efetivo tomador de serviços” (DELGADO, 2012, p. 446).
Mesmo que o poder judiciário tenha apresentado uma postura protecionista, não conseguiu evitar as fraudes e o crescimento da terceirização, sendo que, hoje, temos como fonte primordial da aplicação da terceirização no Brasil a Súmula 331 do TST e os princípios constitucionais, que passaram a impedir a declaração de vínculo com a Administração pública sem o prévio concurso público.
No entanto, mesmo a havendo no Direito do Trabalho a prevalência do princípio da proteção e o princípio da primazia da realidade, estes não poderão sobrepor as normais constitucionais.
1.2 CONCURSO PÚBLICO
É caracterizado como sendo procedimento administrativo obrigatório regulado pela Constituição Federal, composto por fases, todas reguladas por um Edital, que por sua vez é considerado a lei do concurso.
O meio necessário para ingresso efetivo nos quadros da Administração Pública, é o concurso público, salvo os cargos de natureza temporária o qual exigem processo simplificado de seleção e o cargo de comissão que não há exigência de concurso, pois é baseado em relação de confiança, de livre nomeação e exoneração, conforme está transcrito no art. 37, incs. II e V, da CF.
Diante do exposto, segue entendimento de José dos Santos Carvalho Filho:
Concurso público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, físico e psíquico de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecida sempre a ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos. (FILHO, 2007, p.525)
De acordo com posicionamento do TST especificado na súmula 363, o qual defende a exigência de prévia aprovação em concurso público, tornando nula qualquer contratação sem observância do certame, senão vejamos:
Sum. 363, TST A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.
Por consequência, o Supremo resolveu a questão definitivamente e assentou na Súmula nº 685, o seguinte posicionamento: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
Destarte, qualquer forma de burlar a interpretação minuciosa do concurso público deverá ser declarada nula, não podendo existir ingresso a esse merecido por qualquer forma de terceirização, seja lícita ou ilícita, como forma de negar efetividade a norma constitucional.
Assim, neste entendimento José dos Santos Carvalho Filho dita três regras estabelecidas no princípio do concurso público que devem ser respeitadas, verbis:
Baseia-se o concurso em três postulados fundamentais. O primeiro é o princípio da igualdade, pelo qual se permite que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas para todos. Depois, o princípio da moralidade administrativa, indicativo de que o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações de nepotismo, em ordem a demonstrar que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. Por fim, o princípio da competição, que significa que os candidatos participam de um certame, procurando alçar-se a classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público. (FILHO, 2006, p. 583)
2 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme exposto ao longo do artigo, a terceirização ilícita na Administração Pública ocorre, na verdade, quando há intermediação de mão de obra disfarçada de prestação de serviços.
Os empregados terceirizados trabalham com pessoalidade e subordinação, tratando-se, na verdade, de substituição de servidores concursados por empregados terceirizados, reduzindo custos. Trata-se de prática que viola os princípios da Administração Pública inscritos no art. 37 da Constituição da República, autorizando, inclusive, a equiparação salarial.
A responsabilidade da Administração Pública na terceirização ilícita difere da responsabilidade de uma empresa privada na mesma situação. Enquanto a desta última é direta, a da Administração Pública é subsidiária. O acompanhamento do contrato administrativo, bem como a verificação da saúde financeira da prestadora de serviços, nesta hipótese, não afastará a responsabilidade da administração, uma vez que sua intenção está justamente em utilizar-se de intermediação de mão de obra.
O princípio do concurso público impedirá a formação de vínculo diretamente com a Administração, na hipótese de terceirização ilícita, mas as verbas trabalhistas serão sempre devidas, acaso inadimplidas pela prestadora.
Então, a Administração pública quando contrata um trabalhador com o objetivo de laborar na sua atividade fim ou até mesmo por uma empresa interposta, estará fraudando os preceitos constitucionais do concurso público, sendo então, deverá anular o ato de contratação e responderá assim pelas verbas de natureza salarial.
Assim, verifica-se que a doutrina e jurisprudência brasileira em salvaguardar os preceitos constitucionais, dando assim efetividade e interpretação conforme à Constituição Federal protege o instituto do concurso público.
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[1] Graduando do curso de Direito – Faculdade Maurício de Nassau - Campina Grande – Pb, E-mail: jeovacirino@hotmail.com